segunda-feira, 13 de abril de 2015

Motos, caminhões e óculos escuros: rebeldes ostentação

Motos, caminhões e óculos escuros: rebeldes ostentação



Motos, caminhões e óculos escuros: rebeldes ostentação




Ricardo Kotscho




"É, meu caro Kotscho, não sei quanto a você, mas, particularmente,
já estou de saco cheio desse cabo de guerra eleitoral", escreveu-me o
leitor Henrique Crispim, em comentário enviado às 20h07 de domingo.


Quanto a mim, caro Crispim, pode ter certeza que sinto o mesmo faz
muito tempo. Não é fácil ser jornalista nestes tempos de Fla-Flu
político que mistura intolerância, hipocrisia e ignorância.


Onde quer que eu vá, sou cobrado por ambos os lados sobre algo que
escrevi aqui ou falei na televisão. As pessoas se sentem no direito
de me dizer o que posso ou não pensar e que só devo falar o que elas
esperam ouvir do alto de suas respectivas sabedorias. Os fatos não
importam. Minha opinião só vale se for igual à deles.


Neste domingo de manifestações, com o clima ainda mais radicalizado,
almocei na casa de uma família de tucanos xiitas e jantei com um grupo
de amigos petistas nostálgicos. Consegui desagradar a ambos, o que me dá
a certeza de estar no caminho certo como jornalista, mas é algo
massacrante como cidadão, que não tem mais o direito de pensar
diferente.


Ao assistir às mesmas imagens dos protestos que as televisões
mostraram ininterruptamente durante todo o dia, concitando a população a
sair às ruas contra o governo, cada um de nós pode ter tido sua atenção
chamada por cenas diferentes e tirado conclusões opostas.


No meu caso, o que mais me impressionou foram as carreatas de
possantes motocicletas e portentosos caminhões zero bala que ornaram a
manifestação na avenida Paulista, depois de desfilar pela cidade,
infernizando ainda mais o trânsito na região em pleno domingo. Estes
motoqueiros e caminhoneiros tornaram-se para mim os símbolos dos
rebeldes ostentação que mais uma vez saíram às ruas para pedir "Fora,
Dilma".


Segundo mais um Datafolha, a indignação com a corrupção foi a
principal motivação para os revoltosos da avenida Paulista, mas não foi
esta a impressão que eu tive. Os tiozões que estacionaram suas Harley
Davidson em frente ao Masp, por exemplo, todos devidamente prontos para a
guerra, paramentados com casacos de couro e imponentes capacetes,
chegaram babando e cuspindo fogo com palavrões dirigidos a Dilma, Lula e
ao PT.


Perdoem-me os pesquisadores, mas não vi nem ouvi nenhum deles
protestando contra outros atores políticos, nenhuma referência a Eduardo
Cunha e Renan Calheiros, investigados na operação Lava-Jato, nem aos
escândalos da sonegação bilionária na Operação Zelotes ou das contas
secretas no HSBC da Suíça, muito menos aos malfeitos tucanos em Minas
Gerais e no Metrô de São Paulo. Aliás não houve nenhum registro destes
casos mostrados em faixas e cartazes durante toda a caudalosa cobertura
televisiva nos vários pontos do país. Nenhuma surpresa: na avenida
Paulista, 83% dos entrevistados pelo Datafolha declararam-se eleitores
de Aécio.


Meu colega Mário Marona, que foi editor-chefe do "Jornal Nacional" em
seus melhores momentos, escreveu em seu blog, sob o título "A Globonews
convida: vem pra rua você também", a seguinte observação: "Todos os
repórteres chamados ao vivo repetem, como um bordão, quase sempre nos
mesmos termos: "os manifestantes defendem a democracia, pedem o
impeachment da presidente, gritam fora Dilma, fora PT e abaixo a
corrupção". Ao fundo, o "sobe-som" é sempre "Fora PT! Fora PT"!.


As motos e os caminhões ostentados em São Paulo não são para o
bico de qualquer tucano. Os orgulhosos coxinhas estavam montados em
máquinas Harley Davidson que custam no mercado de R$ 25 mil a R$ 65 mil.
Também não devem custar barato os óculos escuros da última moda de
Miami que ornaram estes rebeldes cada vez mais fashion, com seus
adereços verde-amarelo exibidos nas manifestações antigoverno. Nunca
tinha visto tanta gente com óculos escuros nem na praia ou no Jockey
Clube. Por que será?


Em compensação, quase não se via negros nem pobres nos atos
organizados por líderes que ninguém sabe de onde vieram
e cujos inflamados discursos no alto dos carros de som não chegaram a
empolgar a galera chique, mais preocupada em aparecer diante das câmeras
de televisão.


Como os líderes tucanos mais uma vez não deram as caras, é incerto o
futuro político destas manifestações, com os revoltados online obrigados
a se contentar com figuras de segundo time da renascida direita nativa,
como Paulinho da Força, Roberto Freire e Jair Bolsonaro, que havia sido
vaiado no Rio e aqui foi aplaudido, até chamado de "presidente". Quem
acha que a coisa está feia, ainda não viu nada...


Tem razão outro colega, Luiz Fernando Vianna, que constatou ao final da sua coluna desta segunda-feira na Folha:


"Se a crise se instalar com a força que se espera e os mais pobres
saírem às ruas, é possível que a turma deste domingo corra para seus
apartamentos. E chame a polícia".


E vamos que vamos.

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