Altamiro Borges diz que país vive onda de incerteza, ódio e fascismo criado pela mídia tradicional
O jornalista Altamiro Borgesestá preocupado. E não é paranoia de blogueiro esquerdista. Faz muito
sentido essa preocupação. Tem fundamento e provas na prática. Pensemos
que, desde 1998, na Venezuela, uma vanguarda se estabeleceu na América
Latina. Foram eleitos governos progressistas, preocupados com o combate à
desigualdade social, com a democratização do acesso a direitos. Mas
esse modelo vive uma crise, uma encruzilhada, uma incerteza, como
repetiu o painelista da 17ª Conferência Estadual de Bancários(as), em
seu painel, do sábado, 4/7, no Hotel Embaixador em Porto Alegre.
Se a Argentina conseguiu regular os meios de comunicação, no Brasil
os 12 anos de governos Lula e Dilma, não conseguiu trilhar o mesmo
caminho, a não ser pela moderna lei de internet. Os dois presidentes
optaram por não enfrentar esses verdadeiros responsáveis pela onda de
ódio que circula pelas redes sociais, pela opção de telejornais e
jornalistas e que tem na defesa do retorno do neoliberalismo a bandeira
de luta. Sim, a bandeira é de luta para enfrentar o ocaso do
neoliberalismo no mundo.
Altamiro diz que a crise econômica faz parte de uma estratégia
política de desgaste de presidentes progressistas. “Esses governos foram
de reformismo brando. As políticas sociais são importantes, mas
insuficientes. Essas políticas não foram acompanhadas da politização.
Pobre que entrou na universidade diz que conseguiu por causa da
meritocracia. Se não tivesse política, ele não teria ingressado na
universidade.”
O modus operandi aparece em vários exemplos. Basta ligar a televisão,
acessar as redes sociais. Vemos uma jornalista da TV Globo ser
corrigida pelo presidente estadunidense Barack Obama sobre o papel de
referência do Brasil como player político mundial e não meramente
regional como ela disse durante a visita da presidenta Dilma aos Estados
Unidos. Vemos também a presidente Dilma ser ofendida e agredida por um
jovem fascista de direita nos Estados Unidos e uma quantidade de
material machista que tenta (e consegue) desgastar a imagem da
presidenta. . “Derrotamos a direita, mas perdemos o debate. O movimento
sindical cuida das pautas dos trabalhadores, mas deixou de politizar a
sociedade”, acrescentou o painelista.
Altamiro diz que a América Latina, a partir de 1998, enfrentou a
hegemonia neoliberal e agora ocorre o que ele chama de um período muito
perigoso de incertezas. O caso da eleição do Syritza, na Grécia é
exemplar. Os governos centrais da Europa impõem uma agenda de recessão,
que procura colocar o partido grego de joelhos, asfixiá-lo. Apesar de os
governos progressistas terem chegado ao poder e implantado políticas de
combate a desigualdade social, no Brasil, por exemplo, faltou ao
presidente Lula e a presidenta Dilma enfrentarem a mídia tradicional com
regulação. “O capitalismo está numa fase agressiva, repressiva e de
retirada de direitos e vive uma crise prolongada e sistêmica de
reestruturação produtiva”, enumera.
América Latina: de laboratório à resistência
O final dos anos 1970 foi marcado pela construção política da
hegemonia do neoliberalismo na América Latina. A região foi o
laboratório do Consenso de Washington. Altamiro diz que o neoliberalismo
se fundou sob um tripé. A estratégia é desmontar o Estado, a nação e o
trabalho. Não por acaso as empresas tradicionais de mídia desempenham um
papel fundamental, se comportam como verdadeiros partidos políticos.
Citando o sociólogo Perseu Abramo, Altamiro refere as duas formas
clássicas de manipulação dos meios de comunicação. Foi selecionando os
assuntos que deveriam chamar a atenção da massa e defendendo as
privatizações, a terceirização e o banco de horas que os meios de
comunicação montaram o contexto para a chegada do neoliberalismo. “A
América Latina se iludiu. Essas teorias foram apresentadas pela mídia
como teorias inevitáveis”, diz.
Altamiro refere que essa estratégia politicamente se esgotou, a não
ser pelo discurso de crise e de necessidade de uma nova reorganização do
capitalismo. A vanguarda de um movimento dialético, iniciado no Brasil,
em Porto Alegre, com o Fórum Social Mundial “Quando os partidos da
direita entram em crise, os jornais assumem o sseus lugar.”
no início da década passada, criou uma vanguarda de resistência e
levou ao poder progressistas em toda a América Latina. Altamiro chama
este fenômeno de vanguarda mundial, mas alerta para o seu esgotamento.
“Quando os partidos da direita entram em crise, os jornais assumem o seu
lugar. Estamos num momento em que precisamos resistir e atuar juntos”,
explica.
O que fazer e o papel dos Sindicatos
Os meios de comunicação de massa privados realçam aquilo que lhes
interessa e omitem o que lhes prejudica, como já dito acima. É a tal
seletividade. Não fosse assim, por que apoiaram a Ditadura Militar no
Brasil, da qual Roberto Marinho, fundador da Globo, nunca se arrependeu,
ou por que esconderiam agora investigações que apuram casos de
corrupção, como a Operação Zelotes, da Polícia Federal? A Operação
Zelotes, que investiga o Grupo RBS, sumiu dos jornais. De novo, a tal
seletividade. “A imprensa precisa o tempo todo desconstituir a política.
Precisa publicar um escândalo atrás do outro porque, se a política
funciona a mídia perde importância”, afirma.
Mas o que aconteceu que nos levou do topo para o abismo: da eleição
de uma presidenta com amplo apoio social no final de 2014 para o atual
estado de vandalismo, desrespeito e ódio. Tudo é culpa da Dilma. Por
certo, isso é uma estratégia comunicacional de repetição e ocupação dos
meios de comunicação. Altamiro refere que essa onda de fascismo foi
criada pela mídia. “Apesar de eu ter críticas contra o atual governo,
entendo que é difícil governar. Reconhecemos os avanços sociais dos
governos Dilma e Lula, mas todos os partidos de esquerda enfrentam o
mesmo problema quando administram. Forte oposição da mídia e a
necessidade de fazer concessões polpituicas para governar”, diz Altamiro
Mas e os Sindicatos? Altamiro puxou as orelhas dos sindicalistas. Diz
que é tempo de investir, de não pensar em comunicação como gasto. É
tempo de aproveitar que a internet ainda é um ambiente com relativa
liberdade. Afinal, como o filósofo italiano Antonio Gramsci ensinou e
foi citado por Altamiro, é preciso disputar a hegemonia num ambiente de
batalha de comunicação. Parte desse problema relaciona-se à falta de uma
política de enfrentamento da mídia. Altamiro diz que o atual governo é
um reformador “brando” e não enfrentou a mídia.
É preciso voltar a debater com a sociedade. Criar espaços na internet
e debater, acima de tudo, a sociedade. Precisamos politizar. “A mídia
brasileira é tão colonizada que diz que nós queremos trazer o modelo da
Venezuela de comunicação. Nós queremos o modelo dos Estados Unidos. E
por uma questão muito simples. A legislação estadunidense proíbe a
propriedade cruzada. Não pode ter rádio, internet e jornal ao mesmo
tempo”, diz Altamiro.
Tempos difíceis, mas importantes. É preciso enfrentar o debate por
uma comunicação com interesse público e não de um público. O modelo
brasileiro de comunicação de massa é comercial, neoliberal e fascista ao
repetir que a polpitica e os partidos políticos acabaram. Na crise do
capitalismo, quando começam a perder audiência para as redes sociais, a
estratégia é se juntar ainda mais aos aliados, os partidos e políticos
de direita, para defenderem suas visões de mundo.
Palavras de Altamiro Borges
INCERTEZAS
“Temos no mundo uma perigosíssima onda neofascista. Vivemos uma ditadura do capital financeiro no mundo”.
FENÔMENO
“A América Latina começou uma vanguarda de resistência ao neoliberalismo
a partir de 1998 na Venezuela. Depois, Equadros, Argentina, Bolívia e
Brasil. Foi uma vanguarda mundial. Todos esses governos estão passando
por problemas. Há um processo de asfixiar e de derrubar esses governos.”
ENCRUZILHADA
“Esses governos foram de reformismo brando. As políticas sociais são
importantes, mas insuficientes. Essas políticas não foram acompanhadas
da politização. Pobre que entrou na universidade diz que conseguiu por
causa da meritocracia. Se não tivesse política, ele não teria ingressado
na universidade.”
BATALHA DA COMUNICAÇÃO
“Tanto Dilma quanto Lula optaram por não enfrentar a batalha da comunicação. Estamos vivendo um momento muito perigoso.”
ONDA
“Elegemos o Congresso Nacional mais sujo da história do Brasil.”
OFENSIVA CONSERVADORA
“Derrotamos a direita, mas perdemos o debate. O movimento sindical cuida
das pautas dos trabalhadores, mas deixou de politizar a sociedade.”
PAPEL DA MÍDIA
“Quando os partidos da direita entram em crise, os jornais assumem o seus lugar.”
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