Otimista quer crer que o mercado, as instituições e o próprio governo vão frear os desvarios do chefe da nação
Durante as eleições presidenciais, um certo otimismo brasileiro tentou nos convencer de que a incompetência do atual presidente era sua maior virtude. Quanto mais tosco, mais manipulável; sua presença no cargo seria, na pior das hipóteses, inócua.
O presidente seria um fantoche nas mãos dos interesses representados pelos inicialmente chamados superministros da Economia e da Justiça, sem o apoio dos quais ele provavelmente não teria condições de se eleger e muito menos de governar. Sendo o presidente um idiota, governaria o governo.
O otimismo brasileiro também atende pelo nome de autoengano e oportunismo.
Além de continuar querendo crer que o presidente é burro, o otimismo
brasileiro agora tenta nos convencer de que, numa reviravolta
inesperada, o presidente trabalha contra o governo.
O raciocínio é sedutor, porque nos alivia da responsabilidade
e sobretudo da perspectiva da deriva e do desmonte como política de
Estado. O otimismo brasileiro quer crer que, no final das contas, o
mercado, as instituições e o próprio governo serão suficientes para
frear os desvarios do chefe da nação. Nem é preciso dizer que ele é o
primeiro interessado em que você acredite nisso. A despeito das
aparências e de todo o otimismo, o presidente e seu governo não são
coisas distintas.
O otimismo brasileiro continua querendo acreditar que pode domar o presidente a seu favor. Está difícil (e ficará mais difícil quando se confirmarem os efeitos de uma nova crise econômica internacional), mas o otimismo brasileiro é obstinado e voluntarioso, não vai abrir mão de suas crenças já na primeira contrariedade.
O mais desagradável nesse meio-tempo foi entender que o oportunismo não é exclusividade de ninguém. Quem está acostumado a levar vantagem tem dificuldade de mudar de ideia sobre quem está usando quem.
Uma vez no poder, o projeto de assalto ao país (desmantelamento da verdade, da justiça, da ciência, da educação, do meio ambiente) atrelou um eventual fracasso do governo ao risco do caos.
O presidente seria um fantoche nas mãos dos interesses representados pelos inicialmente chamados superministros da Economia e da Justiça, sem o apoio dos quais ele provavelmente não teria condições de se eleger e muito menos de governar. Sendo o presidente um idiota, governaria o governo.
O otimismo brasileiro também atende pelo nome de autoengano e oportunismo.
O otimismo brasileiro continua querendo acreditar que pode domar o presidente a seu favor. Está difícil (e ficará mais difícil quando se confirmarem os efeitos de uma nova crise econômica internacional), mas o otimismo brasileiro é obstinado e voluntarioso, não vai abrir mão de suas crenças já na primeira contrariedade.
O mais desagradável nesse meio-tempo foi entender que o oportunismo não é exclusividade de ninguém. Quem está acostumado a levar vantagem tem dificuldade de mudar de ideia sobre quem está usando quem.
Uma vez no poder, o projeto de assalto ao país (desmantelamento da verdade, da justiça, da ciência, da educação, do meio ambiente) atrelou um eventual fracasso do governo ao risco do caos.
É verdade que as condições para a tempestade perfeita já estavam delineadas no horizonte havia anos. O presidente não é nenhum gênio, mas não se devem desprezar seu sentido de oportunidade, seu faro e sua estratégia. Suas idas e vindas aparentemente contraditórias fazem todo o sentido. Vai chutar a porta até abri-la, sempre que houver uma oportunidade, quando estivermos distraídos, quando ninguém estiver olhando.
Não há perspectiva de sobrevivência para ele e sua família fora do caos, fora da guerra civil, em um mundo norteado pelos valores da justiça e da verdade. Manipulando a má-fé e o oportunismo alheio, o presidente tem conseguido fazer seu governo trabalhar em concerto com ele para a instalação do caos.
Inédito no Brasil, “Ornamento”, do colombiano Juan Cárdenas, é um
romance perturbador, que fala da ambiguidade da manipulação, num sentido
perverso que articula capitalismo, drogas, desejo e identidade. É
difícil entender quem manipula quem. E quais são as últimas
consequências dessa manipulação. Uma incompreensão análoga está na base
do nosso suicídio coletivo.
Sem mencioná-lo, o romance remete ao célebre texto de Kleist sobre o teatro de marionetes, que atribui a graça à inconsciência do gesto. Embora conduzidos por cordéis manipulados por um ator oculto, os movimentos dos títeres, ao contrário do ator condenado à afetação da sua consciência, incapaz de reproduzir a graça de ações irrefletidas, têm a naturalidade de obedecer unicamente à mecânica do seu próprio centro de gravidade.
O texto suscita uma série de questões desestabilizadoras sobre as ideias que fazemos a propósito da consciência e da autodeterminação. Pode não ter a ver diretamente conosco, mas faz pensar na ambiguidade da relação perversa e suicida na qual nós, brasileiros, espantosamente nos deixamos enredar. À diferença das marionetes, entretanto, nosso centro de gravidade foi substituído pelo desequilíbrio entrópico do nosso próprio oportunismo. Não podia ter mesmo a menor graça.
Sem mencioná-lo, o romance remete ao célebre texto de Kleist sobre o teatro de marionetes, que atribui a graça à inconsciência do gesto. Embora conduzidos por cordéis manipulados por um ator oculto, os movimentos dos títeres, ao contrário do ator condenado à afetação da sua consciência, incapaz de reproduzir a graça de ações irrefletidas, têm a naturalidade de obedecer unicamente à mecânica do seu próprio centro de gravidade.
O texto suscita uma série de questões desestabilizadoras sobre as ideias que fazemos a propósito da consciência e da autodeterminação. Pode não ter a ver diretamente conosco, mas faz pensar na ambiguidade da relação perversa e suicida na qual nós, brasileiros, espantosamente nos deixamos enredar. À diferença das marionetes, entretanto, nosso centro de gravidade foi substituído pelo desequilíbrio entrópico do nosso próprio oportunismo. Não podia ter mesmo a menor graça.
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