quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Por que #EleNão



PORQUE #ELENÃO – Dani Cronemberger

2OUT

Querida família: por que #EleNão

Em 26 de setembro de 2018
por Dani Cronemberger

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Querida família, queridos amigos,

Ontem, ao menor sinal de discordância, uma pessoa querida por mim saiu de um grupo da família, e isso me fez pensar no tamanho da crise pela qual passamos: uma crise de ausência total de diálogo. A conversa via redes sociais e whatsapp reduziu nossa interação a uma ou outra frase de efeito, com um embate reduzido a poucas ideias superficiais, e isso tem inviabilizado qualquer debate real. Eu tenho responsabilidade nisso também.

Por isso, achei necessário explicar por que a questão “o Coiso” atinge meu corpo e minha mente com tanta dor. Você não é obrigado a ler, claro. Mas se tiver apreço por mim e quiser entender onde me dói, vou tentar te explicar.

É importante começar dizendo que minha primeira opção nestas eleições não é o PT. Porque, ao que parece, todo e qualquer argumento contra “o Coiso” é desqualificado imediatamente com o carimbo de “petista” ou “petralha”. Reconheço muitas conquistas excelentes do governo Lula, mas reconheço também muitos erros gravíssimos, e acho a falta absoluta de autocrítica e autoanálise do PT um erro tão grave quanto a corrupção. Não acho o PT o pior partido do país – quem acompanha a política sem a névoa do ódio nos olhos consegue ver que, infelizmente, tem coisa pior por aí. O demônio não é um partido, mas o sistema político corrompido, gritando por uma reforma política decente. Mas acho que, sim, deveria existir uma alternativa viável, que diminuísse essa polarização absurda. Só que não há, por enquanto. Talvez haja nas próximas eleições, espero.

Dito isso, vou falar sobre a hipótese de segundo turno entre Haddad e “o Coiso”. E começar dizendo o quão absurdo é colocar esses dois candidatos no mesmo patamar. Eles não são duas faces da mesma moeda. Eles não são comparáveis. Simplesmente porque “o Coiso” não está no mesmo nível, como pessoa capaz de governar e especialmente como ser humano, de nenhum outro candidato destas eleições. No campo político oposto a Haddad estão Alckmin, Amoêdo, Meirelles. E eu votaria em qualquer um deles, qualquer um, contra “o Coiso”. Ainda que eu fosse totalmente contra o partido, suas bandeiras e prioridades. Porque não tem comparação.

E por que não? São tantos motivos que não sei por onde começar, juro. Mas acho que bastaria dizer um: o grande herói, o grande ídolo deste homem é um torturador. Eu gostaria muito de parar por aqui, porque queria acreditar que esta é uma razão suficientemente grave, que vai muito além da política e do nosso sistema político corrompido. O meu primeiro choque, e minha primeira dor, surgem neste ponto: isso não é suficiente para que fique claro que “o Coiso” é a pior opção, seja qual for o seu opositor. Então, não posso parar por aqui. Preciso continuar argumentando.

O grande herói e ídolo deste homem foi o primeiro agente da ditadura a ser reconhecido como torturador pela Justiça brasileira. É responsável por pelo menos 45 mortes e desaparecimentos – ou seja, execuções sem direito a defesa ou julgamento judicial. Carlos Alberto Brilhante Ustra espancou e aplicou choques em uma mulher grávida de 7 meses. Colocou mulheres e homens em pau-de-arara, aplicou eletrochoques em lugares diversos de seus corpos, incluindo mamilos e órgãos genitais, submeteu pessoas a afogamentos, palmatória e espancamentos. Levou duas crianças (de 4 e 5 anos) para assistir seus pais torturados, nus, sujos de vômito, fezes, urina e sangue. Este é o herói de um candidato à Presidência. Mas preciso continuar argumentando.

Fico espantada ao ver pessoas inteligentes dizendo: “mas ele disse que não é homofóbico”. Machista? “Não exagera”. Racista? “Você é muito radical”. Eu não sei se algumas pessoas preferem acreditar nisso, pra se abster da culpa moral, ou se na verdade elas concordam com a tortura e o preconceito, e “o Coiso” funciona como um espelho. Tento acreditar que muitas não o conhecem de fato.

Acompanho a vida política do “o Coiso” há muitos anos, desde quando ele era conhecido só no Rio de Janeiro e ninguém o levava a sério. E posso dizer com toda a clareza que ele é um dos piores seres humanos que já conheci. Dedicou sua vida parlamentar, por décadas, a disseminar preconceitos, humilhações e palavras de ódio por onde andava – avalizando, incentivando e proliferando intolerância e violência. A existência de alguém como ele, com poder e visibilidade, dá permissão a milhões de pessoas de agir da mesma forma. Ele explora o pior lado do ser humano e isso é muito grave. Provoca muita dor.

Não acredito que os outros candidatos são santos, não. O machismo, a homofobia e o racismo são problemas estruturais da nossa sociedade. Não estou dizendo que políticos do PT nunca incentivaram nenhuma violência. Só estou dizendo que não existe ninguém pior do que ele dentre as opções. Nenhum candidato, no primeiro ou no segundo turno, chega a esse nível de degradação e tem tanto orgulho de ser desumano.

“O erro da ditadura foi torturar e não matar.”
– entrevista programa Pânico na TV, 2016

“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente.”
– entrevista Playboy, 2011

“Jamais ia estuprar você porque você não merece. Vagabunda.”
– discussão filmada com a deputada Maria do Rosário, em 2013

“Quem procura osso é cachorro”
– cartaz fixado na porta de seu gabinete, sobre a busca de famílias pelos restos mortais de seus parentes desaparecidos durante a ditadura

“Nenhum pai tem orgulho de ter um filho gay. A sociedade brasileira não gosta de homossexuais.”
– entrevista ao cineasta inglês Stephen Fry, em 2013

“Eu fui num quilombola. O afrodescendente mais leve lá pesava 7 arrobas. Não fazem nada! Nem pra procriador eles servem mais”
– palestra no Rio de Janeiro, em 2017

“Eu sou favorável à tortura, e o povo é favorável a isso também. Através do voto você não vai mudar nada neste país, absolutamente nada. Você só vai mudar quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil! Começando com o FHC! Matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, toda guerra morre inocente.”
– entrevista TV Bandeirantes, em 1999

“Eu não empregaria [mulheres e homens] com o mesmo salário. Mas tem muita mulher que é competente”
– entrevista Rede TV!, em 2016, explicando que mulher deve ganhar menos porque engravida

Eu, Daniella, sou o gay que ele odeia e que precisa apanhar. Eu sou o filho que ele prefere que morra num acidente. Eu sou a militante que ele torturaria e mataria. Eu sou a mulher que ele diz que não merece ser estuprada (ou talvez eu mereça?). Eu sou a feminista que ele chama de vagabunda e cadela. Sou eu. É sua filha. São suas primas, sua mãe, seus irmãos, seus amigos. E, ainda que desconhecidos, são seres humanos. Isso não é o suficiente para identificar, rapidamente, que ele é a pior opção dentre as piores? Não é o suficiente para que o horror a este homem seja imponderável?

É daí que minha maior dor vem. De perceber que podemos não estar juntos numa questão que não envolve política, envolve os valores mais importantes da vida, pra mim. Porque, ao contrário do que pode parecer, até agora não falei de política partidária em nenhum momento. Só falei de valores humanos, ou da falta deles. Do que eu acredito ser inaceitável do ponto de vista estritamente humano. Só posso acreditar num mundo em que esse tipo de discurso não seja relativizado, relevado como algo de menor importância. Algumas pessoas talvez não façam ideia do potencial destrutivo que isso tem (replicado incansavelmente por milhões de pessoas), ou talvez tenha ideia mas relativize e, por relativizar, o coloque no mesmo patamar que outros políticos. E essa diferença de valores pode ser irreconciliável, para a tristeza de todos nós.

Diga-me o que relativizas, e eu te direi quem és. Para tentar explicar o Holocausto, a alemã Hannah Arendt criou o conceito de “banalidade do mal”. Trata-se do perigo, como ocorreu durante o nazismo, de que as pessoas comuns acabem vendo o mal como algo normal, como algo que apoiamos em nome de um bem maior ou manutenção da ordem. As maiores tragédias humanitárias da História, dizia Hannah, não foram cometidas por monstros, mas por cidadãos comuns que se abstiveram de fazer julgamentos morais. E quem diz o que é um julgamento moral correto ou errado? A consciência de cada um, eu acho. E a História, algum tempo depois.

Sobre política.
Como disse, o PT errou e muito. Espero que todos os crimes cometidos pelo PT e por todos os outros partidos sejam investigados e julgados com justiça. Se a corrupção é sua prioridade, sugiro pesquisar sobre os partidos por onde passou “o Coiso” (o partido onde ele ficou por mais de 10 anos, e só saiu pra se candidatar à Presidência, é o que tem o maior número de denunciados na Lava Jato). Ninguém parece ter curiosidade sobre o partido por trás dele, sobre a funcionária fantasma de seu gabinete, sobre o crescimento impressionante do patrimônio dele e de seus filhos, sobre o dinheiro de propina da JBS que ele recebeu em sua conta, devolveu ao partido e recebeu de volta. Estou citando só algumas coisas pra dizer que a corrupção, sim, é endêmica no nosso sistema político e deve ser combatida, qualquer que seja o vencedor. Se for a corrupção a sua maior preocupação.

Se sua preocupação for mais ampla e envolver segurança, economia, educação, saúde, chego a uma questão política que também me espanta ter de argumentar: não há ninguém tão despreparado e ignorante sobre qualquer assunto importante para o Brasil quanto “o Coiso”. Em 27 anos como político profissional na Câmara, nunca apresentou uma proposta concreta para os problemas do país. Em quase 3 décadas, manteve obsessão por apenas três temas: gays, armas e militares. Em entrevista, neste ano, disse com todas as letras: “Não entendo nada de economia”. Assista à entrevista dele na Globonews (ou em qualquer outro canal) e morra de vergonha com a total incapacidade de responder qualquer pergunta sobre propostas, seja sobre salário mínimo, impostos, preço do diesel, ensino médio, nada. Parece um filme de comédia, mas é trágico. Um candidato que se presta a rabiscar uma cola de 4 palavras na palma da mão para ir a um debate presidencial… peço perdão pela palavra, mas é um debiloide. A revista inglesa The Economist (que representa a voz do liberalismo econômico, mais capitalista e de direita impossível) estampou “o Coiso” na capa, semana passada, com a seguinte manchete: “A mais recente ameaça da América Latina”, apontando que ele seria um “desastre” como presidente. O potencial destrutivo dele não atinge só a paz, a civilidade, a democracia. Atinge o funcionamento do país, atinge todos nós. É destruindo o resto que sobra do Brasil que vamos punir o PT pelos seus erros?

Por fim, queria recomendar a leitura do Manifesto Democracia Sim, assinado por empresários, advogados e artistas de diferentes correntes políticas. Tem de Drauzio Varella a Fernanda Montenegro. De Frei Betto, muito ligado ao PT, a Miguel Reale Jr., jurista e um dos autores do pedido de impeachment da Dilma.

Se você chegou até aqui, obrigada pela paciência. Queria muito ter parado no parágrafo onde falo sobre tortura. Mas é preciso argumentar mais e mais. E isso me dói, porque não se trata de política.

Abraço,
Dani


Nota: ao longo do texto, em cada citação feita pela autora do nome do Coiso eu, por minha conta, alterei para “o Coiso”.

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