Palavras canalhas,
por Sergio Saraiva
SAB, 22/09/2018 - 17:50
ATUALIZADO EM 22/09/2018 - 17:50
Houve um tempo em que a dor era canalha, mas as palavras eram de luta e esperança. Hoje, vivemos um tempo de desesperança feito de palavras canalhas.
Palavras canalhas, por Sergio Saraiva
A carta aberta de Fernando Henrique Cardoso aos “eleitores e eleitoras”, vinda à luz na boca da noite de 20 de setembro de 2018, não deveria merecer maiores cuidados. Para pouco servirá, até porque, no mais, recheada de platitudes.
“Não é de estagnação econômica, regressão política e social que o Brasil precisa. Somos todos responsáveis ... É hora de juntar forças e escolher bem ... Pensemos no país e não apenas nos partidos ... A Nação é o que importa neste momento decisivo”.
Desimportante até pelo meio a que veio a público – um textão de Facebook.
Considerando ser FHC tratado como o principal líder do PSDB, considerando que a tal carta trata das eleições presidenciais de 2018 e que seu partido dispõe de 40% do tempo total de televisão do horário eleitoral, seria de esperar que parte desse tempo fosse empregado para um pronunciamento oficial de FHC.
Ocorre que FHC é escondido por seu partido há cinco eleições – e seu partido deve ter razões para isso. Restou-lhe as “mídias sociais”.
Mas a carta de FHC é paradoxalmente também muito importante. Vivemos um tempo canalha e poucos textos o traduzem tão bem quanto o de FHC. Poucas vezes li palavras igualmente tão canalhas – canalhas nas suas omissões, canalhas nas suas afirmações. Canalhas quando tomam seus pretensos destinatários – o povo brasileiro – por idiotas a ponto de crer que creríamos em um texto canalha.
Comecemos pelas omissões. FHC omite o nome de seu próprio candidato - o pressuposto beneficiário da missiva fernandina. Nenhuma novidade, em se tratando de FHC. Só há um candidato possível para FHC; o próprio FHC. Eis um dos porquês de seu partido o esconder. Claro, há outros. Os oitos anos dos governos FHC.
Esses, no entanto, até FHC os omite em sua carta – lembra-nos de seus dois anos como de ministro da Fazenda de Itamar Franco:
“Fui ministro de um governo fruto de outro impeachment, processo sempre traumático. Na época, a inflação beirava 1000 por cento ao ano. ...Com meu apoio e de muitas outras pessoas, lançou-se a estabilizar a economia. Criara as bases políticas para tanto”.
E, escudado nisso, foi eleito presidente. E comprou no Congresso os votos necessários para permitir sua candidatura à reeleição. Dois mandatos nos quais o país foi vendido no limite da irresponsabilidade a troco de moeda podre. As relações trabalhistas foram precarizadas. Os banqueiros socorridos com bilhões, enquanto o povo empobrecido voltou a cozinhar com lenha e o salário mínimo jamais atingiu o valor de 100 dólares. A taxa de desemprego era de mais de 12%. O FMI nos humilhava a pagarmos os juros por um empréstimo que ficava em seus cofres. Era a garantia aos credores que não acreditavam nas "cartas de intenções" dos governos FHC. Quem acreditaria? Era nos recomendado que esquecêssemos o que antes escreveram - sofreríamos menos com o engodo.
Eis o porquê o PSDB esconde e FHC omite. FHC é o Temer de ontem. Até em suas traições.
E o que dizer quando FHC afirma: “em plena vigência do estado de direito, nosso primeiro compromisso há de ser com a continuidade da democracia. Ganhe quem ganhar, o povo terá decidido soberanamente o vencedor e ponto final. A democracia para mim é um valor pétreo”?
Afirma e omite que foi seu partido que se insubordinou contra os resultados das urnas de 2014 e buscou nas extravagâncias do poder judicial reverter o que o povo havia decidido soberanamente. Que valor pétreo é esse que não o fez impedir Aécio Neves e suas pautas bombas?
Quanto há de calhorda nas palavras daquele que aponta o dedo para o “líder preso por acusações de corrupção” e seu “representante”, mas omite que foram, ele próprio e seu partido, dispensados de dar explicações sobre as acusações que lhes pesavam?
Quem é o desonesto? O que foi preso baseado apenas em “acusações de corrupção” e nenhuma prova, ou aquele a quem a Justiça não se interessou em investigar, mesmo havendo motivos para fazê-lo? Um dossiê completo, vindo do Ministério Público da Suíça, dormitou por dois anos na gaveta de um procurador da República, até começar a andar a passos de cágado para chegar a lugar nenhum.
FHC se omite da resposta. Toma-nos por idiotas que não lhe questionaríamos.
Por fim, a afirmação canalha de que “basta de pregar o ódio”. Canalha não a afirmação em si, canalha a omissão de que o ódio é a herança maldita e consequente da pregação política de FHC – por suas afirmações e omissões. Que se alternam segundo seus interesses.
Quem ainda acredita nas suas orações?
Com a palavra, os seguidores de FHC.
PS: Oficina de Concertos Gerais e Poesia - mantendo a vela acesa que é para a bruxa não voltar.
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