Até tu, papa Francisco?
Os sacerdotes homossexuais não representam nenhum escândalo, e eles
estão sujeitos, como qualquer outro, a respeitar o compromisso com o celibato.
Nada mais
Juan Arias – El País
Tanto a Igreja
Católica como as confissões evangélicas mantêm um medo atávico
da sexualidade, do qual não conseguem se livrar. Até o papa
Francisco, que com sua famosa frase aos jornalistas, “Quem sou eu
para condenar a um homossexual?”, parecia ter aberto uma porta de esperança e
compreensão da Igreja para com os diferentes, agora recuou.
Queixa-se agora
Francisco de que a Igreja parece “inundada pela moda da homossexualidade”.
E se espanta de que tantos sacerdotes e religiosos “se declarem homossexuais”,
e pede que “sejam tomadas medidas para que não escandalizem”.
Não seria difícil
responder ao papa Francisco, que nos havia admirado com sua liberdade de
espírito e seu desprendimento do poder, que a Igreja deveria se preocupar mais
com o pecado e o escândalo dos sacerdotes pedófilos,
que abusam da sua condição para seduzir e violentar menores. Os sacerdotes
homossexuais não representam nenhum escândalo, e eles estão sujeitos, assim
como os heterossexuais, a respeitar o compromisso com o celibato que aceitaram
voluntariamente. Nada mais.
Seria mais normal que,
a esta altura, a Igreja Católica acabasse abolindo o celibato obrigatório como
condição para exercer o sacerdócio. Não se trata de nenhum dogma de fé, e menos
ainda de algum ensinamento dos evangelhos. A obrigação do clero secular de
professar o celibato nasceu tarde na Igreja, na qual durante séculos não só
sacerdotes, mas também bispos e até papas, eram casados e tinham família,
começando por são Pedro, cuja sogra Jesus curou.
Todas as confissões
cristãs se inspiram nos evangelhos. E é curioso que em nenhum deles exista uma
só palavra, recomendação ou condenação da sexualidade nem da homossexualidade.
Não se encontra uma só palavra sobre o tema na boca de Jesus, que certamente
também era casado. Tão pouco medo tinha da sexualidade que foi
acusado de ser “amigo de prostitutas”, sobre as quais chegou a dizer que teriam
um lugar preferencial no paraíso.
Nem o exercício da
sexualidade nem a homossexualidade são tratados nos evangelhos. Era algo que
não preocupava o profeta de Nazaré. Suas prioridades foram sempre, pelo
contrário, os marginalizados, os desprezado e os que sofriam os açoites da
injustiça social.
Por que então esse
medo dos religiosos quanto ao exercício da sexualidade, a força motriz não só
dos humanos como também de toda a natureza, já que do seu exercício depende a
sobrevivência das espécies?
Talvez esse medo da
sexualidade, que a Igreja sempre viu como ameaça e pecado, alheia aos evangelhos,
se deva a que a vida tem sido vista mais sob o ângulo da dor e da renúncia que
da felicidade e do prazer. A Igreja associou tantas vezes o prazer ao pecado e
a dor à virtude.
Renunciar ao
exercício da sexualidade é para as Igrejas algo mais digno e agradável a Deus
que seu exercício. Durante muito tempo, a Igreja exigia aos casais católicos
que no exercício da sexualidade, destinada à procriação, se abstivessem ao
máximo de desfrutá-la. Copulava-se só para gerar, durante os dias de
fertilidade da mulher, para dar filhos a Deus. O prazer deveria ser eliminado
ao máximo.
Entretanto, recordo
que no Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João XXIII, que foi
considerado como o da revolução da Igreja, teve lugar uma grande discussão
sobre a finalidade da sexualidade humana. Aqueles 3.000 bispos de todo o mundo,
reunidos em Roma, vindos dos cinco continentes, pela primeira vez em 20 séculos
de história da Igreja defenderam que a sexualidade não era só um meio destinado
à procriação, mas também “um instrumento de diálogo” entre os seres humanos.
Foi uma revolução copernicana.
Passaram-se mais de
50 anos daquele Concílio que devolveu à sexualidade sua dignidade e sua condição
de nova linguagem da comunicação humana. É triste que ainda hoje, com a nova
revolução dos gêneros e o maior conhecimento sobre as diversas formas humanas
de viver e exercer sua sexualidade, sem distinções racistas ou farisaicas, a
Igreja continue com esses medos.
Medo não só da
homossexualidade, como se se tratasse de uma peste da qual defender os
cristãos, e sim da própria sexualidade como tal. Algo tão perigoso (na Igreja,
chegou a falar-se em algo “sujo”) que hoje quer proibir que se fale dela
às crianças e jovens nas escolas.
Na verdade, por
trás desse medo da sexualidade esconde-se algo mais profundo e perigoso, que é
a convicção de tantos religiosos de que esta vida é só uma passagem para a
eternidade. Que, aqui, quanto mais se sofra e mais se castre o prazer e a
felicidade, mais Deus abençoará.
Alguém estranha que
esteja crescendo o número de agnósticos e ateus no Brasil e no mundo? E que a
religião, que deveria ser libertadora de medos e tabus, oferta de felicidade e
encontro espiritual e corporal, esteja se tornando um perigo de alienação e
discriminação?
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