quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

A “manipulação” das consciências pela “força da insistência”. | Marcelo Auler

A “manipulação” das consciências pela “força da insistência”. | Marcelo Auler



“Um obstáculo a tal crescimento pode vir da manipulação realizada por alguns meios de comunicação social, que impõem, pela força de uma bem orquestrada insistência, modos e movimentos de opinião, sem ser possível submeter a um exame crítico as premissas sobre as quais se fundamentam.” (leia-se: Centesimus Annus – nº 41 – pg. 78).

O pensamento acima é uma reflexão de João Paulo II em sua Carta Encíclica “Centesimus Annus”. Com a devida autorização do autor, colhi do artigo do ex-procurador-geral da República, Claudio Fonteles – “Perdemos Todos“. Foi escrito em contraponto ao artigo com o mesmo nome do jornalista Ricardo Noblat. Sua leitura me trouxe à mente as insistentes notícias de processos e investigações que estão sendo movidos contra Luis Inácio Lula da Silva e tentados contra Dilma Rousseff.

No caso, arrisco a dizer que a manipulação imposta “pela força de uma bem orquestrada insistência”, nas palavras de João Paulo II, entre nós não é fruto apenas da imprensa. Mas, também, e principalmente de policiais, procuradores e juízes. Eles têm consciência de como jogar com jornais e jornalistas, para, manipulando informações, criarem um clima que favoreça seus objetivos.

Da forma como o noticiário é veiculado, parece que apenas Lula cometeu possíveis crimes e somente as contas eleitorais de Dilma Rousseff – no caso na companhia de Michel Temer porque não conseguiram separá-los, apesar de tentarem – são suspeitas de irregularidade. Quanto aos demais políticos, as notícias e denúncias surgem e desaparecem.

No caso, a persistência nas acusações, a facilidade na abertura de processos em estreitos lapsos temporais, bem como a realização de operações em datas pouco usuais, como ocorreu nesta terça-feira, durante o recém-iniciado recesso do judiciário só contribuem para fomentar o clima descrito pelo ex-papa “da manipulação pela força de uma bem orquestrada insistência“.

Mais grave ainda é o fato de o espaço destinado à defesa não guardar qualquer semelhança com o usado nas acusações. Em geral, na mídia tradicional, trata-se de mera formalidade em uma tentativa de evitar acusações de parcialidade, quando esta parcialidade já é tamanha que perceptível por uma grande parte dos eleitores/leitores. Pelo que advogados denunciam, a mesma formalidade/parcialidade se repete nos inquéritos e processos. Tudo leva a crer que se cria um clima que culminará com a condenação.


O mais curioso é que o artigo de Fonteles rebate um de Noblat – “Perdemos todos” (O Globo, 14.11.2016) – no qual ele, a pretexto de criticar a imprensa norte-americana por ter apostado na eleição de Hillary Clinton, concluía que a falta de credibilidade da imprensa não está sendo provocada pela chamada mídia tradicional. Segundo ele:

“O deslocamento da mídia da realidade, seja por cegueira deliberada ou acidental, seja por partidarismo ou qualquer outro interesse inconfessável, não é um fenômeno Made in USA. Tem a ver com a crise universal do jornalismo, abalado pelo surgimento de novas mídias sem compromisso com a verdade. E só faz mal à democracia e à construção de um mundo menos desigual.” (grifei)

Coube a Fonteles rebater:

“Situação idêntica aconteceu em nosso Brasil.

Se é certo que a agremiação política a que pertencem – o Partido dos Trabalhadores -, por lideranças nefastas, deixou-se contaminar e, assim, sucumbiu ao mais deletério jogo de poder, traduzido no “toma lá, dá cá”, na inescrupulosa barganha política, para se perpetuar liderando a nação brasileira, o aparato midiático transformou esse partido, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff nos responsáveis únicos e exclusivos pelo negativo estado de coisas em que nós, brasileiras e brasileiros, mergulhamos. (grifei)

Onde está o compromisso com a verdade, ponto essencial, e que no dizer de Ricardo Noblat marca “a crise universal do jornalismo”? (grifo do original)

O artigo do ex-procurador-geral é do início de dezembro, portanto, anterior ao vazamento das delações premiadas dos executivos da Odebrecht. Ainda assim, mesmo com todo o noticiário a respeito do envolvimento da turma que ocupou, pelo golpe do impeachment, o Palácio do Planalto, persiste válido o comentário sobre a forma como a grande mídia (insisto em incluir no mesmo rol, juízes e procuradores e policiais) lida quando as denúncias atingem outros políticos, bem diferentemente do que fazem com Lula e Dilma:

claudio_fonteles“Insistência que não se vê, porque reduzido a poucos dias de noticiário, em relação aos sucessivos escândalos que corroem o governo Temer e seus personagens de confiança: Henrique Eduardo Alves; Romero Jucá; Geddel Vieira Lima – esses já em situação de investigação consolidada-; Moreira Franco e Eliseu Padilha, em apuração; recordando-se, outrossim, o recebimento de denúncia, pelo Supremo Tribunal Federal, contra Renan Calheiros. Todos esses personagens – e não nos esqueçamos, também, de Eduardo Cunha – pertencem ao PMDB.

A gravidade da conduta de Geddel Vieira Lima, para focarmos dado de que já não se fala, pessoa da mais estreita confiança de Michel Temer, gravidade, repito, já esquecida pela grande mídia, todavia generosa em destacar que:

Em todas as respostas, o presidente tratou de colocar claramente o seu estilo de resolver as coisas evitando confrontos diretos. A coisa que mais fiz na vida foi arbitrar conflitos, disse Temer, referindo-se ao ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que teria gravado a última conversa que teve no gabinete presidencial, atitude que Temer chamou de “agressiva, ilógica, indigna e desarrazoada.” (jornal Coreio Braziliense de 28.11.2016 – pg. 2).

Ora, não há conflito a ser arbitrado entre a conduta funcional, corretíssima, do então Ministro Marcelo Calero e a conduta funcional, de óbvia ilicitude, do então Ministro Geddel Vieira Lima.

A partir desta análise de Fonteles, relembro o tratamento que a mídia – recém-beneficiada com aumentos expressivos de verba publicitária pelo governo golpista -, dispensa quando um dos petistas se envolve em algo parecido. Geddel Vieira queria liberar a construção ilegal de um prédio onde tinha interesses pessoais assim como outros parentes. Lula, por conta do apartamento que não chegou a ter – queira-se ou não o imóvel jamais lhe pertenceu – sofre perseguição há mais de ano.

Enquanto no caso de Lula dão voz e manchete a um candidato a vereador que tentou se aproveitar do caso na campanha eleitoral, no episódio de Geddel criticaram o autor da denúncia, cujo comportamento começou a ser questionado. Fonteles encara de outra forma o papel dele:

O primeiro manteve irretocável postura, pela negativa, ante as pressões, dissimuladas ou claras, que sofria de Geddel Vieira Lima com o beneplácito do colega Eliseu Padilha e o envolvimento direto de Michel Temer para que, em detrimento do interesse público, privilegiasse investimento patrimonial pessoal, totalmente ilegal:autorizar construção de unidades habitacionais verticalizadas em manifesto comprometimento do patrimônio histórico-urbano como afirmado pelos competentes órgãos da administração pública federal.

Também a circunstância de Marcelo Calero ter gravado as conversas que caracterizam esse ilegal cenário nada tem de “agressivo, ilógico, indigno e desarrazoado”, como publicamente enfatizou Michel Temer, beneplacitado pela grande mídia.

Constrangido, acuado, por servidores públicos de seu mesmo nível hierárquico, mas que notoriamente privavam, e privam, da amizade estreita do Chefe Maior, justo para que, ulteriormente, não se voltasse exclusivamente contra si a responsabilidade pela ilícita decisão, que se lhe cobrava, insistentemente, a Marcelo Calero só restava garantir-se, e garantir-se cuidando de obter meios, claros e concretos, à demonstração da verdade”.

Esse jogo de manipulação da informação exige toda a atenção pois como já ficou claro, a Força Tarefa da Lava Jato sabe que precisa ter nos jornalistas aliados, assim como sabe que vazamento, ainda que ilegais, são fundamentais para criar o clima favorável ao “justiçamento” e não à Justiça como a maioria dos brasileiros deseja. Ainda que não se falte com a verdade, a notícia, nos dias atuais, esconde interesses nem sempre decifráveis em uma primeira leitura. Fonteles, no alerta que fez em seu blog, mostrou que a mesma preocupação já foi manifestada pelo atual papa Francisco. É dele a citação, reproduzida pelo ex-procurador-geral em seu artigo:

“No mundo atual, com a velocidade das comunicações e a seleção interessada dos conteúdos feita pelos meios de comunicação social, a mensagem que anunciamos corre mais do que nunca o risco de aparecer mutilada e reduzida a alguns dos seus aspectos secundários.” (leia-se: Evangelii Gaudium – nº 34 – pg. 31, grifos do autor).

Ele encerra o texto mostrando, na sua visão, quedo é que realmente todos sairão perdendo:

“Importa, e aqui radica a essência vital da imprensa: informar, para formar, jamais deformar.

Se não for assim: “perdemos todos.””

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