Janio de Freitas
O motivo dos festejos
A prisão de maus policiais nas operações contra a criminalidade urbana merecia ser mais celebrada
Nas operações preparatórias para a invasão da Rocinha, hoje esperada, a polícia descobriu mais policiais associados à criminalidade do que criminosos caçados. As prisões dos bandidos declarados foram celebradas como de costume, com euforia especial no caso de Nem. O festejo, porém, do ponto de vista da segurança pública, foi em direção invertida.
Não se tem dado a importância apropriada ao papel dos policiais abandidados nas dificuldades para combater a criminalidade urbana. São muito além de apenas "maus policiais", eventualmente apanhado um ou caídos em flagrante uns poucos.
A primeira e grande ocupação policial, por exemplo, deixou a evidência da desproporção entre o número de bandidos dominadores do imenso complexo do Alemão e a insignificante quantidade de armamento apreendido. Outras evidências, de dias anteriores e da própria invasão, negavam a hipótese de fuga levando as armas pesadas. Foram enterradas, supuseram alguns, mas nenhum vestígio disso foi encontrado. A estranheza passou sem explicação.
Sabe-se agora como as armas de combate - fuzis, metralhadoras, granadas - evaporaram em pouco tempo. Só um dos policiais presos há três dias, surpreendido com outros quando proporcionava a retirada de criminosos e armas da Rocinha, em uma única viagem transportara 15 armas pesadas daquela favela na Zona Norte para a segurança do arsenal de Nem da Rocinha, na zona sul. Quantas viagens fez? Quantas outros fizeram? Todos com o passe-livre de policiais. Não foi sem proteção, também, que muitos bandidos do Alemão, inclusive os chefões, saíram dali para lugares onde continuaram sua atividade. E de onde já muitos experimentam a volta.
Basta um só policial para passar informações decisivas às chefias do crime. E são muitos a fazê-lo. Neste ano, várias operações policiais foram suspensas ou frustradas com a constatação de que, apesar de todo o sigilo possível no seu planejamento, os traficantes foram delas avisados. Na Rocinha que volta à carta, as frustrações deram-se várias vezes nos últimos meses, e em outras favelas deu-se o mesmo.
As invasões foram adotadas, já com tantos anos reconhecida a ineficácia de repressões isoladas e ocasionais, quando afinal reconhecidas como último recurso para anular as quadrilhas concentradas nas favelas (São Paulo não tem quadrilhas nem bandos, seu academicismo batizou-os de facções, palavra sem conexão explícita com violência e criminalidade).
Mas, aceito que a pior dificuldade para combater os bandos está em sua farta presença dentro da polícia, sobrevém uma questão ácida: como "invadir e ocupar" esse braço da criminalidade cujos componentes são decisivos, de importância vital, para a sobrevivência das quadrilhas. Ainda que deslocadas em sua geografia, como tem decorrido das invasões já feitas.
Assim é o problema que, já bem fixadas as táticas para as favelas, atrai as elaborações do comando já bem-sucedido nas retomadas que são, no entanto, apenas o primeiro capítulo de uma nova e longa história social da criminalidade à brasileira. Nele, as prisões dos policiais abandidados mereciam ser razão dos festejos.
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