terça-feira, 12 de novembro de 2019

O Partido Republicano não é para homens honestos


O Partido Republicano não é para homens honestos 

Sua natureza o torna pouco simpático à democracia, e isso deveria nos assustar

  • Em 2010, uma explosão em uma mina de carvão operada pela Massey Energy matou 29 homens. Em 2015, Don Blankenship, antigo presidente-executivo da empresa, recebeu uma sentença de prisão por violar padrões de segurança na mineração. Em 2018, ele parece ter chance real de se tornar o candidato do Partido Republicano a uma cadeira no Senado pela Virgínia Ocidental.
    Blankenship é um dos quatro republicanos com históricos criminais que estão disputando vagas para a eleição deste ano, e diversos deles têm chance de obter a indicação de seu partido. E existe uma lista muito mais ampla de políticos republicanos que enfrentam acusações críveis quanto a grandes tropeços éticos e que ainda assim emergiram vitoriosos das primárias republicanas, de Roy Moore a, bem, Donald Trump.
    Com certeza o Partido Democrata também já abrigou muitos políticos corruptos. Mas em geral a revelação de sua corrupção pôs fim à carreira política desses líderes. O que é notável no cenário republicano atual é que pessoas que são obviamente corruptas, criminosas ou pior continuam a atrair forte apoio da base do partido. Moore foi derrotado por margem estreita em uma eleição especial para o Senado no Alabama, mas recebeu 91% dos votos das pessoas que se declaram republicanas.
    E Trump, embora impopular a um ponto sem precedentes para um presidente a esta altura de seu mandato, continua a receber apoio inabalável da base republicana. Alguns políticos republicanos admitiram abertamente que isso faz com que a bancada legislativa do partido hesite em responsabilizar Trump até mesmo pelos mais espetaculares delitos, entre os quais, é claro, o conluio com uma potência estrangeira.
    O que está acontecendo, quanto a isso? Não acho que seja por acidente que o Partido Republicano moderno contenha tantos trapaceiros, e que trapaceiros pareçam prosperar nas disputas políticas internas do partido. Pelo contrário. O sucesso de pessoas como Blankenship —ou Trump— foi consequência inevitável da estratégia política que os republicanos vêm seguindo há décadas. Pois a verdade simples é que, desde a era Reagan, os republicanos vêm basicamente trapaceando os eleitores norte-americanos.
    A agenda invariável e persistente do partido é a redistribuição de renda em benefício dos ricos: cortar impostos sobre os ricos e debilitar a rede de segurança social. Essa agenda é impopular: apenas uma pequena minoria dos norte-americanos deseja ver cortes de impostos para os ricos, e minoria ainda mais ínfima deseja cortes nos grandes programas sociais. Mas os republicanos venceram eleições, em parte por ocultar sua agenda política real mas principalmente ao se fazerem passar por defensores dos valores sociais tradicionais dos Estados Unidos —acima de todos a maior tradição norte-americana, o racismo.
    Essa dependência prolongada quanto a uma grande trapaça exerceu forte efeito seletivo tanto sobre a liderança quanto sobre a base do partido. Os políticos republicanos tendem desproporcionalmente a ser trapaceiros porque o jogo político do partido requer disposição de, e talento para, dizer uma coisa e fazer outra. E a base do partido consiste desproporcionalmente de eleitores facilmente enganáveis —aqueles que acreditam sem esforço em afirmações de que aquelas pessoas são o problema, e não percebem o quanto a agenda real dos republicanos os prejudica.
    O ponto é que Trump estava mais ou menos fadado a acontecer. O racismo grosseiro e a desonestidade gritante do presidente são apenas versões exageradas daquilo que seu partido vêm vendendo há décadas, e sua agenda política concreta —reduzir impostos sobre as empresas e os ricos, privar as famílias mais pobres de planos de saúde— é completamente ortodoxa.
    Mesmo seu protecionismo se afasta menos do que as pessoas imaginam das normas republicanas. George W. Bush aplicou tarifas sobre as importações de aço, e Reagan limitou as importações de automóveis japoneses. Cortar os impostos dos ricos é um princípio fundamental do Partido Republicano; livre comércio não.
    Assim que você percebe até que ponto essa grande trapaça determina as posições políticas republicanas, três implicações emergem.
    Primeiro, não haverá redenção vinda da dentro. Políticos éticos e com princípios sólidos não retomarão o controle do partido das mãos de Trump, porque não é isso que a base quer. O Partido Republicano moderno não é um país para homens honestos. Os trapaceiros continuarão a dominar até que, ou a menos que, o partido sofra grandes e repetidas derrotas e passe anos no ostracismo político.
    Segundo, o partido está de fato vulnerável, porque sempre existe o risco de que os eleitores percebam sua trapaça. Os ataques republicanos ao sistema de saúde, e não os muitos escândalos em que seus integrantes estão envolvidos, parecem ter sido o maior fator para as vitórias democratas em eleições especiais recentes. E em novembro essa reação pode dar aos democratas não só o controle de uma ou de ambas as casas do Congresso, mas o de muitos governos estaduais.
    E se isso não acontecer? Há uma terceira implicação, que deveria nos assustar: a natureza do Partido Republicano moderno o torna pouco simpático à democracia. Afinal, um político precisa se proteger contra eleitores que percebam o que ele está fazendo e busquem detê-lo via voto. Suprimir eleitores e manipular radicalmente os distritos eleitorais já são partes cruciais da estratégia republicana, mas o que vimos até agora pode ser só o começo.
    E se você acredita que os líderes republicamos hesitariam em manipular grosseiramente as eleições, não está prestando atenção às notícias. No passado existiam republicanos que se preocupavam com isso, mas eles deixaram o partido há muito tempo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário