domingo, 3 de janeiro de 2016

Falta um 11º mandamento na lista bíblica

Falta um 11º mandamento na lista bíblica de Dallagnol



Falta um 11º mandamento na lista bíblica de Dallagnol




Há duas maneiras de ler a Lava Jato: pelas manchetes e pelas entrelinhas.


Já que as manchetes são óbvias, vamos a uma releitura através das entrelinhas do que saiu publicado nos últimos dias.


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O repórter policial da Folha, Frederico Vasconcellos, divulgou
trechos de um trabalho de Ségio Moro de 2004, sobre a Operação Mãos
Limpas, da Itália. Já havia sido divulgado e analisado no Blog há
tempos. Como é repórter policial, restringiu-se aos abusos para-legais
analisados por Moro na Mãos Limpas, e vistas por ele como
imprescindíveis para a Lava Jato. Tipo, em linguagem policial: tem que
manter o suspeito na prisão o máximo de tempo possível afim de que ele
abra o bico.


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Mais sofisticado, o colunista Mário Sérgio Conti aborda outros
ângulos do trabalho, exaustivamente discutidos no Blog. Um deles, o uso
desabusado da imprensa, através do vazamento de notícias visando
comandar a pauta.


Aborda também os aspectos geopolíticos da cooperação internacional - a
rede internacional de autoridades de vários países, montada
inicialmente para o combate à narcotráfico e ao terrorismo e, depois,
estendida para outras atividades ilícitas, sob controle estrito das
autoridades norte-americanas.


***


Aqui, mostramos claramente que a cooperação internacional tornou-se
uma peça da geopolítica norte-americana, visando impedir concorrência
desleal de empresas de outros países contra as americanas.



Conti faz uma baita ginástica para a conclusão óbvia: na cooperação
internacional, os Estados Unidos entram com motivação econômica. O
óbulo: "Para os toscos,  é um garrote vil do imperialismo
norte-americano". Para ele, que é sofisticado, "a corrupção beneficia as
burguesias locais, mormente (sic) de países periféricos, em detrimento
da classe dominante do Império". E justifica como um gesto de
auto-defesa dos EUA – aquele país cujas ferramentas de espionagem não
pouparam sequer presidentes de nações amigas.


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Pelo conteúdo, o artigo foi montado em cima de entrevistas com
membros da Lava Jato, que admitem o jogo. Segundo eles, "admite-se que a
motivação americana (e não apenas ela) tem boa dose de mercantilismo".
Mas, no frigir dos ovos, acreditam que seja benigna, pois "ajuda o
Brasil a resolver seus problemas".


A maneira como as corporações norte-americanas instrumentalizam suas
instituições torna o Brasil um peixe fácil. É para ajudar o Brasil a
resolver seus problemas que a Lava Jato tratou de criminalizar
financiamentos à exportação de serviços, que o MPF tenta a todo custo
envolver o BNDES e espalhar suspeitas sobre ações diplomáticas na
África.


Nem se culpe apenas juiz, procuradores e delegados. Eles apenas se
valem de forma oportunista da fragilidade institucional brasileira, da
visão rala de interesse nacional, de uma presidente politicamente inerte
e de um Ministro da Justiça abúlico para ocupar espaços. Houvesse
Ministro da Justiça e PGR, há tempos teriam sido coibidos os vazamentos
ilegais, que quase custaram a eleição da presidente.


***


A manipulação da mídia ficou clara em um episódio ocorrido ontem. Nos depoimentos, qualquer menção a Lula é vazado no mesmo dia.


Ontem, o repórter Rubens Valente, da Folha - que não pertence ao
circuito mídia-Lava Jato - levantou o depoimento de um delator apontando
propinas a Aécio Neves. É de junho passado. Passou seis meses inédito.


No período da tarde, a Lava Jato tratava de vazar correndo outro
depoimento, indicando pagamento de propinas ao presidente do Senado
Renan Calheiros, a um senador da Rede, Randolfo Rodrigues.


***


Todo dia o procurador Deltan Dallagnol aparece em sua campanha pelos
10 pontos a serem alterados na lei para combate à corrupção.


Se fosse uma campanha efetivamente isenta, o 11º ponto seria a
obrigação do Procurador Geral da República e do Supremo Tribunal Federal
(STF) de abrir os dados em relação a todo pedido de vista ou todo
inquérito engavetado. E de se criar formas que impeçam o uso político do
vazamento seletivo de inquéritos.


No STF, o ex-Ministro Ayres Britto engravetou por dez anos, sem
nenhuma explicação, o inquérito sobre o mensalão mineiro. Tinha que
apresentar em uma sessão, foi tomar um café no intervalo, e na volta
simplesmente deixou de falar sobre o inquérito.


Do mesmo modo, desde 2010 dorme na gaveta do PGR um inquérito contra
Aécio Neves, acusado de ter conta no paraíso fiscal de Liechtenstein em
nome de uma offshore. Como o próprio Procurador Geral observou, na
denúncia contra Eduardo Cunha, o uso de offshores visa esconder a
verdadeira identidade dos titulares da conta. E se visa esconder, é
porque o dinheiro é de procedência duvidosa.


***


De fato, o país precisa ser passado a limpo. E a Lava Jato tem feito
um trabalho completo de desvendar as maracutaias de um lado. Mas esconde
e blinda os malfeitos do outro lado.


Se ataca só um lado - a ponto de deixar por um fio o mandato de uma
presidente inerte - e poupa o outro, é evidente que instrumentaliza o
combate à corrupção em favor de interesses corporativos e políticos.


Essa hipocrisia não pode perdurar muito, ainda mais em um ambiente de redes sociais.

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