Falta um 11º mandamento na lista bíblica de Dallagnol
qui, 31/12/2015 - 19:24
Há duas maneiras de ler a Lava Jato: pelas manchetes e pelas entrelinhas.
Já que as manchetes são óbvias, vamos a uma releitura através das entrelinhas do que saiu publicado nos últimos dias.
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O repórter policial da Folha, Frederico Vasconcellos, divulgou
trechos de um trabalho de Ségio Moro de 2004, sobre a Operação Mãos
Limpas, da Itália. Já havia sido divulgado e analisado no Blog há
tempos. Como é repórter policial, restringiu-se aos abusos para-legais
analisados por Moro na Mãos Limpas, e vistas por ele como
imprescindíveis para a Lava Jato. Tipo, em linguagem policial: tem que
manter o suspeito na prisão o máximo de tempo possível afim de que ele
abra o bico.
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Mais sofisticado, o colunista Mário Sérgio Conti aborda outros
ângulos do trabalho, exaustivamente discutidos no Blog. Um deles, o uso
desabusado da imprensa, através do vazamento de notícias visando
comandar a pauta.
Aborda também os aspectos geopolíticos da cooperação internacional - a
rede internacional de autoridades de vários países, montada
inicialmente para o combate à narcotráfico e ao terrorismo e, depois,
estendida para outras atividades ilícitas, sob controle estrito das
autoridades norte-americanas.
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Aqui, mostramos claramente que a cooperação internacional tornou-se
uma peça da geopolítica norte-americana, visando impedir concorrência
desleal de empresas de outros países contra as americanas.
Conti faz uma baita ginástica para a conclusão óbvia: na cooperação
internacional, os Estados Unidos entram com motivação econômica. O
óbulo: "Para os toscos, é um garrote vil do imperialismo
norte-americano". Para ele, que é sofisticado, "a corrupção beneficia as
burguesias locais, mormente (sic) de países periféricos, em detrimento
da classe dominante do Império". E justifica como um gesto de
auto-defesa dos EUA – aquele país cujas ferramentas de espionagem não
pouparam sequer presidentes de nações amigas.
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Pelo conteúdo, o artigo foi montado em cima de entrevistas com
membros da Lava Jato, que admitem o jogo. Segundo eles, "admite-se que a
motivação americana (e não apenas ela) tem boa dose de mercantilismo".
Mas, no frigir dos ovos, acreditam que seja benigna, pois "ajuda o
Brasil a resolver seus problemas".
A maneira como as corporações norte-americanas instrumentalizam suas
instituições torna o Brasil um peixe fácil. É para ajudar o Brasil a
resolver seus problemas que a Lava Jato tratou de criminalizar
financiamentos à exportação de serviços, que o MPF tenta a todo custo
envolver o BNDES e espalhar suspeitas sobre ações diplomáticas na
África.
Nem se culpe apenas juiz, procuradores e delegados. Eles apenas se
valem de forma oportunista da fragilidade institucional brasileira, da
visão rala de interesse nacional, de uma presidente politicamente inerte
e de um Ministro da Justiça abúlico para ocupar espaços. Houvesse
Ministro da Justiça e PGR, há tempos teriam sido coibidos os vazamentos
ilegais, que quase custaram a eleição da presidente.
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A manipulação da mídia ficou clara em um episódio ocorrido ontem. Nos depoimentos, qualquer menção a Lula é vazado no mesmo dia.
Ontem, o repórter Rubens Valente, da Folha - que não pertence ao
circuito mídia-Lava Jato - levantou o depoimento de um delator apontando
propinas a Aécio Neves. É de junho passado. Passou seis meses inédito.
No período da tarde, a Lava Jato tratava de vazar correndo outro
depoimento, indicando pagamento de propinas ao presidente do Senado
Renan Calheiros, a um senador da Rede, Randolfo Rodrigues.
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Todo dia o procurador Deltan Dallagnol aparece em sua campanha pelos
10 pontos a serem alterados na lei para combate à corrupção.
Se fosse uma campanha efetivamente isenta, o 11º ponto seria a
obrigação do Procurador Geral da República e do Supremo Tribunal Federal
(STF) de abrir os dados em relação a todo pedido de vista ou todo
inquérito engavetado. E de se criar formas que impeçam o uso político do
vazamento seletivo de inquéritos.
No STF, o ex-Ministro Ayres Britto engravetou por dez anos, sem
nenhuma explicação, o inquérito sobre o mensalão mineiro. Tinha que
apresentar em uma sessão, foi tomar um café no intervalo, e na volta
simplesmente deixou de falar sobre o inquérito.
Do mesmo modo, desde 2010 dorme na gaveta do PGR um inquérito contra
Aécio Neves, acusado de ter conta no paraíso fiscal de Liechtenstein em
nome de uma offshore. Como o próprio Procurador Geral observou, na
denúncia contra Eduardo Cunha, o uso de offshores visa esconder a
verdadeira identidade dos titulares da conta. E se visa esconder, é
porque o dinheiro é de procedência duvidosa.
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De fato, o país precisa ser passado a limpo. E a Lava Jato tem feito
um trabalho completo de desvendar as maracutaias de um lado. Mas esconde
e blinda os malfeitos do outro lado.
Se ataca só um lado - a ponto de deixar por um fio o mandato de uma
presidente inerte - e poupa o outro, é evidente que instrumentaliza o
combate à corrupção em favor de interesses corporativos e políticos.
Essa hipocrisia não pode perdurar muito, ainda mais em um ambiente de redes sociais.
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