Na entrevista em
que o ex-chefe do Ministério Público Federal Rodrigo Janot disse que
chegou perto de assassinar a tiros o ministro Gilmar Mendes dentro do
STF, as opiniões se dividiram na comunidade jurídica quanto à
possibilidade de algo ali ter sido caracterizado crime. O ex-PGR Rodrigo Janot, que disse em entrevista ter pensado em matar Gilmar Reprodução
Um ministro do Supremo disse, sob condição de anonimato, considerar
que foi "tentativa de homicídio premeditada". "Agora parece que tem
alguns loucos na internet querendo imitar o valentão."
No Superior Tribunal de Justiça, outro ministro afirmou à Conjurconsiderar que ele [Janot] "cometeu início dos atos de execução de crime de tentativa de homicídio".
Para o juiz Ali Mazloum, da
7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, o crime foi na entrevista em si,
por incitar o ódio. "Nesse momento conturbado, em que colocam a manada
contra o STF e, especialmente contra alguns de seus membros, a confissão
do Janot coloca mais lenha na fogueira e incentiva essa delinquência.
Sem dúvida, Janot, com sua entrevista, cometeu o crime do artigo 286 do
Código Penal, de incitação ao crime."
A opinião é compartilhada por Adib Abdouni.
No entender do advogado criminalista e constitucionalista, à época dos
fatos agora relatados pelo ex-procurador, o ex-PGR não cometeu crime
algum. “Por outro lado, com a manifestação da última quinta [26] feita
por meio de entrevista a jornalistas, Rodrigo Janot pode estar
estimulando os seus admiradores a cometerem homicídio contra o ministro
Gilmar Mendes. Ou seja, Janot pode, em tese, ser denunciado pelo crime
de incitação pública de violência ou apologia ao crime, capitulado no
artigo 286 do Código Penal”, explica.
Já os advogados Vera Chemim e Marcellus Ferreria Pinto disseram em entrevista ao portal UOL
que Janot cometeu crime de prevaricação, ao não abrir investigação após
o senador Aécio Neves o tentar cooptar, segundo seu relato.
Esta também é a opinião do criminalista Wellington Arruda, que falou com a ConJur.
"Neste caso, em especial, a considerar que houve crime por parte do
Aécio e do Temer, estaríamos sim, diante de um crime de prevaricação por
parte do PGR. E além, se considerarmos a hipótese de Aécio e Temer não
terem feito o que Janot disse que eles fizeram, estaríamos, então,
diante de um crime de calúnia. Ou seja, em qualquer hipótese, o ex-PGR
cometeu crime, seja um ou outro", afirmou.
Mas alguns juristas lembraram à ConJur que os atos preparatórios não são crimes, mas atos moralmente condenáveis e incompatíveis com qualquer operador do Direito. Lenio Streck
foi cirúrgico: o problema é médico e não legal. "Ele era PGR. Tinha
porte de ofício. Não sei se é proibido andar armado dentro do STF. Mas
se fosse proibido, não seria crime. O ato dele é absolutamente
reprovável no plano moral. Mas não cometeu crime. O problema não é saber
o artigo do CP para Janot, e, sim, o CID [Código Internacional de
Doenças]. Imagine o que dirá um réu acusado por Janot? Que fase essa do
MPF. Um tiro no pé", lamenta.
O criminalista Fernando Augusto Fernandes
também foi duro. "A fala na entrevista se assemelha a um subterfúgio
covarde de quem mente que agiria de forma radical para transparecer
macho viril, quando não passam de palavras calculadas de quem conhece o
direito e divulga uma transloucada fake news de sua própria personalidade para ofender o ministro do Supremo Tribunal Federal, e o próprio Judiciário."
Por outro lado, o advogado e professor Alberto Zacharias Toron
disse que a conduta de Janot é "impunível". "Não passou da esfera de
cogitação. Não entrou nos atos executórios. Ficou nos atos
preparatórios. E estes são impuníveis. Malgrado a reprovação que mereça a
fala dele. Malgrado o medo que causa, em se tratando de alguém que teve
o poder que ele tinha em mãos. Mas, do ponto de vista penal, é
impunível a conduta dele." Reinaldo Santos de Almeida,
advogado criminalista, afirma que as declarações "são deploráveis e
representam a falência do Ministério Público Federal em seu projeto
messiânico de punir inimigos políticos a todo custo, em desrespeito à
Constituição, na lógica do “vale-tudo”, especialmente conhecidas após
revelações sobre as chicanas feitas pelo Parquet em relações promíscuas
com juízes, desembargadores e, inclusive, ministros do STF, conforme
revelado recentemente pelo site The Intercept". Gustavo Badaró,
professor de processo penal da USP (Universidade de São Paulo), vê
motivos comerciais nas declarações de Janot. "O que é incrível mesmo é
ver a que ponto o ser humano pode chegar... Só para vender mais livros!
Nem vendedor de Barsa, nos tempos gloriosos, inventaria uma mentira
dessas."
A criminalista Daniella Meggiolaro também
lamenta as declarações. "Pela manifesta falta de equilíbrio emocional
ao confessar ter quase atirado em um ministro do Supremo Tribunal
Federal e pela declaração em si, ocorrida em um momento tão turbulento,
tão polarizado e cheio de ódio. Péssimo exemplo do senhor Rodrigo
Janot."
"Menos do que enxergar crimes, deveríamos buscar exemplos
nessa história quase fantástica. Não podemos ignorar que Rodrigo Janot,
por duas vezes, foi o Procurador mais votado da lista da ANPR
[Associação Nacional dos Procuradores da República], sendo o escolhido
como representante dos membros do Ministério Público Federal. O fato de
tal pessoa, investida de tamanho preparo e destinatária da confiança de
toda uma categoria, ceder ao arroubos da emoção, cogitar e quase
executar o assassínio de um semelhante, mostra a importância das
políticas de desarmamento e do equívoco das recentes iniciativas que
pretendem flexibilizar a autorização para posse e porte de armas de
fogo", afirma Bruno Salles Pereira.
Já para o criminalista Daniel Gerber,
"de todas as questões que podem ser levantadas quanto ao episódio
narrado por Janot, uma de suprema importância é se destacar a distinção
de tratamento que o Poder Judiciário dá ao Ministério Público e aos
advogados".
"Para que o advogado ingresse numa sala de audiências
ou num prédio do poder público, ele é revistado por inúmeras vezes,
passa por detector de metal e, ainda, se submete à constrangimentos na
medida em que é vistoriado, justamente, sobre o porte de armas ou
instrumentos de letalidade comprovada. Tal tratamento conferido ao
advogado, pelo que se percebe agora, deveria ser imediatamente estendido
ao Ministério Público."
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