Correio do Povo - O portal de notícias dos gaúchos | Versão Impressa: "O SUS é melhor avaliado por quem o usa
Elio Gaspari
Deve-se ao economista John Kenneth Galbraith a expressão 'sabedoria convencional' para designar alguma coisa que as pessoas acham porque outras pessoas acham. Por exemplo: se a África está atolada em ladroeiras, golpes e miséria, como o Botswana está na África, o Botswana está ferrado. Erro, esse é um caso de ignorância convencional. Em 30 anos, o país cresceu a uma média superior à da China, à da Coreia ou à dos EUA. Sua renda multiplicou-se 13 vezes, e seus cidadãos tornaram-se mais ricos que tailandeses, búlgaros ou peruanos. (Mais exemplos no livro 'The Rational Optimist', de Matt Ridley, US$ 12,99 no e-book.)
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada revelou que a percepção de que a rede de saúde pública brasileira é um desastre tem um perigoso ingrediente de ignorância convencional. O SUS não é nenhum Botswana, mas 30,4% dos entrevistados que buscaram seus serviços ou acompanharam um familiar no último ano avaliaram-no, de uma maneira geral, como bom ou muito bom, enquanto 27,6% consideraram-no ruim ou muito ruim. O índice de aprovação do SUS fica na mesma faixa onde estão os serviços financeiros, aéreos e de telecomunicações.
Propagando a ignorância convencional, 34,3% dos entrevistados que não tiveram experiência alguma com o SUS acharam-no ruim ou muito ruim, e só 19,2% consideraram-no bom ou muito bom. A visão catastrofista está mais em quem não usa o serviço do que naqueles que o usam. Essa tendência já foi detectada há tempo, e pesquisas do Ibope informam que ela ocorre também nas áreas de transporte e educação. Palpite: quem não usa um serviço que atende ao andar de baixo sente-se recompensado ao achar que ele não presta, pois custa-lhe dinheiro fugir da rede de atendimento da patuleia. Julga-se protegido, mesmo suspeitando que o plano de saúde poderá desová-lo na rede pública quando seu tratamento for mais caro. Esse pode ter sido o caso do cidadão que a seguradora Porto Seguro, amparada pela Agência Nacional de Saúde, remeteu ao SUS para receber (de graça) uma dispendiosa droga contra artrite reumatoide. Ele, que paga R$ 8 mil mensais no seu plano familiar, argumentou: 'Eu não vou ficar em fila de SUS nem morto.'
Avaliando cada ramo dos serviços utilizados, os números do Ipea dizem mais. 80,7% dos entrevistados atendidos pelo programa Saúde da Família consideram-no bom ou muito bom; 69,6% dos clientes do serviço de distribuição de remédios gratuitos deram a mesma boa opinião. A avaliação positiva do atendimento por médicos especialistas ficou em 60,6%. Na rabeira, com 48% e 45% de aprovação, estão as emergências e os postos de saúde, considerados ruins ou muito ruins por 31% dos entrevistados que os utilizaram.
Mesmo sabendo-se o risco que há em qualquer comparação de pesquisas, os números do Ipea colocam o SUS num patamar um pouco melhor que o do sistema público e privado americano (o que não chega a ser um elogio) e um pouco pior que o austríaco. Na Alemanha, 14% dos entrevistados acham que a área da saúde pública precisa ser completamente reconstruída, enquanto 38% acreditam que alguns ajustes seriam suficientes.
Se a freguesia do SUS botar a boca no mundo toda vez que for mal-atendida, ele melhorará. Se baixar a cabeça, achando que 'é assim mesmo', piorará. Em qualquer caso, não é justo que se tenha uma má opinião de um serviço público a partir do juízo de quem não o usa.
* Serviço: a pesquisa do Ipea está, na íntegra, em seu portal.
– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"
Elio Gaspari
Deve-se ao economista John Kenneth Galbraith a expressão 'sabedoria convencional' para designar alguma coisa que as pessoas acham porque outras pessoas acham. Por exemplo: se a África está atolada em ladroeiras, golpes e miséria, como o Botswana está na África, o Botswana está ferrado. Erro, esse é um caso de ignorância convencional. Em 30 anos, o país cresceu a uma média superior à da China, à da Coreia ou à dos EUA. Sua renda multiplicou-se 13 vezes, e seus cidadãos tornaram-se mais ricos que tailandeses, búlgaros ou peruanos. (Mais exemplos no livro 'The Rational Optimist', de Matt Ridley, US$ 12,99 no e-book.)
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada revelou que a percepção de que a rede de saúde pública brasileira é um desastre tem um perigoso ingrediente de ignorância convencional. O SUS não é nenhum Botswana, mas 30,4% dos entrevistados que buscaram seus serviços ou acompanharam um familiar no último ano avaliaram-no, de uma maneira geral, como bom ou muito bom, enquanto 27,6% consideraram-no ruim ou muito ruim. O índice de aprovação do SUS fica na mesma faixa onde estão os serviços financeiros, aéreos e de telecomunicações.
Propagando a ignorância convencional, 34,3% dos entrevistados que não tiveram experiência alguma com o SUS acharam-no ruim ou muito ruim, e só 19,2% consideraram-no bom ou muito bom. A visão catastrofista está mais em quem não usa o serviço do que naqueles que o usam. Essa tendência já foi detectada há tempo, e pesquisas do Ibope informam que ela ocorre também nas áreas de transporte e educação. Palpite: quem não usa um serviço que atende ao andar de baixo sente-se recompensado ao achar que ele não presta, pois custa-lhe dinheiro fugir da rede de atendimento da patuleia. Julga-se protegido, mesmo suspeitando que o plano de saúde poderá desová-lo na rede pública quando seu tratamento for mais caro. Esse pode ter sido o caso do cidadão que a seguradora Porto Seguro, amparada pela Agência Nacional de Saúde, remeteu ao SUS para receber (de graça) uma dispendiosa droga contra artrite reumatoide. Ele, que paga R$ 8 mil mensais no seu plano familiar, argumentou: 'Eu não vou ficar em fila de SUS nem morto.'
Avaliando cada ramo dos serviços utilizados, os números do Ipea dizem mais. 80,7% dos entrevistados atendidos pelo programa Saúde da Família consideram-no bom ou muito bom; 69,6% dos clientes do serviço de distribuição de remédios gratuitos deram a mesma boa opinião. A avaliação positiva do atendimento por médicos especialistas ficou em 60,6%. Na rabeira, com 48% e 45% de aprovação, estão as emergências e os postos de saúde, considerados ruins ou muito ruins por 31% dos entrevistados que os utilizaram.
Mesmo sabendo-se o risco que há em qualquer comparação de pesquisas, os números do Ipea colocam o SUS num patamar um pouco melhor que o do sistema público e privado americano (o que não chega a ser um elogio) e um pouco pior que o austríaco. Na Alemanha, 14% dos entrevistados acham que a área da saúde pública precisa ser completamente reconstruída, enquanto 38% acreditam que alguns ajustes seriam suficientes.
Se a freguesia do SUS botar a boca no mundo toda vez que for mal-atendida, ele melhorará. Se baixar a cabeça, achando que 'é assim mesmo', piorará. Em qualquer caso, não é justo que se tenha uma má opinião de um serviço público a partir do juízo de quem não o usa.
* Serviço: a pesquisa do Ipea está, na íntegra, em seu portal.
– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"
Nenhum comentário:
Postar um comentário