Brasil, país da corrupção
A criatividade brasileira é conhecida mundialmente.
No passado, foi disseminada por Pelé, Garrincha, João Gilberto e Tom
Jobim. Um austríaco, que se suicidou por aqui, Stefan Zweig, ficou tão
entusiasmado que batizou o Brasil de país do futuro. Não se sabe se era
um elogio ou uma ironia. Ou um plágio. Um personagem de Jorge Amado, em O país de carnaval, de 1930, voltando da Europa, ao avistar as terras baianas, já exclamara: “É o país de mais futuro do mundo”.
Tomou o troco de um “rapaz que chegara no momento”: “O senhor acaba
de definir o Brasil (o senador sorriu baboso). O Brasil é o país verde
por excelência. Futuroso, esperançoso… Nunca passou disso…” O romance
começa descrevendo a elite em viagem: “Fazendeiros ricos de volta da
Europa, onde correram igrejas e museus. Diplomatas a dar ideia de
manequins de uma casa de modas masculinas… Políticos imbecis e gordos,
suas magras e imbecis filhas e seus imbecis filhos doutores”. Um quadro
do passado?
O tempo passou. Os políticos sempre iguais ou parecidos inventaram a
propina descontada no contracheque de funcionários que contraíram
empréstimos consignados e as CPIs, perto das eleições, para achacar
empresários com algo a esconder. Um método simples e eficaz: arrola o
objeto do achaque entre os que serão chamados a depor e, em seguida,
cobra para dispensá-lo do constrangimento. Nem Jorge Amado foi tão
imaginoso. A prisão do ex-ministro petista Paulo Bernardo escancarou
mais um drible que nem Garrincha conseguiu dar. O Só faltou combinar com
os russos da Lava Jato e seus desdobramentos. Os desvios na Lei Rouanet
mostram que é uma questão de cultura.
Outro aspecto chama a atenção: jamais, que eu tenha conhecimento, um
achacado revoltou-se e foi a uma delegacia denunciar o achacador. O
capitalismo brasileiro acomodou-se com facilidade ao sistema corrupto
dos políticos. Quando não foi proponente da corrupção, aceitou o papel
passivo. Negócios, negócios, joga-se o jogo conforme a regra do jogo,
etc. Eis a sucessão de clichês usados pelo empresariado para se
justificar. Se precisar, sai um argumento pesado do tipo “criamos
empregos, não podemos deixar de dançar conforme a música sob pena de
jogarmos milhares de famílias ao desamparo”. Quem nasceu primeiro: o
político corruptor ou o empresário corrompido? Os dois juntos dão samba:
a corda e a caçamba.
O primeiro romance de Jorge Amado termina assim: “Paulo Rigger,
nervoso, lábios apertados, olhou. No Corcovado, Cristo, braços abertos,
parecia abençoar a cidade pagã. Tornou-se maior a tristeza nos olhos de
Paulo Rigger. Levantou os braços num gesto de supremo desespero e
murmurou fitando a imagem gigantesca: ‘Senhor, eu quero ser bom! Senhor,
eu quero ser sereno…’ Lá longe, desaparecia lentamente o País do
Carnaval”. Como ser bom e sereno num país com tantas tentações? Só indo
embora. Brasil, país do futuro, do carnaval e do futebol. Bem, do
futebol, depois dos 7 a 1 da Alemanha, já não tanto. Brasil, país da
corrupção, das CPIs para achacar e das propinas descontadas em folha.
País verde, futuroso, esperançoso. Jorge Amado não merece muita
confiança.
Afinal, era comunista.
Eduardo Cunha, o homem do regimento
Durante milênios, a humanidade viveu sem
Eduardo Cunha. Não sabia que era feliz. Numa fração de segundos, o
Brasil passou a conviver com sua figura incontornável. A teoria da
evolução das espécies sofreu um golpe. Na galeria dos corruptos de
estimação da plebe que bebe nos bares e enfrenta o leão, Eduardo Cunha
deu um salto quântico e se tornou o símbolo maior da podridão
brasileira.
– Sabe a última do Cunha? – é a pergunta que mais resposta encontra.
– Recebia 80% das propinas do esquema da Caixa Federal.
Não há delação sem o nome de Eduardo Cunha, o peemedebista carioca
que virou presidente da Câmara dos Deputados numa queda de braço com o
governo de Dilma Rousseff e de onde só foi afastado pelo Supremo
Tribunal Federal, depois de ter mentido aos pares afirmando não possuir
contas bancárias na Suíça – só trust – e de sofrer uma saraivada de
acusações de corrupção. Conhecido por saber de cor o regimento da Câmara
dos Deputados e por dominar o chamado “baixo clero” da Casa, Cunha e
sua mulher Cláudia, ex-apresentadora da Rede Globo, entraram para as
páginas das celebridades pelos gastos astronômicos, na Europa, com luxos
supérfluos típicos de novo rico.
Cassar Cunha é mais difícil do que ganhar na megassena sozinho dez
vezes. Quase todos lhe devem algo. Michel Temer deve-lhe a presidência
da República. Jornais afirmam que o PSDB – que se apresentava como
campeão da luta contra a roubalheira – desistiu de querer derrubar Cunha
em agradecimento aos serviços prestados por ele ao impeachment.
Ingênuos, como eu, vez ou outra, perguntam assim:
– O PMDB vai expulsar Eduardo Cunha?
As risadas terminam em silêncio dramático. Rugas vincam as testas
mais sérias. Entre os admiradores de Cunha, porém, não faltam elogios à
sua capacidade de trabalho. Alguns, menos envergonhados, entre os quais
certos deputados gaúchos, garantem que ele foi um grande presidente da
Câmara. Eduardo Cunha é hologramático: ele é a parte que está no todo,
que está na parte. Em síntese, a imagem acabada do político no
imaginário popular: malandro, escorregadio, ardiloso, falso,
comprometido, obscuro, oportunista. Faltaria espaço para listar todos os
adjetivos que o povo costuma utilizar, na sua riqueza vocabular, para
aquinhoar os seus lídimos representantes.
A ciência política está diante de um novo fenômeno: o paradoxo de
Cunha. Essa expressão, de agora em diante, define o político atolado na
corrupção, crivado de acusações, soterrados pelas provas de seus atos,
mas que nega tudo e é sustentado pelos mesmos que fazem retumbantes
discursos contra o sistema corrompido. O paradoxo de Cunha cabe numa
equação: quanto mais corrupto, mais poderoso; quanto mais corrupto e
poderoso, mais protegido pelos críticos da corrupção. Não é de duvidar
que, no futuro, Eduardo Cunha seja considerado um herói nacional e ganhe
estátua no Planalto Central com uma frase lapidar: o homem que salvou o
Brasil da corrupção. Poucos conheceram tão bem o regimento quanto ele.
Popularizou o conceito de trust. Do trust ao traste.
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