mário sérgio conti
A TERRA TREME
É
 tanta revolta que, para não esquecer nenhuma, é bom botá-las em ordem 
alfabética. Em um mês, houve rebeliões na Argélia, Catalunha, Chile, 
Colômbia, Equador, Haiti, Hong Kong, Irã, Iraque e Líbano. Milhões e 
milhões de pessoas querem mudar de vida. Agora, e não depois.
Diferentes
 entre si, os motins têm traços insurrecionais pela duração (desde 
fevereiro, Argel fecha para protestos às sextas-feiras), pela 
abrangência (em Santiago, mais de um milhão de pessoas participaram de 
uma passeata) e pela coragem (centenas de mortos em Teerã e Bagdá).
Na
 regra, os levantes começaram com demandas particulares que logo se 
alastraram. Secundaristas pularam catracas do metrô para se insurgir 
contra o aumento das passagens —e em dez dias uma greve geral parou o 
Chile.
O governo libanês quis impor uma taxa para mensagens de WhatsApp
 —e 12 dias depois o primeiro ministro se demitiu. O reajuste da 
gasolina desencadeou quebra-quebras em Quito. A corrupção alimentou 
convulsões em Bagdá e Teerã.
As
 reivindicações foram atendidas e as praças não se aquietaram. A China 
voltou atrás na intenção de querer que o Partido Comunista julgasse os 
dissidentes de Hong Kong. Mas, como quando da renúncia do presidente 
argelino, a contestação só fez aumentar.
Com
 o quebra-quebra,  governo chileno teve que convocar plebiscito sobre 
constituinte. No Líbano, a palavra de ordem passou a ser a unidade 
nacional, acima das divisões religiosas. O separatismo ganhou força na 
Catalunha e em Hong Kong.
É
 preciso aguardar os desdobramentos para avaliar a insurgência. Dá para 
dizer, contudo, que ela lembra as revoluções europeias de 1848 e tem 
algo da explosão do stalinismo, em 1989-1991. Parece um segundo momento 
da Primavera Árabe de 2011, só que agora em vários cantos do globo.
Embora
 o seu alcance geográfico seja muito maior, as explosões não pegaram em 
cheio os países centrais. Mas, também neles, algo fermenta: coletes 
amarelos na França; passeatas pró e contra o brexit na Inglaterra; a 
greve da GM nos Estados Unidos.
O
 que fermenta é a insatisfação com a política apodrecida. Com o status 
quo criado pela economia neoliberal. Com a ordem mundial sino-americana.
 Com a espoliação de milhões por um punhado de bilionários. O 
combustível da turbulência é a desigualdade social.
As multidões sabem o que repudiam. Mas apenas intuem o que querem: justiça, democracia, igualdade.
Os poderes constituídos têm horror a isso. Sua reação automática foi cair de pau na plebe rude.
A teocracia tirou a internet do ar no Irã e, segundo a Anistia Internacional,
 matou mais de cem. O exército encarcerou dezenas de dissidentes na 
Argélia, a começar pela médica Louisa Hanoune. A polícia chilena atirou 
na cabecinha e cegou dezenas de insatisfeitos.
As
 multidões cantam seus mutilados e mártires. E os bens de vida zelam 
para que os pés-rapados não se aposentem nunca, os desempregados sejam 
taxados e o agronegócio queime a Amazônia: é cultural, tá oquei?
Bolsonaro
 vem se armando para enfrentar eventuais revoltas. Pôs 2.500 militares 
em ministérios e cargos de chefia. Moro quase dobrou o contingente 
verde-oliva no Ministério da Justiça; e toda a milicada trabalha fardada
 às quartas-feiras.
Agora,
 o presidente mandou ao Congresso um projeto de lei que isenta de 
punições policiais e militares que, em defesa da lei e da ordem, cometam excessos. Na prática, inocenta previamente soldados e meganhas que cegarem, aleijarem ou matarem quem protestar contra Bolsonaro.
Por
 fim, lançou a Aliança pelo Brasil. Seu manifesto de fundação fala em 
“ordem nova”, “degeneração moral” e de “livrar o país dos larápios, dos 
espertos, dos demagogos e dos traidores”. É explícito: não usa nunca a 
palavra democracia.
A
 Aliança não precisa disputar as próximas eleições, como admitiu. Seu 
objetivo implícito é juntar a banda podre das polícias, do Exército, das
 seitas, das milícias e de toda a corja lúmpen numa organização de 
combate —de luta ideológica e física, nas ruas.
Enquanto
 os bem-pensantes batem papo sobre 2022, e avaliam as chances de Huck e 
Haddad, Bolsonaro se prepara. Tem o apoio de empresários e de Guedes, de
 moralistas e de Moro, de generais e de Villas Bôas, de pastores e do 
bispo Macedo, do império e de Trump.
Continuará
 a provocar arruaças, a destruir direitos e a solapar as liberdades 
públicas. Se a revolta vier e tiver condições, Bolsonaro posará de salvador da pátria, de Bonaparte. Tentará um golpe.  
(por Mario Sergio Conti)
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