GOLPE?
Há palavras que, na política, têm um peso decisivo. Em sua definição e em seus empregos se definem não apenas aspectos dos dicionários, mas as próprias questões políticas.
Acabamos de ver um desses acontecimentos. Há duas semanas, o senado paraguaio destituiu, cassou, “empichou” o presidente Lugo.
O fato foi lido de duas maneiras claramente opostas. Para um dos lados, houve um golpe (um golpe branco, isto é, sem armas, sem exército nas ruas, sem quartelada, sem sangue, mas golpe). A sustentação dessa tese se baseou em dois fatos, um ligado ao outro: o tempo decorrido entre a instalação do processo e seu desenlace foi de cerca de 24 horas, apenas – o que dificilmente caracteriza um processo justo, mesmo sendo político, não judicial; não teria havido de fato direito de defesa, já que o presidente teve apenas duas horas para se defender no senado.
Os que sustentam que não houve golpe, que a cassação foi legal, baseiam-se em passagens da Constituição do Paraguai; assim, o processo teria sido levado a termo de acordo com as regras previstas.
Observe-se um fato crucial: cada um dos lados menciona seus argumentos, mas nenhum interpreta diferentemente o mesmo texto ou a mesma sucessão dos fatos, nem os desmente. Cada um é surdo ao discurso do outro.
Posições exatamente opostas ocorreram em relação à suspensão do Paraguai no Mercosul e à admissão da Venezuela no mesmo bloco. Os que defenderam a cassação de Lugo criticaram essas duas decisões. Os que criticaram a cassação de Lugo defenderam as duas decisões.
Mesmo sobre a questão da rapidez dos procedimentos houve discordância. Como disse, a rapidez do processo contra Lugo no senado foi alvo de críticas. Os opositores de Lugo acharam tudo normal. Mas, curiosamente, disseram o Mercosul não deu ao Paraguai tempo suficiente para explicar-se antes de sua suspensão política no bloco.
A mesma simetria foi observada sobre a extensão do trecho da Constituição paraguaia que permitiu a cassação: uma linha. Pois foi com base em uma linha dos tratados do Mercosul que o Paraguai foi suspenso. De novo, cada posição só viu o seu lado.
[Chávez acabou entrando na história: os defensores da cassação de Lugo não cansaram de lembrar que Chávez conseguiu reeleições (que eles criticam) com aprovação do legislativo, como quem diz: o legislativo da Venezuela é que é golpista, não o do Paraguai... Ou seja: cada um chama de golpe à decisão do Outro, e de legítima à sua].
Muita gente diria que esta é uma discussão semântica, dando a entender que é uma questão menor. Que o importante são os fatos. Acontece que os fatos têm nomes, que não podem ser atingidos a não ser pela linguagem. As questões “semânticas” são as verdadeiras questões políticas, econômicas, diplomáticas, militares, científicas.
Outra opinião comum é que há os sentido verdadeiros e os ideológicos. Acontece que não há nenhum que não seja ideológico, no sentido de que ele expressa uma posição. Nenhuma visão é simplesmente neutra, vinda de cima. Além disso, cada posição tende a achar que sua visão é objetiva. Ideológica é sempre a outra…
Se não bastasse, o episódio mostra aos apressados adeptos do fim da história que esquerda e direita continuam existindo. Vão muito bem, obrigado.
Na verdade, a direita está melhor. Ganha todas as disputas. Ou quase todas. Pelo menos as mais relevantes.
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