domingo, 28 de junho de 2015

Colunista da Folha vê “violações” e “sadismo” na Lava Jato | Esmael Morais

Colunista da Folha vê “violações” e “sadismo” na Lava Jato | Esmael Morais



O jornalista Janio de Freitas desfere duras críticas em diversos
aspectos da Operação Lava Jato em sua coluna deste domingo 28. “É
preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber
certo sadismo na Lava Jato”, conclui o colunista, que aponta
“violações” e “sadismo” na investigação comandada pelo juiz Sérgio Moro.


Para ele, “o exemplo mais perceptível e menos importante” do citado
“sadismo” são “as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana
apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada”. Entre
os políticos, diz Janio, “a hipocrisia domina”, uma vez que “são
milhares” os que recebem doações de empreiteiras e bancos. “Houve mesmo
jantares de arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos.
Ninguém na Lava Jato sabe disso?”, pergunta, em menção a FHC.


Janio critica o “jorro contínuo de vazamentos” de informações que
seriam “sigilosas” da Polícia Federal, mas ressalta que “a imprensa é
que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo
deformante vindos da Lava Jato”. O jornalista aponta ainda que ocorre,
com os “vazamentos deformantes”, o “desvio da suspeita”, como no caso do
bilhete de Marcelo Odebrecht, que teria pedido para “destruir” um
e-mail.


Abaixo, leia a íntegra do artigo de Janio de Freitas:




Jatos que mancham


É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber certo sadismo na Lava Jato


Janio de Freitas


Como inquérito “sob segredo de Justiça”, a Operação Lava Jato lembra
melhor uma agência de propaganda. Ou, em tempos da pedante expressão
“crise hídrica”, traz a memória saudosa de uma adutora sem seca.


Em princípio, os vazamentos seriam uma transgressão favorável à
opinião pública ansiosa por um sistema policial/judicial sem as
impunidades tradicionais. Mas, com o jorro contínuo dos tais vazamentos,
nos desvãos do sensacionalismo não cessam os indícios que fazem a “nova
Justiça” — a dos juízes e procuradores/promotores da nova geração — um
perigo equivalente à velha Justiça acusada de discriminação social e
inoperância judicial.


É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não
perceber um certo sadismo na Lava Jato. O exemplo mais perceptível e
menos importante: as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana
apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada.
Depois, a distribuição de insinuações e informações a partir de mera
menção por um dos inescrupulosos delatores, do tipo “Fulano recebeu
dinheiro da Odebrecht”. Era dinheiro lícito ou provou-se ser ilícito? É
certo que o recebedor sabia da origem, no caso de ilícita?


A hipocrisia domina. São milhares os políticos que receberam doações
de empreiteiras e bancos desde que, por conveniência dos candidatos e
artimanha dos doadores, esse dinheiro pôde se mover, nas eleições, sob o
nome de empresas. Nos últimos 60 anos, todos os presidentes tiveram
relações próximas com empreiteiros. Alguns destes foram comensais da
residência presidencial em diferentes mandatos. Os mesmos e outros
viajaram para participar, convidados, de homenagens arranjadas no
exterior para presidente brasileiro. Banqueiros e empreiteiros doaram
para os institutos de ex-presidentes. Houve mesmo jantares de
arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos. Ninguém na Lava
Jato sabe disso?


Mas a imprensa é que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo deformante vindos da Lava Jato.


A partir de Juscelino, e incluídos todos os generais-presidentes, só
de Itamar Franco e Jânio Quadros nunca se soube que tivessem relações
próximas com empreiteiros e banqueiros. A íntima amizade de José Sarney
foi mal e muito comentada, sem que ficasse evidenciada, porém, mais do
que a relação pessoal. Benefícios recebidos, sob a forma de trabalhos
feitos pela Andrade Gutierrez, foram para outros.


Ocorre mesmo, com os vazamentos deformantes, o deslocamento da
suspeita. Não importa, no caso, o sentido com que o presidente da
Odebrecht usou a palavra “destruir”, referindo-se a um e-mail, em
anotação lida e divulgada pela Lava Jato. O episódio foi descrito como
um bilhete que Marcelo Odebrecht escreveu com instruções para o seu
advogado, e cuja entrega “pediu a um policial” que, no entanto, ao ver a
palavra “destruir”, levou o bilhete ao grupo da Lava Jato.


Muito inteligível. Até que alguém, talvez meio distraído, ao contar o
episódio acrescentasse que Marcelo, quando entregou o bilhete e fez o
pedido ao policial, já estava fora da cela e a caminho de encontrar seu
defensor.


Então por que pediria ao policial que entregasse o bilhete a quem ele mesmo ia encontrar logo?


As partes da historinha não convivem bem. Não só entre si. Também com
a vedação à interferência na comunicação entre um acusado e seu
defensor, considerada cerceamento do pleno direito de defesa assegurado
pela Constituição.


Já objeto de providências da OAB, a apreensão de material dos
advogados de uma empreiteira, em suas salas na empresa, foi uma
transgressão à inviolabilidade legal da advocacia. Com esta explicação
da Lava Jato: só os documentos referentes ao tema da Lava Jato seriam
recolhidos, mas, dada a dificuldade de selecioná-los na própria empresa,
entre 25 mil documentos, foram apreendidos todos para coleta dos
desejados e posterior devolução dos demais.


Pior que uma, duas violações: a apreensão de documentos invioláveis,
porque seus detentores não são suspeitos de ilicitude, e o exame
violador de todos para identificar os desejados. Até documentos secretos
de natureza militar, referentes a trabalhos e negócios da Odebrecht na
área, podem estar vulneráveis.


Exemplos assim se sucedem. Em descompasso com uma banalidade:
condenar alguém em nome da legalidade e da ética pede, no mínimo,
permanentes legalidade e ética. Na “nova Justiça” como reclamado da
“velha Justiça” – Artigo de Janio de Freitas. Na Folha de S. Paulo.

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