segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

#TeiaLivre: Não, você não tem culpa da dengue! (@marinildac)

#TeiaLivre: Não, você não tem culpa da dengue! (@marinildac): "Não, você não tem culpa da dengue!
Postado por: marinildac - Ver todos os artigos @marinildac

Um dos maiores avanços na filosofia das políticas públicas foi o reconhecimento de que responsabilizar o paciente pela doença é o atraso do atraso. As modernas políticas públicas – e o Brasil já está neste mundo, inclusive o Ministério da Saúde, basta ver o Inca, que adota há tempos práticas integrais da abordagem do câncer realmente transformadoras – responsabilizam, na verdade, o governo. Quem mais?

Longe de mim atacar por atacar o @padilhando ou o Ministerio da Saúde, quanto mais o Zé de Abreu, totalmente inocente nessa história, mas quando vi o vídeo da nova campanha de combate à dengue o sangue subiu (aliás, já me enfureço só de saber que há “campanha da dengue” no verão...). Sei que é tudo gente boa fazendo as coisas na melhor das intenções. Mas é errado, em termos de eficácia e em termos históricos.

Vejamos como começou a subida do sangue. Primeiro, esta tuitada aqui:

padilhando1.jpg

Depois, o vídeo.

O que está acontecendo de errado, afinal? Pouco a pouco, quanto mais foge de suas obrigações mais o governo introjeta na população a ideia de que a dengue é responsabilidade de todos – sua, minha e do vizinho. Mais um pouco e estará dizendo que a culpa da dengue é sua, minha e do vizinho. Não é. Um exemplo pessoal: tive duas dengues, meu filho outras duas, e nada havia em nossa casa, em Santa Teresa, no Rio, que estimulasse o aedes aegypti a se assanhar. Ah, era o vizinho! Não, não era. Caixas d’água com tampa, garrafas emborcadas, tudo certinho. Ocorre que o cidadão não é um ser estanque, ele vai e vem (tomara que continue assim) do trabalho, da casa de amigos, do parque de diversões, do Jardim Botânico (minha primeira dengue, em 1987, peguei numa visita ao lindo Botânico Jardim, como o chamava meu sobrinho quando pequeno. Legal, né? Aquelas lagoas todas... Saí toda picada de um... espaço público federal!)

Imaginem se Oswaldo Cruz tivesse deixado por conta do povo no início do século passado o combate à varíola, à peste bubônica e à febre amarela urbana – bem diferente da silvestre, “causadora” do histórico escândalo (ver aqui também) que dona Eliane Cantanhêde e outros profissionais irresponsáveis da mídia comercial protagonizaram em 2008.

Não me agrada o combate à dengue com uso de força pelas autoridades de saúde, mas de que outro jeito entrar em casas, terrenos, depósitos e outros tipos de propriedade, inclusive do poder público, sabidamente abandonadas, fermentando criadouros de aedes, senão pelo uso do poder de polícia da saúde pública, com juiz a tiracolo para expedição de mandados? Que maldito respeito à propriedade privada é este – com falsa capa de respeito a liberdades individuais – que permite a morte dos vizinhos de um proprietário ausente ou indiferente? Dengue é calamidade pública, e assim precisa ser encarada.

A imagem abaixo é prova viva e vergonhosa do descaso das autoridades de saúde em relação à dengue, porque deixaram a doença avançar de forma predadora e irresponsável.

Mapas.jpg

Fonte: Radis

Se as três esferas de governo praticassem o SUS integral, se investissem de verdade em equipes de Saúde da Família atuando em cada rua, em cada quarteirão e em cada bairro, a par disso mapeando os eventos epidemiológicos relacionados, duvido que houvesse criadouros em massa como agora.

Do jeito que está, tais pedidos de colaboração da população soam ofensivos: segundo o mapa de risco do Ministério da Saúde, divulgado em 11 de janeiro (por Tutatis, Pasteur e Oswaldo, não ficam envergonhados lá no ministério ao divulgar isso, como se fosse a mão do destino???), há 16 estados em risco muito alto de epidemia neste verão (Acre, Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Tocantins, Mato Grosso, Espírito Santo e Rio de Janeiro); e 5 em risco alto (Roraima, Amapá, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul).

mapamat110111.jpg

Fonte: Ministério da Saúde

Não dá para brincar de “parceria” com a população, queiram me desculpar. Tem que arrumar dinheiro, muito, muito dinheiro e começar desde já um “arrastão” gigantesco contra a dengue para reduzir a incidência nos próximos verões. Este já está perdido mesmo.

Acham impossível? O CDC dos Estados Unidos prova que não é. O estudo Febre da dengue, Havaí, 2001-2002 conta os passos dos epidemiologistas americanos para conter surto que afetou a terra natal de Barack Obama há 10 anos (por sinal, minha segunda dengue também está aniversariando). Além de divulgar a doença, explicar como evitar e “pedir a colaboração” dos havaianos, os serviços de saúde determinaram notificação acurada, treinaram médicos para o diagnóstico correto e as equipes de saúde inspecionaram propriedades públicas e privadas em busca de mosquitos, larvas e criadouros potenciais. Inspecionaram, acharam e eliminaram.

Ué, mas o sistema de saúde americano não é todo privatizado?, hão de perguntar. Sim, mas aqui falo dos serviços epidemiológicos, que cabem ao Estado e funcionam brilhantemente. Nem estou falando mal dos nossos serviços de vigilância epidemiológica, viu? São brilhantes também, fazem o que podem, coitados, com a merreca de verba que têm à disposição. Devem ter sentido vergonha, sim, quando o mapa acima foi divulgado.

Ah, mas o Havaí é um arquipélago, e foi fácil controlar a área de ocorrência, hão de argumentar. Sim, 'sorte' deles. Nós aqui criminosamente bobeamos e, agora, se levamos de fato essa doença a sério, há que partir para um trabalho hercúleo. Sim, problema nosso. (Ou estarão à espera da vacina? Aí nem seria ofensivo, seria indecente.)

Espero me ter feito entender. Não tenciono atacar ninguém pelo prazer do ataque. Insisto apenas em que a dengue acabará quando a saúde pública eliminar mosquitos, larvas e criadouros bairro por bairro de cada cidade, casa por casa, prédio por prédio.

É dever dela, não seu, meu ou do vizinho.

– Enviado usando a Barra de Ferramentas Google"

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