Em defesa da República
por Oscar Vilhena Vieira
Desafio da sociedade em 2020 é iniciar concertação contra o milicianismo
Desafio da sociedade em 2020 é iniciar concertação contra o milicianismo
O milicianismo é
uma espécie radical de antirrepublicanismo. Embora não confronte
diretamente a ordem estatal, vive em suas dobras, cooptando seus agentes
e corroendo lentamente a autoridade pública. O miliciano reivindica
agir em nome da lei e da ordem no combate à criminalidade, mas, na
realidade, não passa de um tipo de criminoso que explora as fraquezas do
Estado, o medo das pessoas e as carências da comunidade com o objetivo
de vender segurança e outros serviços.
Para o milicianismo não há cidadãos ou direitos. Há uma comunidade e indivíduos, por mais carentes que sejam, a serem economicamente explorados. Da venda de gás aos armamentos pesados, passando pelo acesso à televisão a cabo, coleta de lixo etc., as milícias fornecem tudo a quem paga. Os que não se curvam à extorsão nada recebem. Os que se insubordinam são eliminados, como ocorreu com Marielle Franco.
A ascensão de lideranças políticas que orbitam em torno do mundo das milícias, ou que partilham do seu ethos, estabelece novos desafios às nossas instituições políticas. Essas não foram moldadas para lidar com esse tipo de problema. Isso deveria ser uma questão de Justiça e de polícia.
Nossas instituições políticas foram desenhadas para coordenar a competição política e canalizar os conflitos entre setores que, embora divergentes, assumiram um compromisso básico com os valores da República, em especial com a cidadania e com o governo das leis. Não é o caso dos milicianos.
Nesse sentido, as instituições políticas conformadas pela Constituição de 1988 vêm cumprindo o seu papel ao assegurar a alternância no poder e certa lealdade dos diversos grupos políticos. Podem não ser as mais perfeitas instituições, mas vêm servindo, até o presente momento, para que a sociedade brasileira coordene suas disputas e resolva seus conflitos, de forma pacífica.
O desafio deste momento político, no entanto, não é lidar apenas com a dimensão reacionária e mesmo populista do governo Bolsonaro. Isso é parte do jogo. Como esse primeiro ano de mandato presidencial demonstrou, o sistema de freios e contrapesos, associado ao sistema de liberdades públicas, tem servido de anteparo às medidas mais estapafúrdias e contrárias aos pressupostos do regime republicano.
A questão que se coloca neste momento é como as instituições têm lidado com a dimensão mais corrosiva deste governo, contígua ao populismo reacionário, que é o milicianismo? Aqui a resposta parece não ser tão positiva assim.
A ampliação das invasões de terras indígenas, o aumento das queimadas na Amazônia, o crescimento das mortes pela polícia, os ataques à liberdade de expressão, a total negligência com o sistema educacional e o combate frontal à cultura não decorreram de mudanças propriamente institucionais. Ao contrário, foram consequência de uma ação paraestatal sistemática promovida pela dimensão miliciana do atual governo que provoca a erosão, captura e desgaste das instituições.
O grande desafio da sociedade brasileira em 2020 é dar início a uma ampla concertação político-institucional contra o milicianismo e em favor da República.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Para o milicianismo não há cidadãos ou direitos. Há uma comunidade e indivíduos, por mais carentes que sejam, a serem economicamente explorados. Da venda de gás aos armamentos pesados, passando pelo acesso à televisão a cabo, coleta de lixo etc., as milícias fornecem tudo a quem paga. Os que não se curvam à extorsão nada recebem. Os que se insubordinam são eliminados, como ocorreu com Marielle Franco.
A ascensão de lideranças políticas que orbitam em torno do mundo das milícias, ou que partilham do seu ethos, estabelece novos desafios às nossas instituições políticas. Essas não foram moldadas para lidar com esse tipo de problema. Isso deveria ser uma questão de Justiça e de polícia.
Nossas instituições políticas foram desenhadas para coordenar a competição política e canalizar os conflitos entre setores que, embora divergentes, assumiram um compromisso básico com os valores da República, em especial com a cidadania e com o governo das leis. Não é o caso dos milicianos.
Nesse sentido, as instituições políticas conformadas pela Constituição de 1988 vêm cumprindo o seu papel ao assegurar a alternância no poder e certa lealdade dos diversos grupos políticos. Podem não ser as mais perfeitas instituições, mas vêm servindo, até o presente momento, para que a sociedade brasileira coordene suas disputas e resolva seus conflitos, de forma pacífica.
O desafio deste momento político, no entanto, não é lidar apenas com a dimensão reacionária e mesmo populista do governo Bolsonaro. Isso é parte do jogo. Como esse primeiro ano de mandato presidencial demonstrou, o sistema de freios e contrapesos, associado ao sistema de liberdades públicas, tem servido de anteparo às medidas mais estapafúrdias e contrárias aos pressupostos do regime republicano.
A questão que se coloca neste momento é como as instituições têm lidado com a dimensão mais corrosiva deste governo, contígua ao populismo reacionário, que é o milicianismo? Aqui a resposta parece não ser tão positiva assim.
A ampliação das invasões de terras indígenas, o aumento das queimadas na Amazônia, o crescimento das mortes pela polícia, os ataques à liberdade de expressão, a total negligência com o sistema educacional e o combate frontal à cultura não decorreram de mudanças propriamente institucionais. Ao contrário, foram consequência de uma ação paraestatal sistemática promovida pela dimensão miliciana do atual governo que provoca a erosão, captura e desgaste das instituições.
O grande desafio da sociedade brasileira em 2020 é dar início a uma ampla concertação político-institucional contra o milicianismo e em favor da República.
*Publicado na Folha de S.Paulo
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