domingo, 29 de janeiro de 2012

Má notícia para os fanáticos do mercado

Má notícia para os fanáticos do mercado

Má notícia para os fanáticos do mercado

Em sua edição de 27 de janeiro, a reportagem de capa da Economist, leitura obrigatória da elite financeira mundial, ajuda a colocar o debate sobre os rumos da economia em seu devido lugar.

O titulo é bastante significativo: “O crescimento do capitalismo estatal
– o novo modelo dos emergentes.”
Como sabem seus leitores, a Economist é uma publicação com idéias conservadoras em assuntos econômicos. Defende uma presença mínima do Estado na economia, costuma apoiar governos e candidatos de acordo com elas mas não é partidária de idéias irracionais nem fanáticas.
A vantagem para os leitores é que não confunde a realidade com seus desejos.
Diante da crise européia, a Economist tem sido uma das críticas mais duras da obsessão de Angela Merkel com a austeridade e defende programas de estímulo ao crescimento para tirar o Velho Mundo para o fundo do poço.
Em 2009, quando boa parte da imprensa brasileira preocupava-se em encontrar obstáculos na recuperação do país após a crise de Wall Street, a Economist saiu com uma capa que mudou o rumo da conversa: ”O Brasil decola.” Ali, lembrava aos leitores que o país havia entrado numa fase de prosperidade e que em breve estaria ocupando um lugar importante entre as maiores economias do planeta.
Essa forma não-provinciana de enxergar a realidade também aparece na reportagem especial de 14 páginas sobre capitalismo de estado.

(Pegue o link, em inglês: http://www.economist.com/node/21542931)

Eu acho que essa reportagem merece reflexão de quem se interessa de verdade pelo conhecimento da economia e não pela divulgação de suas convicções e mesmo de seus preconceitos.

Para a revista, assiste-se a um momento em que a crise do “capitalismo liberal ocidental coincidiu com uma forma nova e poderosa do capitalismo de estado nos mercados emergentes.”

Fazendo um balanço histórico, a revista lembra que o papel do Estado na economia mundial cresceu entre 1900 e 1970. Naquele momento, o vento soprava nessa direção.

Depois disso, as idéias do mercado ganharam terreno com Ronald Reagan e Margareth Tatcher,as privatizações e a ruína da União Soviética e seus satélites.
A partir de 2008, depois da crise do Lehman Brothers e a crise das economias desenvolvidas, ”a era do triunfalismo do mercado foi interrompida.”
Avaliando as consequências desta situação, a revista afirma que a forma atual de “capitalismo de estado representa o mais formidável inimigo que o capitalismo liberal já enfrentou.”
Hoje, “o capitalismo de estado pode reivindicar os maiores sucessos econômicos do mundo para seu campo.” As empresas estatais representam 80% dos valores negociados no mercado de ações da China, 62% na Russia e 38% no Brasil. Comparando taxas de crescimento, a revista recorda que estes países crescem 5,5% ano ano, contra 1,6% dos desenvolvidos. A revista também acredita em 2020 essas economias emergentes irão responder por metade do PIB mundial.
A influencia do capitalismo de estado deve prolongar-se por anos, diz a revista. Isso porque, em função de sucessos localizados e momentâneos, talvez seja necessário aguardar muito tempo até que ”as fraquezas do modelo se tornem evidentes.”
Partidária da visão de que a economia de mercado sempre será mais eficiente e mais aberta às inovações, a revista acredita que cedo ou tarde o capitalismo de estado acabará perdendo sua força e poder de atração.

Gostaria de comentar algumas idéias discutidas pela revista.

A revista associa mercado e democracia, estado e ditadura. Confesso que até hoje não entendi porque se costuma associar estes dois fenômenos, sempre desta maneira. Num país onde o Estado tem forte influencia na economia, esta atividade passa a sofrer forte influencia do sistema político. Se o regime for uma ditadura, será uma influencia autoritária. Se for uma democracia, irá refletir, após muitos filtros e distorções, o pensamento do eleitor. Numa economia dominada pela iniciativa privada, a maior influencia sobre o Estado virá do mercado, ou seja, das empresas privadas e seus lobistas. Não virá do cidadão comum nem da classe média nem dos trabalhadores.

França, Inglaterra e Alemanha são paises que tiveram uma forte influencia do Estado na economia, ao longo do século XX, e não deixaram de ser democracias por causa disso. Nos anos Roosevelt, o Estado coordenou e até dirigiu boa parte do crescimento econômico americano. Seria autoritarismo? As ideias ultraprivatizantes de Augusto Pinochet nunca o impediram de transformar o Chile numa ultraditadura. Há quem diga que a segunda foi condição para que pudesse realizar a primeira.

O nazismo de Adolf Hitler foi um produto direto da obsessão da centro-direita alemã com o mercado e sua recusa para criar medidas para enfrentar o desemprego e a falta de crescimento.

Outra afirmação é a seguinte: “o capitalismo de estado funciona direito quando dirigido por um estado competente.” A regra vale para tudo na vida, na verdade. Inclusive para o capitalismo de mercado. Colapsos gigantescos como de 1929 e 2008 deveriam reforçar a modéstia dos que acreditam na competência instrínseca da iniciativa privada. Nos dois casos ela precisou ser salva pelos recursos do Estado, socializando imensas perdas depois de ter embolsado enormes prejuízos.

A ideia da eficiência natural do mercado esbarra em contradições importantes. Os mercados tem uma dificuldade imensa para lidar com a desigualdade social, problema que está na raiz das principais crises econômicas recentes. Sem mercados para crescer, a economia cria sistemas de credito para emprestar dinheiro para quem pode consumir mas não tem renda de verdade para pagar a conta, montando uma bola de neve que produziu os derivativos que explodiram em 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário