domingo, 23 de setembro de 2018

Imagina eu num pau de arara?

Imagina eu num pau de arara?


Antonio Prata


Acho absurdo pensar que poderia ser morto por uma ditadura em pleno século 21



Caro (e)leitor, cara (e)leitora, se você gosta das minhas crônicas e pretende votar no Bolsonaro, “spoiler alert”: no caso de uma ditadura
como a que já foi mais de uma vez aventada pelo capitão e seu escudeiro Mourão, eu sou o típico sujeito que vai pro pau de arara ou “desaparece”. Como é extremamente difícil digitar de cabeça pra baixo e ter boas 
sacadas “desaparecido”, talvez seja de bom tom, enquanto ainda me encontro com os pés cravados no chão e sem balas cravadas na testa, sugerir que mudem de candidato —ou de cronista. 
Desenho em vermelho de homem pendurado
Adams Carvalho
Caso optem pela segunda opção, lá por 2020, 2021, quando o bicho
 estiver pegando, quando as atitudes autoritárias do governo houverem gerado protestos e os protestos derem a desculpa para revogarem os direitos individuais em nome da “restauração da ordem” contra as “forças da anarquia” —esse “Vale a Pena Ver de Novo” que reprisamos a cada três ou quatro décadas em nossa “democracinha”—, quando, enfim, eu, digamos, der uma morrida, vocês não perderão um colunista. 
O (e)leitor pode achar que exagero. Também acho absurdo, às vezes, pensar que eu poderia ser assassinado por uma ditadura em pleno século 21, no Brasil, mas aí ligo a TV, abro o jornal, atolo no Facebook e vejo as declarações do candidato. Lá está o Bolsonaro dizendo que esse país só vai dar certo quando fizermos “o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil”. Se ele falasse em matar 3.000 eu me calaria, humildemente, ciente de que tem gente muito mais importante para ser assassinada antes de mim. Mas pra uma baciada de 30 mil sem dúvida eu me qualifico.
“Ah”, dirá o leitor, “é entrevista antiga, de 1999. O Bolsonaro já disse que mudou de ideia”. Bom, mês passado o candidato gritou num comício, usando um tripé de câmera como se fosse uma arma, “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre!”. Eu não sou petista. Sou, como escrevi anos atrás, “meio intelectual, meio de esquerda”, hoje com inegável viés “meio coxinha, meio burguês”, mas neste tipo de noite que se aproxima todos os gatos são rubros e até explicar que focinho de porco não é tomada um fio desencapado já pode estar ligando meu intestino à hidrelétrica de Itaipu. 
“Ah”, dirá o leitor, “o ‘Mito’ não fala sério! É brincadeira!”. É? Em julho,
 no Roda Viva, Bolsonaro declarou que seu livro de cabeceira é “Verdade Sufocada”, de autoria do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o chefe
 da tortura no DOI-Codi. Em 1975, Vladimir Herzog, um jornalista sem qualquer ligação com a luta armada, um cara assim como eu, pai de um filho de nove e outro de sete, se apresentou voluntariamente ao DOI-Codi para “esclarecimentos” e foi “suicidado” na base da porrada e do eletrochoque
Não acredito que você, caro (e)leitor, cara (e)leitora que pretende votar no Bolsonaro, seja a favor dessa barbárie. Acredito que esteja desiludido, cansado, com raiva e coloque os abusos do passado na conta da Guerra Fria. Mas não estamos falando do passado. Estamos falando de hoje. De amanhã. Imagina eu, de cabeça pra baixo, nu, tomando choque, amanhã. Estranho, não é?
Você é de direita? Repudia o PT? Vote no Amoêdo. No Alckmin. No Meirelles. No Ciro. Na Marina. Em nenhum desses casos eu morro no final. Desculpa se pareço um pouco autocentrado, mas é que esta é a única vida que eu tenho; gostaria bastante de ver meus filhos crescerem e, se não for pedir muito, evitar choques em minhas partes pudendas. É um tanto incômodo, dizem os que sobreviveram ao ídolo do capitão.
Antonio Prata

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