Caluda! Os cubanos vêm aí
Por Luciano Martins Costa em 22/08/2013 na edição 760
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 22/8/2013
Os jornais foram surpreendidos pela decisão do governo de importar de Cuba 4 mil médicos para ocupar postos em lugares críticos, onde não há serviço público ou particular de saúde. Os primeiros 400 deverão chegar já na próxima semana e serão enviados para cidades ou bairros que não despertaram interesse de profissionais brasileiros ou do exterior na primeira fase das inscrições no programa Mais Médicos, 84% dos quais no Norte e Nordeste.
O noticiário dá conta de que, ao todo, 3.511 municípios se inscreveram no programa, o que revela uma demanda de 15.460 vagas. Apenas 15% desse total haviam sido completados até quarta-feira (21/8). Cada médico contratado custará aos cofres públicos R$ 10 mil de salários mensais, mais os custos da mudança e pagamento de moradia e alimentação.
O convênio que permitirá a contratação de médicos cubanos foi feito pelo governo brasileiro com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), que tem um acordo com governos de vários países, inclusive Cuba, para atender casos de emergência e carência crítica.
Os jornais de quinta-feira (22/8) explicam que 84% dos profissionais que virão de Cuba têm mais de 16 anos de experiência, 30% são pós-graduados, muitos trabalharam em países onde se fala a língua portuguesa, principalmente na África, e todos são especialistas em saúde da família.
Ainda assim, dirigentes de entidades médicas do Brasil fazem declarações à imprensa condenando a iniciativa. Representantes do Conselho Federal de Medicina e da Associação Médica Brasileira dão a volta nas informações oficiais sobre o convênio firmado com a OPAS e declaram que o programa é apenas uma jogada eleitoral. Um desses dirigentes chegou a afirmar que o contrato para trazer médicos cubanos tem “características de trabalho escravo”. No extremo do destempero, o presidente do Conselho Federal de Medicina opinou que a iniciativa do governo “poderá causar um genocídio”.
Como se pode observar, um diploma de médico, uma carreira bem sucedida e o acesso a um importante posto de representação profissional não asseguram clareza de raciocínio e honestidade intelectual, e dirigentes das principais entidades médicas do país podem resvalar rapidamente para um discurso irracional e preconceituoso quando os interesses corporativos falam mais alto do que a função social supostamente inerente à sua atividade.
Orgulho e preconceito
Mas há muito mais por trás dessa discussão. Nas redes sociais e nas correntes de mensagens que se seguem a cada novo movimento do governo nessa área, na tentativa de suprir a carência de médicos fora dos grandes centros, proliferam manifestações exageradas como a do presidente do Conselho Federal de Medicina. Na opinião de alguns de seus seguidores, o governo brasileiro não estaria apenas “promovendo um genocídio”, mas articulando um exército de cubanos para levar o comunismo aos rincões do Brasil, onde supostamente vivem cidadãos mais simplórios e, portanto, vulneráveis à pregação ideológica.
Uma leitura transversal de tais manifestações demonstra o nível de estupidez que a radicalidade política pode provocar, até mesmo entre indivíduos cujo nível de educação formal supõe alguma racionalidade.
Ao atacar o programa brasileiro, essas entidades atingem diretamente um dos projetos mais bem sucedidos da ONU, que, por meio de suas entidades de saúde, promove assistência em lugares remotos por todo o mundo e reduz os danos de conflitos e desastres naturais.
A imprensa tem que cumprir, pelo menos formalmente, seu papel de ouvir os diversos lados de uma questão. Essa é a justificativa para os leitores de jornais serem apresentados a destemperos desse tipo. No entanto, também é papel dos jornalistas pontuar eventualmente os casos em que o debate resvala para fora do razoável. Uma das alternativas seria mostrar o trabalho feito por médicos engajados em programas desse tipo pelo mundo afora. Mas a imprensa só enxerga, por exemplo, ações de entidades como o Médicos sem Fronteiras, e parece desconhecer as missões humanitárias da ONU.
Talvez essa visão seja ainda um resíduo do preconceito com políticas que a imprensa costumava chamar de “terceiro-mundistas”. Por outro lado, as reações corporativistas dos médicos brasileiros revelam que o país formou uma geração de profissionais aos quais falta a mais básica consciência social.
A falta de educação cívica não poupa os bem nascidos ou bem sucedidos, que certamente se orgulham de suas carreiras, e os embates provocados pelas entidades médicas nas redes sociais mostram como se pode ir do orgulho ao preconceito em poucos caracteres.
O noticiário dá conta de que, ao todo, 3.511 municípios se inscreveram no programa, o que revela uma demanda de 15.460 vagas. Apenas 15% desse total haviam sido completados até quarta-feira (21/8). Cada médico contratado custará aos cofres públicos R$ 10 mil de salários mensais, mais os custos da mudança e pagamento de moradia e alimentação.
O convênio que permitirá a contratação de médicos cubanos foi feito pelo governo brasileiro com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), que tem um acordo com governos de vários países, inclusive Cuba, para atender casos de emergência e carência crítica.
Os jornais de quinta-feira (22/8) explicam que 84% dos profissionais que virão de Cuba têm mais de 16 anos de experiência, 30% são pós-graduados, muitos trabalharam em países onde se fala a língua portuguesa, principalmente na África, e todos são especialistas em saúde da família.
Ainda assim, dirigentes de entidades médicas do Brasil fazem declarações à imprensa condenando a iniciativa. Representantes do Conselho Federal de Medicina e da Associação Médica Brasileira dão a volta nas informações oficiais sobre o convênio firmado com a OPAS e declaram que o programa é apenas uma jogada eleitoral. Um desses dirigentes chegou a afirmar que o contrato para trazer médicos cubanos tem “características de trabalho escravo”. No extremo do destempero, o presidente do Conselho Federal de Medicina opinou que a iniciativa do governo “poderá causar um genocídio”.
Como se pode observar, um diploma de médico, uma carreira bem sucedida e o acesso a um importante posto de representação profissional não asseguram clareza de raciocínio e honestidade intelectual, e dirigentes das principais entidades médicas do país podem resvalar rapidamente para um discurso irracional e preconceituoso quando os interesses corporativos falam mais alto do que a função social supostamente inerente à sua atividade.
Orgulho e preconceito
Mas há muito mais por trás dessa discussão. Nas redes sociais e nas correntes de mensagens que se seguem a cada novo movimento do governo nessa área, na tentativa de suprir a carência de médicos fora dos grandes centros, proliferam manifestações exageradas como a do presidente do Conselho Federal de Medicina. Na opinião de alguns de seus seguidores, o governo brasileiro não estaria apenas “promovendo um genocídio”, mas articulando um exército de cubanos para levar o comunismo aos rincões do Brasil, onde supostamente vivem cidadãos mais simplórios e, portanto, vulneráveis à pregação ideológica.
Uma leitura transversal de tais manifestações demonstra o nível de estupidez que a radicalidade política pode provocar, até mesmo entre indivíduos cujo nível de educação formal supõe alguma racionalidade.
Ao atacar o programa brasileiro, essas entidades atingem diretamente um dos projetos mais bem sucedidos da ONU, que, por meio de suas entidades de saúde, promove assistência em lugares remotos por todo o mundo e reduz os danos de conflitos e desastres naturais.
A imprensa tem que cumprir, pelo menos formalmente, seu papel de ouvir os diversos lados de uma questão. Essa é a justificativa para os leitores de jornais serem apresentados a destemperos desse tipo. No entanto, também é papel dos jornalistas pontuar eventualmente os casos em que o debate resvala para fora do razoável. Uma das alternativas seria mostrar o trabalho feito por médicos engajados em programas desse tipo pelo mundo afora. Mas a imprensa só enxerga, por exemplo, ações de entidades como o Médicos sem Fronteiras, e parece desconhecer as missões humanitárias da ONU.
Talvez essa visão seja ainda um resíduo do preconceito com políticas que a imprensa costumava chamar de “terceiro-mundistas”. Por outro lado, as reações corporativistas dos médicos brasileiros revelam que o país formou uma geração de profissionais aos quais falta a mais básica consciência social.
A falta de educação cívica não poupa os bem nascidos ou bem sucedidos, que certamente se orgulham de suas carreiras, e os embates provocados pelas entidades médicas nas redes sociais mostram como se pode ir do orgulho ao preconceito em poucos caracteres.
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