A Saúde Pública, os médicos e os super-ricos, por Ion de Andrade
A Saúde Pública, os médicos e os super-ricos, por Ion de Andrade
por Ion de Andrade
O governo Temer vem desferindo continuamente alguns duríssimos golpes contra a saúde pública e contra os médicos sob silêncio geral de entidades que deveriam, por dever de ofício, exprimir-se contrariamente com veemência. Duas exceções ao silêncio: a redução pelo Ministério da Saúde do número de profissionais médicos nas UPAs (de quatro para dois no mínimo) e o glorioso projeto dos planos de saúde para pobre, visando aliviar a Atenção Básica, receberam notas negativas por parte de algumas entidades.
Mas a representação política de uma categoria tem a obrigação de antever no cenário político e econômico o que pode efetivamente ameaçar os interesses estratégicos para o exercício profissional, devendo ir para o enfrentamento tanto na macropolítica quanto na micro.
Lamentavelmente isso não ocorreu no tocante às seguintes condições claramente danosas ao exercício da medicina:
1. A redução do número de bolsas para a ampliação dos programas de Residência Médica;
2. A PEC 55, cuja força destruidora (agora inarredável) golpeará de forma talvez irreversível tudo o que interessa à vida profissional dos médicos,
3. O Projeto de Reforma da Previdência que prejudica enormemente os trabalhadores como um todo, com ênfase para os universitários, que iniciam a sua contribuição mais tardiamente que os que ingressam no mercado de trabalho mais cedo. A formação médica, com seus seis anos de duração, seguida de uma Residência Médica cuja duração acrescenta cerca de três a cinco anos a mais ao itinerário formativo é a mais longa, sendo por isso, matematicamente, a mais prejudicada no que toca aos macabros 49 anos de contribuição.
Não pretendo aqui analisar os condicionantes deste silêncio, que exprimem uma posição de apoio e adesão ao em nada elogiável governo Temer. Entretanto, em nenhuma circunstância, o alinhamento político poderia justifica o “lavar as mãos” para a catástrofe de proporções bíblicas que se abaterá sobre o exercício profissional médico (e sobre os seus pacientes SUS) nos anos vindouros. Não é preciso ser vidente para enxergar que medidas como a da redução do número de médicos nas UPAs são coerentes com a PEC 55. Ou para entender que elas se tornarão a regra num volume que será impossível de ser detido com “notas de viva oposição” focais.
A redução dos efetivos profissionais na porta das UPAs será seguida pelo recálculo per capita a maior para a autorização de todos e de cada componente da rede SUS. Antevejo, por exemplo, que se hoje uma UPA deva cobrir 200.000 pessoas para ser autorizada, num futuro próximo deverá cobrir 400.000. Complexo demais para quem não enxergou o mal maior da PEC ou da Reforma da Previdência tal miserando cálculo, coisa de sanitaristas, pode parecer de interesse menor e secundário para os médicos, mas não é. Reduzir o número de unidades ou o de efetivos profissionais equivale ao mesmo, pois impacta a qualidade do trabalho profissional, a sobrecarga, a empregabilidade e a renda. Mas qual será o apetite político das nossas entidades profissionais em se contrapor a uma tal mudança no cálculo de disponibilidade de unidades de saúde para o SUS? Ou que percepção os médicos terão de que isso toca ao seu interesse vital?
A minha geração conheceu o momento em que o que os políticos diziam dos médicos era que eram como farinha: “branco, barato e fácil de encontrar”. No caso das UPAs os dois médicos descartados viram farinha. E vão estar não somente desempregados, como aptos a baratear o custo da mão de obra médica, pois serão “exército de reserva”.
Tarde demais. O Navio do Estado Social vai a pique. Ele levará aos abismos a segunda e terceira classes formadas pelos pacientes do SUS, mas também uma iludida primeira classe.
Quem pensava que os salários médicos seriam melhorados em governo conservador se enganou, quem esperava boa recuperação do valor dos procedimentos SUS se enganou, quem esperava melhores contratos para os seus hospitais privados se enganou, o convés se inclina e logo estará na vertical.
Tudo isso para poupar os super ricos de mais impostos. Eles são 1% da população, detém 50% do PIB, recebem 50% do orçamento público federal via serviços do endividamento público e pagam em média 6% de impostos, contra os 27,5% que onera a classe média. E não são médicos, são empresários. É em nome deles que o governo foi derrubado e é em nome deles que o cenário de implosão se constrói.
Ainda há tempo para algo? Não. Vamos a pique.
Como diria Dante: “Deixai toda esperança, ó vós que entrais!”
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