domingo, 12 de janeiro de 2020

Excessiva leniência do Judiciário com magistrados infratores está afetando seriamente a sua imagem

Dalmo Dallari: Excessiva leniência do Judiciário com magistrados infratores está afetando seriamente a sua imagem


12/01/2020 - 
Excessiva leniência dos órgãos de controle dos atos da magistratura está comprometendo a imagem do Judiciário
por Dalmo de Abreu Dallari, no Jota
Na tradição brasileira, o Poder Judiciário era visto e respeitado como o setor da organização política e jurídica constitucional mais merecedor de respeito e admiração, pelo alto nível ético de seus integrantes e por sua valiosa contribuição para a defesa e efetividade dos princípios e normas constitucionais.
Esse elevado prestígio começou a ser perdido quando magistrados, de todos os níveis, começaram a se manifestar pela imprensa, externando opiniões sobre questões jurídicas e políticas.
Um velho brocardo – que é um princípio jurídico – segundo o qual “Juiz só fala nos autos”, passou a ser desprezado por magistrados exibicionistas em busca de publicidade.
Com essa exposição fora dos autos esses magistrados começaram a comprometer seriamente o prestígio do Poder Judiciário, pois em muitos casos ficava evidente, além do exibicionismo, a manifestação de parcialidade política.
Uma denúncia recente tendo por base elementos concretos de comprovação de que magistrados estão “vendendo” suas decisões, compromete a boa imagem e o prestígio do Judiciário.
Esses juízes, afrontando princípios fundamentais da Ética e do Direito, decidindo em favor de acusados corruptos e comprovadamente culpados da prática de ilegalidades, são pagos pelos beneficiários dessas tremendas imoralidades.
A simples denúncia dessa prática já teve o efeito de comprometer a imagem e o prestígio do Judiciário e de seus integrantes, mas havia a expectativa de que os órgãos superiores do Poder Judiciário – legalmente responsáveis pelo controle da ética e da legalidade dos magistrados de todos os níveis – adotassem medidas rápidas para impedir a continuidade desses desvios, com a severa punição dos magistrados corruptos.
Não é o que vem ocorrendo.
A expectativa dos que tinham o Judiciário, em todos os níveis, como padrão de ética e de respeito aos preceitos jurídicos, vem sendo contrariada e, pode-se dizer, vem sendo agredida, por decisões dos órgãos do Judiciário legalmente competentes para o controle do comportamento dos integrantes da magistratura, para impedimento dos desvios e punição dos que infringirem os princípios éticos e jurídicos do Poder Judiciário.
Recentemente o jornal “O Estado de São Paulo” divulgou dados surpreendentes, demonstrando que em raros casos houve a punição devida, enquanto que na maioria dos procedimentos em que, comprovadamente, ocorreram graves desvios, os órgãos encarregados do controle dos atos e da punição dos infratores decidiram com absurda brandura, impondo punições suaves e deixando de aplicar as penas expressamente previstas em lei.
Na matéria jornalística aqui referida, intitulada “Em 11 anos, uma condenação por venda de sentenças”, informa-se que em apenas um caso, em que era acusada a ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Maria do Socorro Barreto Penteado, foi imposta a prisão preventiva da acusada, além de seu afastamento do cargo.
Informa-se, em seguida, que dos 17 magistrados punidos pelo Conselho Nacional de Justiça entre 2007 e 2018, pela acusação, comprovada, de venda de sentenças, em apenas um deles foi imposta uma condenação criminal.
Quanto aos demais, houve apenas uma punição administrativa, com aposentadoria compulsória e manutenção de elevada remuneração pela aposentadoria.
É conveniente e oportuno assinalar que essa absurda suavidade da punição, além de eticamente reprovável implica também uma ilegalidade, por contrariar disposições expressas da Lei Complementar nº 35, de 14 de Março de 1979, que é a Lei Orgânica da Magistratura.
Com efeito, no capítulo II, que trata das “Penalidades aplicáveis aos magistrados”, dispõe a lei, no artigo 42, sobre as penas disciplinares.
E no inciso V se especifica: – “Aposentadoria Compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço”.
E no inciso VI está prevista a pena de demissão.
Entretanto –e este é um ponto de fundamental importância para os casos de venda de sentenças – dispõe expressa e claramente o artigo 26 da Lei Orgânica da Magistratura:
“Casos em que o magistrado vitalício perderá o cargo: II- em procedimento administrativo: b) recebimento, a qualquer título ou pretexto, de porcentagens ou custas nos processos sujeitos a seu despacho ou julgamento”.
Nestes casos não tem aplicação a imposição de aposentadoria, mas a perda do cargo.
Paralelamente a essa punição administrativa, cabe a aplicação dos preceitos da legislação penal, mas para tanto é necessário que o caso seja remetido ao órgão judicial penal competente, o que habitualmente não se faz.
E, como informa a matéria jornalística acima referida, de todos os casos de punição administrativa por esses desvios de comportamento apenas um caso levou à punição criminal: o desembargador Carlos Rodrigues Feitosa, do Tribunal de Justiça do Ceará, foi condenado à pena de 13 anos e oito meses de prisão pelo crime de corrupção.
Em conclusão, a excessiva leniência dos órgãos do Judiciário encarregados do controle dos atos da magistratura está comprometendo seriamente a imagem do Poder Judiciário.
Essa grave omissão dos órgãos do Judiciário, deixando, inclusive, de adotar as providências para a punição legalmente prevista dos magistrados infratores, está afetando seriamente a imagem do Poder Judiciário como padrão de comportamento ético.
Urge que os órgãos de controle do desempenho dos integrantes da magistratura passem a atuar com rigor no controle do comportamento ético e jurídico dos magistrados de todos os níveis.
É preciso, inclusive, punir com o adequado rigor, aplicando sem leniência os preceitos legais. Isso é necessário para que os brasileiros voltem a ter confiança e admiração pela magistratura, como instrumento eficaz para assegurar o respeito e a efetividade dos princípios e das normas constitucionais.
*Dalmo de Abreu Dallari é jurista, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP.

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