Janio de Freitas
Na hora dos recursos
Se o 'recurso declaratório' corrige contradições no acórdão, ele é sim capaz de mudar sentenças
O julgamento do mensalão é tão rico, em significações e em contestações a ideias estabelecidas, que resulta em uma torrente de temas exploráveis inexplorados. Antes de sua sessão mais recente, o ministro Gilmar Mendes, por exemplo, ensinava à opinião pública, por meio dos repórteres, que os chamados "recursos infringentes" das defesas, teoricamente capazes de modificar as penas fixadas, não passam de "gasto inútil de energia", coisa para ganhar tempo. A sessão do julgamento ainda seria dedicada, porém, ao exame dos recursos mais superficiais, chamados "de declaração".
Sobre estes, o ensinamento repetido exaustivamente por ministros e pela imprensa é sua capacidade de apenas corrigir contradições, omissões e imprecisões no acórdão, que reúne em sua forma final os votos de cada ministro e as sentenças de cada réu. E então, chegada a vez do "recurso declaratório" do corretor Enivaldo Quadrado, evidenciam-se erros na sentença que o condenou a três anos e seis meses de prisão. Consequência? Com o voto até do relator Joaquim Barbosa, a pena de prisão foi reduzida a multa e pequeno serviço comunitário.
Com o voto também de Gilmar Mendes. Se lhe custou alguma energia, sua fisionomia não o mostrou, conservada no permanente "ritus" de tédio e perda de tempo. Mas lá estava a correção não só de uma sentença de cadeia. Muito ao contrário do propalado à exaustão, ficou demonstrada a obviedade de que "recurso declaratório", se corrige contradições no acórdão, é capaz de mudar sentenças.
Condenação por erro de julgamento é talvez o mais triste ato possível no interior de instituições democráticas. Mesmo que o exame dos "recursos declaratórios" concluísse com o único benefício da extinta pena de cadeia de um réu, estariam justificados o cansaço, as tensões, os dias de trabalho dos ministros com esses recursos. O Supremo Tribunal Federal deixou de cometer o erro de uma injustiça. Como só os recursos o permitem.
Outro tema suscitado no julgamento: está difundida a conclusão de que a lerdeza da Justiça brasileira decorre do excesso de recursos possíveis. Acusam-se os advogados de usá-los com objetivo protelatório. O ministro Luís Roberto Barroso, em sua primeira sessão dedicada ao mensalão, investiu contra as numerosas possibilidades de recursos judiciais no Brasil. E sugeriu que, ao deduzir o objetivo protelatório de um recurso, o juiz devesse simplesmente dar a ação por encerrada.
Ainda bem que Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Luiz Fux puderam acusar à vontade os advogados do mensalão de fazer recursos só para ganhar tempo, mas não puderam encerrar o julgamento sem os apreciar. Salvaram-se um réu da prisão injusta e o Supremo de um erro.
A realidade é que não há certeza sobre a causa da lentidão. Por que não seria, em vez do excesso de recursos, a lentidão burocrática por uso de sistemas superados? Ou a insuficiência dos recursos humanos em relação à demanda de um país de quase 200 milhões de habitantes e com uma carência de condutas corretas entre as maiores do mundo? Ou causas distintas conforme o nível ou a região?
Uma constatação inquestionável: quando o Conselho Nacional de Justiça apertou os tribunais, no país todo, para reduzir os respectivos milhares de processos em atraso ou estagnados, muitas montanhas de papel desapareceram. Números recentes indicam resultados bastante bons do esforço, embora ainda falte muito, como ocorre no montanhoso São Paulo. A redução da ineficiência não dependeu de se reduzirem os recursos de defesa ou qualquer providência diferente da presteza. Ela própria, outro recurso que no Judiciário, está comprovado, ajuda a fazer justiça.
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