Jair Berlusconi
O supremo mandatário foi pego falando que a chanceler Angela Merkel
era uma “bunduda incomível”. Disse que ele próprio vivia “num país de
merda”. Revelou que concordava “com tudo que o presidente americano
pensava”.
Ninguém se espantaria se as três eructações fossem de Jair Bolsonaro. Mas quem as proferiu foi Silvio Berlusconi, o premiê que mais tempo ficou no poder na Itália desde o fim da Segunda Guerra —17 anos.
Pouco depois da eleição de Trump, o filósofo francês Alain Badiou disse que o primeiro ministro italiano, além de predecessor do americano, fora um político sob medida para os novos tempos, tempos de triunfo incontrastável do capitalismo sem amarras e desbussolado.
Tanto Berlusconi como Trump,
disse ele, têm em comum “certa relação patológica com o sexo feminino, e
a possibilidade de dizer e fazer em público algumas coisas que são
inaceitáveis para a maior parte da humanidade de hoje”. Bolsonaro cabe
na definição.
O italiano teve e o americano tem —assim como Duterte,
Erdogan,
Orbán, Putin “et caterva”— um pé dentro e outro fora do sistema. As
aberrações ocupam o centro do poder político, ao qual chegaram por meio
de eleições, mas dizem coisas tão escabrosas que parecem estar fora
dele.
Como a democracia só lhes interessa se vencem, solapam suas instituições e enxovalham quem atrapalhe sua perpetuação no poder. Não se importam em ser tidos por bufões e beócios. Repetem a lição de Berlusconi: a política é uma peça burlesca na qual o chefe deve causar.
Badiou recitou um verso de Racine para delinear o pano de fundo do triunfo de Trump: “Foi durante o horror de uma noite profunda”. Isso porque, no seu entender, Berlusconi teve um precursor na aurora da espetacularização da política: Mussolini, o decano do lado obscuro da força.
Ao descrever a noite profunda na qual bestas feras da extrema direita empalmam o poder, o filósofo chamou os regimes políticos nascentes de “novo fascismo”. Além de vaga, a caracterização força a barra.
Isso porque, no século passado, o fascismo italiano apelou para a violência —legal e ilegal— e destruiu partidos operários, sindicatos e associações democráticas. Mobilizou o lumpemproletariado e teve apoio da grande burguesia para criar um Estado corporativo.
Isso não ocorreu com Berlusconi nem acontece com Bolsonaro. Não se esqueça, porém, o que disse outro italiano, Primo Levi: “Cada época tem o seu próprio fascismo”.
Como a palavra-chave que define o fascismo é “violência”, a crise brasileira corre o risco, sim, de extravasar da destrambelhada oratória presidencial para ações autoritárias de governo.
Para tanto, Bolsonaro precisaria transformar em força material o que fala: o incentivo a que seus seguidores se armem; o louvor de milícias paraestatais; o incitamento ao assassinato de “bandidos” (que ele define quem são); o elogio da tortura; a ameaça em prender ou banir dissidentes.
Há distância entre retórica e realidade. O sultão Berlusconi contratava piranhas para suas festas bunga-bunga, por exemplo. Já Bolsonaro ficou nas imagens e no palavrório: alardeou um vídeo obsceno, jactou-se de não usar “aditivos”, admitiu que gosta de abraçar marmanjos e se disse apaixonado por Trump.
No plano político, a distância entre palavras e atos vem diminuindo. Os surtos verbais do presidente são um índice. Eles servem para que atice seus cupinchas. Nas redes sociais, a corriola radicaliza o que o chefe vituperou. E este último, se achando, parte para a ignorância. O círculo vicioso deprava o discurso público.
Na Itália, Berlusconi chegou ao poder devido à ruína de liberais e social-democratas. Aqui, Bolsonaro se beneficiou do fracasso de tucanos e petistas.
Lá, a cultura antifascista do pós-Guerra deu lugar ao salve-se quem puder do egoísmo berlusconiano. Cá, o orgulho antiditatorial se esvaneceu na proteção de torturadores fardados e na farra do boi da indenização das vítimas.
Berlusconi e Bolsonaro foram adubados na estufa da Mãos Limpas e da Lava Jato —seja pelas artimanhas de procuradores cúpidos, seja pela manipulação de juízes interesseiros.
O pano de fundo foi, é, a crise econômica. Ela fez com que o mercado de trabalho se contraísse, esgarçando os laços de solidariedade social. A desesperança e a apatia política derivam daí.
Há milhões de brasileiros vagando pelas ruas. Estão amargurados, ressentidos, sem perspectiva. Uma hora, eles se mexerão. O que fizerem definirá o destino do Brasil de Bolsonaro.
Ninguém se espantaria se as três eructações fossem de Jair Bolsonaro. Mas quem as proferiu foi Silvio Berlusconi, o premiê que mais tempo ficou no poder na Itália desde o fim da Segunda Guerra —17 anos.
Pouco depois da eleição de Trump, o filósofo francês Alain Badiou disse que o primeiro ministro italiano, além de predecessor do americano, fora um político sob medida para os novos tempos, tempos de triunfo incontrastável do capitalismo sem amarras e desbussolado.
Como a democracia só lhes interessa se vencem, solapam suas instituições e enxovalham quem atrapalhe sua perpetuação no poder. Não se importam em ser tidos por bufões e beócios. Repetem a lição de Berlusconi: a política é uma peça burlesca na qual o chefe deve causar.
Badiou recitou um verso de Racine para delinear o pano de fundo do triunfo de Trump: “Foi durante o horror de uma noite profunda”. Isso porque, no seu entender, Berlusconi teve um precursor na aurora da espetacularização da política: Mussolini, o decano do lado obscuro da força.
Ao descrever a noite profunda na qual bestas feras da extrema direita empalmam o poder, o filósofo chamou os regimes políticos nascentes de “novo fascismo”. Além de vaga, a caracterização força a barra.
Isso porque, no século passado, o fascismo italiano apelou para a violência —legal e ilegal— e destruiu partidos operários, sindicatos e associações democráticas. Mobilizou o lumpemproletariado e teve apoio da grande burguesia para criar um Estado corporativo.
Isso não ocorreu com Berlusconi nem acontece com Bolsonaro. Não se esqueça, porém, o que disse outro italiano, Primo Levi: “Cada época tem o seu próprio fascismo”.
Como a palavra-chave que define o fascismo é “violência”, a crise brasileira corre o risco, sim, de extravasar da destrambelhada oratória presidencial para ações autoritárias de governo.
Para tanto, Bolsonaro precisaria transformar em força material o que fala: o incentivo a que seus seguidores se armem; o louvor de milícias paraestatais; o incitamento ao assassinato de “bandidos” (que ele define quem são); o elogio da tortura; a ameaça em prender ou banir dissidentes.
Há distância entre retórica e realidade. O sultão Berlusconi contratava piranhas para suas festas bunga-bunga, por exemplo. Já Bolsonaro ficou nas imagens e no palavrório: alardeou um vídeo obsceno, jactou-se de não usar “aditivos”, admitiu que gosta de abraçar marmanjos e se disse apaixonado por Trump.
No plano político, a distância entre palavras e atos vem diminuindo. Os surtos verbais do presidente são um índice. Eles servem para que atice seus cupinchas. Nas redes sociais, a corriola radicaliza o que o chefe vituperou. E este último, se achando, parte para a ignorância. O círculo vicioso deprava o discurso público.
Na Itália, Berlusconi chegou ao poder devido à ruína de liberais e social-democratas. Aqui, Bolsonaro se beneficiou do fracasso de tucanos e petistas.
Lá, a cultura antifascista do pós-Guerra deu lugar ao salve-se quem puder do egoísmo berlusconiano. Cá, o orgulho antiditatorial se esvaneceu na proteção de torturadores fardados e na farra do boi da indenização das vítimas.
Berlusconi e Bolsonaro foram adubados na estufa da Mãos Limpas e da Lava Jato —seja pelas artimanhas de procuradores cúpidos, seja pela manipulação de juízes interesseiros.
O pano de fundo foi, é, a crise econômica. Ela fez com que o mercado de trabalho se contraísse, esgarçando os laços de solidariedade social. A desesperança e a apatia política derivam daí.
Há milhões de brasileiros vagando pelas ruas. Estão amargurados, ressentidos, sem perspectiva. Uma hora, eles se mexerão. O que fizerem definirá o destino do Brasil de Bolsonaro.
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