sábado, 7 de abril de 2012

O Custo Brasil

O Custo Brasil

O Custo Brasil

Por O Enciclopedista
Essa semana foi marcada por um protesto contra a desindustrialização que reuniu sindicatos patronais e de trabalhadores em frente à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. A diminuição da participação da indústria no PIB é uma das principais causas do protesto.
O tema do texto não é a desindustrialização em si, que não é um fenômeno brasileiro, mas um fenômeno global. De acordo com a ONU, todas as principais economias do mundo tiveram forte recuo da participação industrial na economia. A intenção é desconstruir a falácia do setor industrial brasileiro, que insiste em determinar o Custo Brasil como a principal causa de perda de competitividade por parte da indústria brasileira.
Dentre as justificativas, estão o custo dos salários de nossos políticos, muito altos, o excesso de corrupção, a falta de infra-estrutura, dentre outros. Todos eles tendo como alvo o governo, nunca os próprios empresários. E espalhado por gente como o proto-político Paulo Skaf, presidente da FIESP.
Em minha concepção, o problema industrial brasileiro tem origem em uma característica peculiar e cultural do brasileiro, eternizada pelo ex-jogador Gérson: a necessidade quase patológica de levar vantagem em tudo. Um trecho despretensioso de uma propaganda de cigarros acabou se tornando um dos raros virais brasileiros anteriores à Internet. A frase “eu gosto de levar vantagem em tudo, certo?” acabou virando um fenômeno sociológico, explicando algumas atitudes de boa parcela dos brasileiros:
No caso do Custo Brasil, é possível concluir algumas coisas. A primeira delas é que, de fato, a abertura comercial traz à indústria novos desafios. No entanto, a maioria dos países enfrentou esses desafios investindo em inovação, e não reclamando de desindustrialização e pedindo mais protecionismo aos governos. Mesmo porque o Brasil já é o sétimo país mais protecionista do mundo.
Existem três exemplos que denotam bem a aplicação profissional dessa necessidade brasileira de levar vantagem em tudo. Dois industriais e um no setor de serviços. O primeiro deles é o das montadoras de automóveis. O Brasil montou seu parque industrial automotivo dentre das décadas de 30 e 60, baseado em plantas de multinacionais do setor. Os incentivos à indústria automotiva se estendem até hoje, como fruto de um pesado lobby das mesmas. Temos 21 indústrias automotivas instaladas no país, e nenhuma delas é nacional.
Dentre os 10 maiores mercados automotivos do mundo, apenas Brasil e Canadá não possuem fábricas próprias. No entanto, o Canadá possui acordos de livre comércio com os EUA que barateiam sensivelmente os custos de produção e importação no país.
O Brasil tem o carro mais caro do mundo. E isso por causa do lucro das empresas, e não dos impostos cobrados, como argumentam federações como a Anfavea, que sempre usam impostos como pretexto para aumentarem os valores de revenda dos automóveis. O carro mais barato do país atualmente, o Ford Ka, custa, sem nenhum opcional, R$ 23.650,00. Na cotação de 05 de abril, quase US$ 13 mil. Considerando a renda média do brasileiro, que é de R$ 1699,70, gastamos quase 14 meses de salário para comprar o carro mais barato do país.
Ford Ka, o carro mais "barato" do Brasil
A conta fica ainda mais inexplicável quando são contabilizados os lucros enviados pelas montadoras brasileiras ao exterior: apenas em 2011, eles chegaram a US$ 5,6 bilhões. Considerando que existe uma limitação legal em 30% para envio de remessa de lucros ao exterior, podemos calcular o lucro das montadoras brasileiras, em 2011, em, no mínimo, em US$ 18,7 bilhões. Algo que oscila, de acordo com a cotação do dólar em 2011, entre 30 e 35 bilhões de reais. Os lucros das montadoras brasileiras são sigilosos e atrelados às matrizes, mas sabe-se, por exemplo, que a GM brasileira foi determinante na recuperação da concordatária GM americana, em pouco mais de um ano. Graças aos lucros exorbitantes das montadoras daqui.
Tal estrutura de lucros também acaba com as tentativas de produção de um veículo genuinamente nacional. A tentativa mais célebre foi feita por João Amaral Gurgel, que produziu veículos no país entre 1987 e 1994, mas foi vítima de uma abertura econômica mal planejada e mal executada pelos governos Collor e Itamar Franco. Abaixo, uma entrevista em que Gurgel mostra as dificuldades enfrentadas por ele, como industrial:

O segundo setor é o imobiliário. As construtoras reajustaram, nos últimos anos, os preços dos imóveis a índices abusivos nas grandes metrópoles brasileiras, formando uma bolha imobiliária localizada nas regiões metropolitanas brasileiras (para mais informações, leia esse texto, e depois esse). Tal ânsia por lucros afeta o próprio planejamento urbano, provocando uma explosão de desigualdade social nas cidades. É claramente insustentável a médio e a longo prazo, e poderá culminar com uma explosão na inadimplência dos mutuários em breve (ou em uma quebradeira generalizada das construtoras, se o governo não intervir). O terceiro setor em que é notório o desejo de se levar vantagem em tudo é o bancário. Em outubro, quando da greve dos bancários, já fiz uma reflexão sobre o assunto. Os bancos brasileiros são os únicos do mundo que não necessitam de alavancagem, pois se sustentam apenas com tarifas. E, ainda assim, cobram os spreads bancários mais altos do mundo. O problema é tão grave que o governo atual estuda atacar radicalmente o spread bacário, através dos bancos públicos. Enquanto a taxa de juro básica da economia brasileira, a Selic, está em 9,75% ao ano, bancos chegam a cobrar até 19,90% ao mês, ou 245% ao ano, em taxas como o pagamento rotativo dos cartões de crédito. Tudo isso torna o lucro dos bancos brasileiros incrivelmente altos para a estrutura e o nível de alavancagem dos mesmos. Tanto que, nessa época de crise na União Européia, o Santander Brasil foi decisivo para a recuperação da matriz espanhola. É normal que você esteja se perguntando, nesse momento, se eu vou ter a calhordice de defender que, na verdade, o Custo Brasil não existe. Obviamente que não. O Custo Brasil existe sim, mas é provocado pelo mesmo motivo que leva os três setores da economia citados a acumularem lucros tão exorbitantes: o desejo de se levar vantagem em tudo. O excesso de corrupção, a burocracia de agentes públicos “criando dificuldades para vender facilidades”, a falta de infra-estrutura, é tudo fruto dessa mentalidade mesquinha de boa parte dos brasileiros, no setor público e no setor privado, em levar vantagem em tudo. Os brasileiros pagam caro pelo que consomem e pagam altos impostos por conta do anseio de políticos e empresários em lucrarem acima do que seria considerado justo. Na verdade, o brasileiro médio é tão calcificado pela falta de educação formal e pela falta de senso crítico que não consegue nem mesmo formar uma noção razoável de justiça. Não consegue quantificar o valor justo de um produto ou de um serviço, e também não consegue compreender situações abusivas de forma conclusiva. Nesse caso, de fato, fica mais fácil atacar o governo, por um único motivo. O governo é um agente público, impessoal, distante, disperso em diversos rostos. A noção de “classe”, torna essa “instituição” chamada poder público, nas três esferas (Executivo, Legislativo e Judiciário) e nas três instâncias federativas (União, Estados e Municípios), mais fácil de ser atacada e culpada por todos os problemas de nossa sociedade. Mas a culpa não é só do poder público. É da nossa noção individualista de deixar a justiça de lado para levar vantagem em tudo. A conclusão é que o Custo Brasil existe, diminui a eficiência das empresas, mas é alvo de um marketing agressivo utilizado para os empresários do país, nas mais diversas áreas, fazerem lobby junto aos governos e à opinião pública, buscando vantagens que, em muitas oportunidades, margeiam a lei. Além de todos os malefícios já citados aqui, a necessidade de empresários e políticos de levarem vantagem em tudo trazem duas consequências negativas imediatas sobre a própria sociedade: A primeira delas é o desestímulo à inovação. O Brasil nunca ganhou um Prêmio Nobel (*) por não investir em educação e pesquisa científica. Mas também por ter a inovação historicamente desestimulada pela intenção de muitos em levar vantagem em todos osaspectos, utilizando “jeitinhos” para isso, à margem da lei. O trabalho contínuo e o acúmulo de conhecimento nunca foram valorizados no país. No lugar disso, são valorizados os atalhos. E preferimos, por exemplo, taxar importados à inovar, fazer lobby à inovar, ou fornecer escolas particulares de nível superior de péssima qualidade ao invés de investir continuamente em educação. A segunda, e mais grave, é o aumento das brutais desigualdades sociais do país. Se alguém tenciona levar vantagem em tudo, por mais que seja anti-ético, por muitas vezes consegue. E, quando alguém leva vantagens indevidas, alguém sempre é desfavorecido. E tal relação só aumenta as diferenças sociais entre ricos e pobres. E tais diferenças só são diminuídas artificialmente pelos governos, através de programas de transferência de renda. Mas, mais uma vez, a solução para tal disparidade está no aumento sensível e contínuo do nível da educação pública. E com um sistema legislativo que funcione efetivamente, impondo sérias punições a comportamentos de mercado condenáveis. Na próxima vez que um empresário citar o Custo Brasil em um discurso, tenha uma certeza: ele está fazendo lobby. Para pagar menos impostos e para jogar a sociedade contra o governo. É tão irritante quanto aquele jogador de futebol que fica se jogando no chão a cada trombada para jogar a torcida contra o juiz ou quanto aquele guri de oito anos que faz escândalo e chuta o tabuleiro estragando a brincadeira de todo mundo, depois de perder no Banco Imobiliário. São coisas que devem ser ignoradas, porque o nosso problema não é o Custo Brasil. É a cultura de levar vantagem em tudo que é aceitável, por boa parte dos brasileiros, eternizando as desigualdades sociais e e desenvolvimento torto e manco do país. (*) O Brasil nunca teve um vencedor em uma das seis principais categorias do Prêmio Nobel: Medicina, Economia, Física, Química, Literatura e Paz. Em 1994 o geógrafo Milton Santos ganhou o Prêmio Valtrin Lud, maior distinção internacional na área e considerado por muitos como um “Prêmio Nobel da Geografia”.

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