sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Nazismo, fascismo e marxismo: um pouco de história


Nazismo, fascismo e marxismo: um pouco de história


CADU DE CASTRO




Vivemos a Era da Pós-verdade, que consiste na disseminação de mentiras suportadas por argumentos forjados e interpretação equivocada ou propositalmente distorcida de contextos históricos e sociais. Aqueles que as disseminam o fazem por profunda ignorância sobre o assunto abordado ou por desonestidade intelectual crua.
Nas esteira das mentiras inconsistentes e absurdas - largamente difundidas por aqueles que querem crer em despautérios -, está a categorização das ideologias fascista e nazista como pensamento e prática das esquerdas. Esta afirmação parte de profundo desconhecimento sobre o tema ou mera má-fé?
Bem, como acredito na educação crítica, cidadã, como meio de transformação e desenvolvimento humano das pessoas, penso ser importante tocar neste tema. Para se compreender a origem do fascismo e do nazismo, é preciso conhecer contextos históricos, sociais e econômicos que permitiram que estas ideologias brotassem e se consolidassem nas primeiras décadas do século passado.
Durante a Primeira Grande Guerra, houve maior intervenção e controle do Estado em praticamente todas as áreas em muitos países, com grande relevância na economia. A este processo, que recrudesceu especialmente na Europa, denominamos Ordenação Estatal, resultado da necessidade de reconstrução de alguns países e da recuperação de suas economias.
As recorrentes crises econômicas acentuaram as pressões sociais e produziram transformações na conjuntura política. Neste período, o anarco-sindicalismo se tornou muito forte na Itália, especialmente por representar as reivindicações dos trabalhadores. O Partido Comunista Italiano também havia se organizado no país e tinha, por sua vez, fortes ligações com o socialismo da Revolução Bolchevique de 1917.
A monarquia parlamentar italiana era liderada pelo Primeiro-Ministro, de matriz liberal, Giolitti. O principal partido que fazia oposição a Giolitti era o Partido Socialista Italiano (PSI), do qual Benito Mussolini foi membro até o momento em que apoiou a entrada da Itália na Primeira Guerra. Tal gesto contrariou as decisões do PSI, e Mussolini foi expulso da organização.
Em 1919, Benito Mussolini articulou uma nova organização de caráter paramilitar, formada por muitos ex-combatentes. Inicialmente, a batizaram de Fascio de combatimento, que remetia ao feixe de lictor (fascio de littorio), símbolo do poder do antigo Império Romano.
Os integrantes do Fascio vestiam uniformes paramilitares, com destaque para as camisas negras. Em 1920, Mussolini transformou essa organização em partido político, o Partido Nacional Fascista, que disputou as eleições no ano seguinte, ocupando 20 cargos para deputados. Em 1922, os fascistas promoveram a famosa Marcha sobre Roma, nos dias 26 e 27 de outubro, cujo objetivo era forçar o rei Vitor Emanuel III a nomear Mussolini Primeiro-Ministro. O rei, cedendo às pressões, o encarregou de formar um novo governo para Itália.
À época, Mussolini foi uma uma espécie de terceira via, que divergiu do fracassado liberalismo italiano e se contrapôs violentamente ao socialismo e ao anarco-sindicalismo.
Fraudou as eleições para controlar o Parlamento, mandou eliminar os adversários - entre eles o deputado comunista Giácomo Matteotti -, suprimiu a liberdade de imprensa e proibiu os partidos políticos, exceto o Partido Fascista, tornando-se o Duce (O Guia) de uma sórdida ditadura.
O Estado fascista se construiu forte e centralizado, totalitário, corporativista, de caráter nacionalista, anticomunista e militarmente expansionista. Uma das muitas contradições é que, apesar de antiliberal, o fascismo se aliou a alguns empresários e banqueiros italianos e recuperou a economia investindo em grandes obras públicas.
Segundo De Felice, a consolidação da ideologia fascista se deu por intermédio de uma concepção mística da política e da vida em geral; da exaltação da coletividade nacional - ao contrário do marxismo, que pregava o internacionalismo -, e do indivíduo incomum (o mito do chefe); de um regime político de massa, baseado no sistema de partido único, da milícia partidária e do controle das fontes de informação e propaganda; de um revolucionarismo verbal e conservadorismo de fundo; da ascensão da pequena e média burguesia às classes dirigentes; da criação e valorização de forte aparato militar, e do controle da economia pelo Estado, porém, com objetivo de concentrar as riquezas nas classes dirigentes e não de distribuí-la.
Com relação à Alemanha, a derrota na Primeira Guerra Mundial conduziu à extinção da monarquia e a instalação de uma República Federativa Parlamentarista, a República de Weimar. O caos do pós-guerra, gerado principalmente pelas rigorosas condições impostas pelo Tratado de Versalhes, que submeteu o país à desmilitarização, à perda de territórios e a altas indenizações aos países vencedores, se intensificou após 1919.
O momento crítico da República de Weimar ocorreu em 1923, quando a inflação assumiu proporções dramáticas. Apesar de os grandes industriais e proprietários de terra a tolerarem, pois se favoreciam com a desvalorização monetária que permitia liquidarem suas dívidas com o Estado, a hiperinflação solapou as classes trabalhadoras.
Não obstante, França e Bélgica ocuparam a região industrial do rio Ruhr, com o pretexto de garantir a extração e o fornecimento de matérias-primas como parte do pagamento da dívida de indenização de guerra, aprofundando ainda mais a crise alemã.
A miséria e o clima de convulsão levaram a greves gerais, manifestações de rua e até sabotagens, visando à queda do governo. Neste cenário, Adolf Hitler, um ex-combatente condecorado do exército alemão, de ideias nacionalistas, antissemitas, anticomunistas e revanchistas, bem como dono de excelente oratória, toma para si o Partido dos Trabalhadores Alemães, fundado por Anton Drexler. Apesar do nome, o partido tinha postura antissemita e anticomunista, mas com o objetivo de angariar massas o rebatizaram com o nome de Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, conhecido pela sigla NAZI.
Aproveitando-se do ambiente conturbado, Hitler tentou um golpe de estado (o Putsche de Munique, em 1923) e foi preso. Na prisão, escreveu o primeiro volume de Mein kämpf (Minha luta). Nesta obra, salta aos olhos o antissemitismo e o anticomunismo de Hitler. A ideologia nazista preconizava a supremacia racial ariana. Portanto, tinha por objetivo a construção de uma sociedade fortemente hierarquizada, em que os privilégios dos arianos deveriam ser garantidos por sua superioridade racial (embasaram-se no darwinismo social).
Em Mein kämpf, Hitler desonestamente caracteriza o marxismo como uma ideologia judaica - a família de Karl Marx era de origem judaica -, sendo assim, seria imprescindível combatê-la.
Separei alguns trechos do livro para ilustrar melhor suas ideias:
“Nesse tempo, abriram-se-me os olhos para dois perigos que eu mal conhecia pelos nomes e que, de nenhum modo, se me apresentavam nitidamente na sua horrível significação para a existência do povo germânico: marxismo e judaísmo.”
"No pequeno círculo em que agia, esforçava-me, por todos os meios ao meu alcance, por convencê-los da perniciosidade dos erros do marxismo e pensava atingir esse objetivo, mas o contrário é o que acontecia sempre.”
“A doutrina judaica do marxismo repele o princípio aristocrático na natureza. Contra o privilégio eterno do poder e da força do indivíduo levanta o poder das massas e o peso-morto do número. Nega o valor do indivíduo, combate a importância das nacionalidades e das raças, anulando assim na humanidade a razão de sua existência e de sua cultura. Por essa maneira de encarar o universo, conduziria a humanidade a abandonar qualquer noção de ordem. E como nesse grande organismo, só o caos poderia resultar da aplicação desses princípios, a ruína seria o desfecho final para todos os habitantes da terra.”
"Se o judeu, com o auxílio do seu credo marxista, conquistar as nações do mundo, a sua coroa de vitórias será a coroa mortuária da raça humana e, então, o planeta vazio de homens, mais uma vez, como há milhões de anos, errará pelo éter.”
“Nos anos de 1913 e 1914 manifestei a opinião, em vários círculos, que, em parte, hoje estão filiados ao movimento nacional-socialista, de que o problema futuro da nação alemã devia ser o aniquilamento do marxismo.”
“O marxismo, cuja finalidade última é, e será sempre, a destruição de todas as nacionalidades não judaicas, teve de verificar, com espanto, que nos dias de julho de 1914, os trabalhadores alemães, já por eles conquistados, despertaram e cada dia com mais ardor, se apresentavam ao serviço da pátria.”
A Crise de 29 promoveu o colapso completo do liberalismo econômico. Segundo Hobsbawn, a grande depressão destruiu o liberalismo econômico por meio século. E com o liberalismo combalido ”três opções competiam agora pela hegemonia intelectual-política. O comunismo marxista; um capitalismo privado de sua crença na otimização de livres mercados, e reformado por uma espécie de casamento não oficial ou ligação permanente com a moderada social-democracia de movimentos trabalhistas não comunistas; e a terceira opção era o fascismo, que a Depressão transformou num perigo mundial.
Neste ambiente, o NAZI se tornou o partido dirigente das classes médias alemãs, pois elas compunham seu principal eleitorado. As classes médias escolhiam sua política conforme seus temores, então, com medo do Partido Comunista alemão, fortemente influenciado pelas orientações bolcheviques, preferiram se submeter à ditadura nazista a apoiar os “comunas".
No entanto, a ascensão nazista ocorreu não somente pelo apoio das classes médias, mas também pela introdução de uma propaganda brutal que possibilitou a integração das massas. A propaganda nazista não oferecia somente o fim da crise e do desemprego, mas aparelhados e financiados pela burguesia, prometia melhores salários, participação nos lucros, nacionalização dos trustes, reforma agrária, anulação de dívidas de camponeses, isto é, oferecia mudanças no próprio sistema capitalista.
Os nazistas levaram a sério suas mentiras propagandistas e impressionaram com sua força de organização. O resultado disto todos conhecemos: o genocídio de milhões de pessoas (judeus, comunistas, ciganos, deficientes físicos, testemunhas de Jeová, entre outros).
É preciso que fique claro que o fascismo e o nazismo foram ideologias e governos de extrema-direita, e que estiveram muito distantes da direita liberal e democrática. Segundo Michel Gherman, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e coordenador do Centro de Estudos Judaicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “(…) a razão de existência do Estado era manter as diferenças raciais.
Estabelecer um estado racialmente hegemônico, escravizar e eliminar raças inferiores e combater e exterminar a oposição que falava em classes sociais. O nazismo, ao contrário do socialismo, não pretendia a abolição da propriedade privada e nem a coletivização dos meios de produção. O nazismo gostaria de garantir a arianização da economia, buscava ter alianças com grandes empresas verdadeiramente alemães e buscava construir um estado corporativo. O nazismo constituía-se assim, como modelo de capitalismo excludente e estatal. Nada mais distante do que qualquer posição a esquerda.”
Portanto, é preciso que se refutem as pós-verdades. A quem serve a reprodução de mentiras desonestamente forjadas? Opiniões, hoje tão banalizadas, devem ser embasadas em argumentos sólidos e honestos. O conhecimento só é real quando construído pelo próprio indivíduo, e isso se dá por intermédio de pesquisa, crítica sobre as fontes e profunda reflexão, e relações dialéticas, ou seja, o processo de se educar. Caso contrário, será um papagaio a serviço de pessoas ou instituições intelectualmente desonestas.
Reproduzir estas pós-verdades sem nenhuma crítica ou reflexão é o que denomino ignorância ostentação, pois, não basta ser ignorante, há de se ostentar.
Seguem algumas indicações bibliográficas para quem quiser conhecer um pouco mais sobre o tema.
PARA SABER MAIS:
ALMEIDA, Angela Mendes. A República de Weimar e a ascensão do nazismo. São Paulo: Brasiliense, 1999.
DEFELICE, R. Explicar o fascismo. São Paulo: Edições 70, 1980.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX São Paulo: Companhia das letras, 1995.
PARIS, R. As origens do fascismo. São paulo: Perspectiva, 1970.
POULANTZAS, N. Fascismo e ditadura. São Paulo: Martins Fontes, 1970.
http://internacional.estadao.com.br/…/o-nazismo-e-de-extre…/
Leia também 1984, de Orwell. Ótimo para compreender a produção de pós-verdades.
*Poderia aqui sugerir também Mein kämpf, mas, pela falta de senso crítico de muitos, pode ser perigoso.

CADU DE CASTRO
Cadu de Castro é historiador, com pós-graduação em gestão ambiental. Educador, dedica-se ao trabalho  com povos originários, tradicionais e outras comunidades, bem como com a cultura popular brasileira.

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