domingo, 19 de julho de 2015

O jogo político das forças repressivas brasileiras |

O jogo político das forças repressivas brasileiras |




O jogo político das forças repressivas brasileiras







Por Rogerio Dultra dos Santos




A participação da Polícia Federal na “Operação Lava-Jato” revela a
situação de um corpo que compreendeu a sua importância no jogo político.
Isto significa que a PF irá desenvolver – pelo menos em setores que têm
se mostrado hegemônicos –, cada vez de forma mais autônoma, uma agenda
política descolada do controle normativo-constitucional.


A utilização da polícia no jogo político não é nenhuma novidade na história. A criminalização das oposições muito menos.


Por trás de uma pauta aparentemente respaldada pelo direito subjaz um
projeto moralizador, refratário ao funcionamento naturalmente plural e
contraditório da democracia. Imbuída de que porta a verdade
inquestionável, a instituição se debruça sobre a vida política nacional,
esquadrinhando os seus agentes e impedindo o seu curso, numa ânsia
quase-religiosa de purificação do que considera estranho à república.


Foi assim com a polícia política brasileira, a DEOPS – Delegacia
Especializada de Ordem Política e Social, que funcionou entre 1928 e
1983, como instrumento de criminalização e anulação das atividades de
contestação oriundas das classes populares.


O emprego de serviços de inteligência para fins políticos também
operou de forma sistemática com o SNI – Serviço Nacional de Informações,
criado em 1964 pela ditadura e somente extinto em 1999. Órgãos do SNI
instalados em Universidades, por exemplo, monitoravam as ações de
dissidência ao regime, o movimento pela anistia e o das diretas já.


Algo menos óbvio é que uma instituição submetida aos limites
normativos oficiais é quase inviável quando a corporação define sua
agenda operacional a partir de interesses próprios. É que a instituição
perde seu caráter republicano, porque não submetida ao controle externo,
porque não orientada pelo interesse público.


Esta anomalia institucional impede que consequências indesejadas para a vida democrática sejam determinadas de antemão.


O arrivismo político-burocrático de parte da PF, a falta de controle
do Ministério da Justiça sobre as suas atividades e a criminalização da
política como agenda geral de suas “operações” configuram a conjuntura
que coloca em xeque a estabilidade da democracia no país.


Este processo – equivalente ao desencadeado na Itália pela “Operação
mãos limpas” – que aniquilou os maiores partidos e deu origem à
hegemonia da direita de Berlusconi por mais de uma década, bate à nossa
porta. Ninguém dele está a salvo.


O jogo pelo poder coloca, além da PF, praticamente todas as
instituições do sistema repressivo brasileiro em disputa,
contaminando-as com o vírus político do “heroísmo” de resultados.


E nem se precisaria ir tão longe na história do Brasil para
identificar de onde surge esta mutação institucional que atinge a PF, e
que parece alcançar também o Ministério Público Federal e o próprio
Poder Judiciário.


O primeiro sintoma de aparelhamento político da PF foi a “Operação Lunus”,
em 2002, articulada pelo PSDB contra a Ex-Senadora maranhense Roseana
Sarney, então candidata à Presidência da República. Mesmo sendo
arquivada pelo STF por falta de provas um ano depois, a operação fez
naufragar a candidatura de Roseana.


O dado mais importante desta primeira grande “operação” política da
PF é que ela foi articulada com a imprensa para der repercussão imediata
na opinião pública, induzindo uma condenação prévia e inviabilizando a
candidata do PMDB. Isto foi motivo de comemoração não somente do PSDB,
mas inclusive da – à época – oposição petista.


Chegando à presidência, Lula estabeleceu um processo de empoderamento
institucional da Polícia Federal, ampliando os investimentos em
tecnologia, capacitação, concursos e orçamento, a ponto de que parte do
MPF passou a entender-se sem condições de controlar a PF e que esta se
transformou em unidade autônoma de investigação
(hoje o MPF luta para aprovar que a sua capacidade investigatória seja
implementada através de uma polícia própria, o que poderá causar outra
sanha heróica de profilaxia da política).


Logo depois explode o chamado “mensalão” e o PT é tragado pelo mesmo
protocolo de “operações”, forças-tarefa, vazamentos seletivos de
investigações em andamento para os grandes meios de comunicação e
adjetivações sem provas estabelecidas em juízo. As oposições aplaudiram
de pé.


Nos últimos 13 anos as instituições repressivas e de justiça
cresceram e se internacionalizaram. Internacionalização que implicou,
por exemplo, em extensos cursos de formação policial e jurídica nos EUA.
Policiais, procuradores e juízes aprenderam novas técnicas de
investigação, mas, especialmente, novos modelos de direito e de processo
penal que prescindem de várias das garantias previstas em nossa
Constituição.


Este é o caso da teoria do domínio do fato e das regras do plea bergaining,
que deram origem aos céleres e midiáticos protocolos de investigação do
crime de lavagem de dinheiro e a toda legislação de delações premiadas.


Assim, a “Operação Lava-Jato” aparece como a terceira grande onda de
ataque das instituições repressivas brasileiras à política, mas sob uma
nova roupagem.


Profissionalizadas, internacionalizadas e articuladas politicamente,
agindo de forma autônoma e sem que qualquer controle republicano balize
as suas ações, estas instituições têm o poder de ameaçar todo o processo
democrático.


O certo é que ninguém que tenha vida pública está mais seguro de nada.


Se é viável a interpretação segundo a qual parte dos órgãos de
investigação está funcionando com uma agenda política fechada ao
escrutínio público, o escopo de suas atividades não ficará – e já não
está mais ficando – restrito ao PT.


Se há a incorporação, por estes órgãos, de uma compreensão
hegemonicamente moralizadora e criminalizadora da política – e poucos
duvidam disto – o andamento desta e de outras “operações” alcançará não
só integrantes dos partidos aliados, mas também da oposição política.


O resultado, contudo, não será um país “passado a limpo” como muitos
imaginam e até desejam, mas uma democracia fragilizada, submetida a uma
caça às bruxas que perverte os limites do direito.


Apesar do processo que tramita na Justiça Federal no Paraná não ser
televisionado, a exposição sistemática na mídia permite o avanço seguro
da PF e do MPF rumo à criminalização de forças políticas para além do
governo Dilma Rousseff e para além do PT. Ontem foi Collor de Mello.
Amanhã será Eduardo Cunha. Depois, quem sabe, Temer, Dilma, Lula, sem
esquecer dos “300 picaretas” do Congresso Nacional, que insistem em
entrar em recesso. Quem irá sobrar desta vez para bater palmas?

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