Janio: Mourão fala por si e por militar que cala
Indispensável a leitura da análise feita hoje por Janio de Freitas, com o olhar veterano de quem aprendeu a olhar os sentimentos – e movimentos – dos quartéis, como era indispensável aos jornalistas políticos formados antes – e mais, quando bem antes – dos anos 80.
Janio vai além de chamar a atenção para as falas estranhamente chocantes de Mourão – e o estranho, nestes dias, vem de serem apenas óbvias – e sublinha o significado do silêncio do restante da “ala militar” do governo, recolhida a um constrangido mutismo ante a sucessão de bobagens que esporulam da ala “Bolsonaro raiz”.
A linha invisível
Janio de Freitas, na Folha
A dimensão da desconfiança que cerca o vice Hamilton Mourão, entre os bolsonaristas, pode ser mensurada pela ansiedade de Jair Bolsonaro para retomar a Presidência: passadas apenas 48 horas de uma cirurgia mais complexa do que o esperado. A imprudência, seguida de más repercussões fisiológicas, não teve utilidade política em relação ao vice. Nem poderia. Porque na atitude participativa do general Mourão há ingredientes fortes e não suspeitados pelo ativismo bolsonarista ou fora dele.
Mais do que as manifestações dissonantes, propriamente, o que gera a animosidade ao vice no núcleo bolsonarista é a constatação, por meios variados, da receptividade que Mourão tem encontrado. Suas sucintas e frequentes manifestações surpreendem, em geral, não pelo que expõem, como fazem as falas de ministros e de Bolsonaro. Espantam exatamente por não serem chocantes, por conviverem com o senso comum. No mesmo sentido, e em outro nível, é indicativo que o vice seja procurado por diplomatas estrangeiros, para as conversas responsáveis entre governos.
Não se restringe a civis o pasmo com a responsabilidade assumida pelo Exército por um governo Bolsonaro. Uma administração nacional em que desatinados têm os postos mais importantes, cabendo os demais a neófitos. Um governo tido como “a volta dos militares”. Para isso? Para esse vexame que o mundo ridiculariza todos os dias? Há entre os militares um segmento insatisfeito. Preocupado. Se pequeno, compensa com atenção ao governo e aos riscos à imagem das Forças Armadas.
É fácil constatar a ação coordenada dos militares integrantes do governo: todos, menos um, silenciaram ao mesmo tempo. Nem mesmo o general Augusto Heleno, imagina-se a que custo, se oferta a um microfone ou gravador. Menos um: Hamilton Mourão. O encarregado de falar. Para marcar posições que o identifiquem mais como general, mais com o Exército e a corporação militar, do que como integrante do governo.
O “falastrão”, como há pouco foi chamado, não está falando só por si. Cumpre um papel recebido e dá voz a um segmento. Mesmo dentro do governo, como em recente e enérgico reparo a uma iniciativa de política externa adotada sem prévia consulta ao Ministério da Defesa.
Bem-sucedido fazedor de riqueza, como é típico dos marqueteiros políticos, e pretenso ideólogo da extrema direita (outro modo de fazer riqueza), Steve Bannon diz que Hamilton Mourão “pisa fora da linha”. Por fora está ele. Como seus amigos do ativismo bolsonarista.
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