sábado, 13 de março de 2021

Tristeza não é doença

 

Tristeza não é doença

por Mirian Goldenberg

Por que os brasileiros são os maiores consumidores mundiais de antidepressivos, ansiolíticos e remédios para dormir?

Acordei em um sábado cinza e chuvoso. E escrevi:

“Hoje eu acordei triste.
Na verdade, hoje eu acordei mais triste.
Todos os dias eu acordo e vou dormir triste.
Mas hoje a minha tristeza é ainda maior.
Uma tristeza sem esperança, sem lágrima, sem nada.
Somente triste.
Uma tristeza que já desistiu de ser alegre.
Uma tristeza muito cansada de ser triste.
Uma tristeza sem saudade de um tempo que não volta mais, que também era triste, muito triste.
Uma tristeza exaurida pela dor, pânico e desespero.
Uma tristeza que se alimenta da solidão, do sofrimento e da impotência.
Uma tristeza velha, muito velha, desde criança sempre triste.
Uma tristeza resignada, que sempre foi e sempre será triste.
Uma tristeza que sabe que é impossível ficar alegre hoje e amanhã.
Hoje eu acordei triste”.

Compartilhei o texto nas minhas redes sociais como costumo fazer com algumas reflexões. Recebi um bombardeio de mensagens:

“Estou muito preocupada com você. O que aconteceu?”

“Você precisa urgentemente se tratar, procurar ajuda, ir ao psiquiatra e tomar algum remédio para curar essa tristeza. Você não pode se entregar à depressão, ao desespero e à angústia. A tristeza é perigosa, faz mal à saúde”.

“O texto é ficção? Não acredito que você está tão triste. Logo você que tem um sorriso tão lindo? Você não tem o direito de ficar triste. Confie em Deus: vai passar”

Mas recebi também inúmeras mensagens de quem se identificou com a minha tristeza:

“Senti um alívio enorme ao ler o seu texto sensível e corajoso. Até chorei. Eu me senti menos só. Também estou muito triste, e sofro uma enorme censura e repressão quando digo que estou triste. É proibido falar de tristeza aqui em casa. Parece que tenho uma doença grave e contagiosa”.

“Desde quando tristeza é sinônimo de doença? Estou triste porque não consigo ter esperança no amanhã. Estou triste porque não acredito mais que essa tragédia vai passar. Não consigo imaginar que um ser humano consiga rir, brincar e gozar no meio desse horror, a não ser que seja um sádico genocida. Quem não está triste está doente no coração e na alma”.

Muitos perguntaram: “O que aconteceu com você?”, como se eu precisasse explicar ou justificar a minha tristeza por algum motivo pessoal.

Estou triste, profundamente triste, como milhões de brasileiros estão. Como tantos que estão impotentes, exaustos, massacrados, sufocados por tanto ódio, violência e perversidade.

Achei estranho acharem o meu texto corajoso. Desde quando falar sobre tristeza é um ato de coragem? Mas depois de dizerem que não tenho o direito de ficar triste, de me recomendarem antidepressivos e dezenas de tratamentos, cheguei à conclusão de que é sim uma escolha corajosa.

Em uma cultura em que existe uma ditadura da felicidade, a obrigação e o imperativo de ser feliz mesmo em tempos de horror, sentir-se triste é um exercício da liberdade de resistir ao egoísmo, à mentira e à maldade. Não irei esconder a minha tristeza em um armário, pois não tenho vergonha dela. Na verdade, depois de provocar tantas reações, ela se tornou ainda mais poderosa, empática e generosa. Mais humana!

Qual é o meu antídoto para a tristeza? Vivê-la por inteiro e escrever sobre ela. Não preciso me curar da tristeza, pois não estou doente. É apenas o que sinto nesse momento tão triste de viver.

Tristeza não é coisa de maricas. Tristeza não é frescura. Tristeza não é mimimi.

Você também está triste?

*Publicado na Folha de S.Paulo

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