quinta-feira, 25 de junho de 2015

Ódio - Jornal O Globo

Ódio - Jornal O Globo



Luiz Fernando Veríssimo

Sentimento está no DNA da classe dominante brasileira, que
historicamente derruba, pelas armas se for preciso, toda ameaça ao seu
domínio, seja qual for a sigla

Não vi a entrevista do Jô
com a Dilma, mas, conhecendo o Jô, sei que ele não foi diferente do que é
no seu programa: um homem civilizado, sintonizado com seu tempo, que
tem suas convicções — muitas vezes críticas ao governo — mas respeita a
diversidade de opiniões e o direito dos outros de expressá-las. Que Jô
fez uma matéria jornalística importante e correta, não é surpresa. Como
não é surpresa, com todo esse vitríolo no ar, a reação furiosa que
causou pelo simples fato de ter sido feita.

A deterioração do
debate político no Brasil é consequência direta de um antipetismo
justificável, dado os desmandos do próprio PT no governo, e de um ódio
ao PT que ultrapassa a razão. O antipetismo decorre, em partes iguais,
da frustração sincera com as promessas irrealizadas do PT e do
oportunismo político de quem ataca o adversário enfraquecido. Já o ódio
ao PT existiria mesmo que o PT tivesse sido um grande sucesso e o Brasil
fosse hoje, depois de 12 anos de pseudossocialismo no poder, uma Suécia
tropical. O antipetismo é consequência, o ódio ao PT é inato. O
antipetismo começou com o PT, o ódio ao PT nasceu antes do PT. Está no
DNA da classe dominante brasileira, que historicamente derruba, pelas
armas se for preciso, toda ameaça ao seu domínio, seja qual for sua
sigla.

É inútil tentar debater com o ódio exemplificado pela
reação à entrevista do Jô e argumentar que, em alguns aspectos, o PT
justificou-se no poder. Distribuiu renda, tirou gente da miséria e
diminuiu um pouco a desigualdade social — feito que, pelo menos pra mim,
entra como crédito na contabilidade moral de qualquer governo. O
argumento seria inútil porque são justamente estas conquistas que
revoltam o conservadorismo raivoso, para o qual “justiça social” virou
uma senha do inimigo.

Tudo isto é lamentável mas irrelevante, já
que o próprio Lula parece ter desesperado do PT. Se é verdade que o PT
morreu, uma tarefa para investigadores do futuro será descobrir se foi
suicídio ou assassinato. Ele se embrenhou nas suas próprias contradições
e nunca mais foi visto ou pensou que poderia ser a primeira alternativa
bem-sucedida ao domínio dos donos do poder e acordou um dia com um tiro
na testa?

De qualquer maneira, será uma história triste.

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