sábado, 9 de fevereiro de 2019

Licença para matar





O pacote anticrime do ministro Sergio Moro deve ser aprovado pelo Congresso? NÃO

Licença para matar




Paulo Sérgio Pinheiro, em foto de 2018 - Marcelo Justo - 23.mar.18- UOL/Folhapress

Paulo Sérgio Pinheiro
O sr. Moro, com esse pacote, se comportou como elefante em loja de louças. Atirou para todos os lados.
Quer alterar nada menos que 14 leis, investe com sofreguidão sobre propostas já consideradas inconstitucionais pelo Supremo, como a vedação do regime de progressão da pena e a impossibilidade de concessão de liberdade provisória. E bota abaixo o princípio constitucional do trânsito em julgado da pena.

Não há surpresas. O pacote segue à risca o método pautado pela manipulação permanente do medo e pela fantasia de um Estado vingador que o sr. Moro tem personificado com maestria nos últimos anos.

O duo Bolsonaro-Moro vai consolidando sua política de segurança modelo bangue-bangue. O mesmo governo que duas semanas atrás, contra todas as evidencias existentes em matéria de violência no planeta, ampliou o acesso a armas de fogo.

Na ocasião, o sr. Moro concedeu, do alto de sua ínclita sabedoria: "Essa questão de estatística, de causa de violência, sempre é um tema bastante controvertido".

Agora, ele cava espaço para as polícias ampliarem as justificativas pelo uso de suas armas.
Para que fundamentar cientificamente? Como perder tempo com diálogos com a sociedade civil, centros de pesquisa ou mesmo corporações? Basta o clássico showzinho de Power Point. Adorei ouvir o sr. Moro dizer que a "ideia principal" ( sic) do novo projeto é melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, que desejam "viver em um país mais seguro".

Pois podem os compatriotas tirar o cavalinho da chuva. Esse pacote não vai trazer melhoria na segurança pública para ninguém, em especial para a população tradicionalmente mais vulnerável à violência: jovens negros nas periferias, indígenas, mulheres, trabalhadores rurais, LGBTs. Enfim, grupos vítimas de formas estruturais de discriminação, compreendidas como "coitadismos que têm que acabar" pelo líder maior do sr. Moro.

Afinal, qual é a evidência apresentada para a alteração do escopo legal para a letalidade das polícias?
Estamos cansados de saber que as polícias intervêm por razões de segurança --em inúmeras situações onde não há nenhuma situação legal-- sem a menor relação com os fins legais.

Assim, numa guerra contra o crime, as polícias militares continuam a se comportar como se estivessem enfrentando um "inimigo interno" a ser abatido.

A história da guerra contra o crime no Brasil é uma crônica de demagogia e fracasso, de resultados imprevistos e muitas vezes na direção oposta daquelas pretendidas. Em 2017 foram 63.880 mortes violentas, 5.144 mortes pelas polícias (14 por dia), 367 policiais mortos (um por dia).

Nesse contexto, as propostas para a atuação das polícias são a exacerbação da impunidade de fato que tradicionalmente beneficia suas execuções extrajudiciais e da consequente insegurança que esse modus operandi constitui para os próprios policiais.

Nos planos do sr. Moro, quando envolvidos em homicídios, policiais podem ter quase como certo responder aos inquéritos em liberdade, carta branca para ameaçar testemunhas e cometer mais mortes.

E, como brinde, terão a redução pela metade da pena , que deixará de ser aplicada se "decorrer de escusável medo( sic), surpresa ou violenta emoção", uma delirante exclusão de criminalidade.
Todas essas chorumelas são para dourar a pílula , no caso a doutrina do governo "policial que não mata não é policial". Missão cumprida, sr. Moro, parabéns.


PS:

PM mata 14 em operação em morro no centro do Rio de Janeiro

Polícia afirma que houve troca de tiros e que agiu após confrontos; moradores dizem que vítimas estavam rendidas


Thaiza Pauluze
RIO DE JANEIRO e SÃO PAULO
​Ao menos 14 pessoas foram mortas nesta sexta-feira (8) durante operação da Polícia Militar no morro do Fallet, centro do Rio de Janeiro. A corporação afirma que todos foram mortos em confronto com a polícia. Já moradores da favela dizem que os policiais atiraram mesmo após a rendição dos suspeitos. 
A ação, que também ocorreu nas favelas da Coroa e Fogueteiro, reuniu o Bope (Batalhão de Operações Especiais) e o Batalhão de Choque e começou, segundo a PM, após uma série de confrontos entre as quadrilhas das três comunidades.
A secretaria municipal de saúde informou que 16 suspeitos deram entrada no hospital municipal Souza Aguiar. Segundo a pasta, 13 chegaram sem vida ao local, um morreu no CTI e outros dois permanecem na unidade. No morro dos Prazeres, mais dois suspeitos foram encontrados feridos e levados para a mesma unidade.
Ainda segundo a PM, os policiais do choque foram recebidos a tiros no Fallet, dando início ao confronto —não há informação de agentes feridos ou mortos. Moradores dizem que os policiais atiraram mesmo após a rendição dos suspeitos. 
A reportagem conversou com uma mulher que teve um filho e um sobrinho mortos na operação e que não quis se identificar, com medo de represálias. "Já entraram três vezes na minha casa", disse.
De acordo com ela, os suspeitos foram rendidos dentro de uma casa e mortos em seguida. "Eles perguntaram: 'não vão fazer nada?'. E os policiais disseram que não", afirmou.
Segundo o relato, quando seu filho virou-se de costas para negociar a rendição com o grupo, agentes atiraram contra ele. "Deram um tiro nas costas. Furaram meu filho todo. Não me respeitaram em momento nenhum, nem meu filho de oito anos. Falou na cara do meu filho: 'bem feito'."
A mãe também disse que os policiais tentaram impedir que familiares entrassem na casa para identificar os corpos. 
Outro familiar de dois jovens mortos afirmou à Folha que ambos eram envolvidos com o crime. Contudo, declarou que os dois se entregaram e foram mortos pelos policiais ainda assim.
O advogado Rodrigo Mondego, membro da comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, esteve na região e ouviu de outros moradores relatos semelhantes.
De acordo com Mondego, foram escutados gritos de rendição na casa onde os suspeitos se refugiaram e, antes do ocorrido, um drone de monitoramento sobrevoou a comunidade.
Além disso, segundo ele, teria havido confronto com balas de borracha e gás lacrimogêneo entre os moradores e os policiais. Isso porque, após as mortes, um grupo de pessoas da comunidade tentou garantir que outros cinco suspeitos, escondidos em outra casa, pudessem se entregar em segurança à polícia. 
Mondego também afirmou que os agentes levaram os suspeitos para o hospital já sem vida. E, entre os mortos, estavam dois adolescentes de cerca de 15 anos, de acordo com o advogado.
Questionada sobre a idade dos suspeitos, a Polícia Civil afirmou que as investigações estão em andamento na Delegacia de Homicídios e que foi realizada perícia no local. Segundo a corporação, os policiais militares envolvidos no confronto estão sendo ouvidos e suas armas foram recolhidas e encaminhadas à perícia.
A corporação também informou que foram apreendidos três fuzis, 12 pistolas, carregadores e granadas.
O número de pessoas mortas em decorrência da intervenção policial no Rio subiu 36% de 2017 para o ano passado —de 1.127 para 1.532 pessoas. Só na capital, em 2018, foram 556 mortes atribuídas à polícia, segundo dados do Instituto de Segurança Pública.
Para Ignácio Cano, professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), membro do Laboratório de Análises da Violência, o número elevado de vítimas na operação desta sexta-feira "é simbólico da forte possibilidade de uso excessivo da força letal. De um país em que a polícia tem carta-branca e, mais do que isso, é encorajada a matar".
Segundo ele, a operação vem na esteira do posicionamento do novo governador do estado Wilson Witzel (PSC) e do presidente Jair Bolsonaro (PSL) —ambos falam em endurecimento nas ações contra criminosos. 
O ex-juiz federal diz, desde a campanha eleitoral, que autorizará o “abate” de criminosos portando armas pesadas. “O correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... Fogo!”, afirmou. Para isso, ele disse que treinaria atiradores de elite para dispararem inclusive de helicópteros e compraria drones capazes de atirar.
"A retirada dos cadáveres para serem despejados nos hospitais inviabiliza a perícia no local. Está vindo o que foi prometido, novas formas de legitimar a execução sumária", afirma Cano.
A modificação da cena do crime vai dificultar a responsabilização pelas mortes, segundo a socióloga Julita Lemgruber, que coordena o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e é ex-ouvidora de polícia e ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário do Rio. “Retirarem 13 corpos é a absoluta confiança na impunidade e certamente não vai acontecer nada.”
Ela critica o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça Sérgio Moro, que descreve como legítima defesa mortes ocorridas em cenários de “escusável medo, surpresa, ou violenta emoção”
"Está muito claro que a licença para matar entrou em vigor, mesmo antes da legislação do Moro. Simbolicamente isso já está sendo operado na prática. O policial se sente encorajado a matar, com a justificativa de ter sido tomado por violenta emoção”, afirma Lemgruber.


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