sábado, 9 de janeiro de 2016

“Os economistas brasileiros vivem em guerra civil para falar sobre a crise”

“Os economistas brasileiros vivem em guerra civil para falar sobre a crise”: DCM entrevista Gilson Schwartz



Os economistas brasileiros vivem em guerra civil para falar sobre a crise”: DCM entrevista Gilson Schwartz







Cientista social, pesquisador e economista, Gilson Schwartz tem 55
anos e atua como consultor do BID e no curso de finanças comportamentais
da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, FIPE. Trabalhou com
Henrique Meirelles e Guido Mantega, tanto como economista-chefe quanto
como assessor.


No dia 4 de janeiro, o Banco Central da China corrigiu o iuane, sua moeda, para o menor patamar em quatro anos e meio.


O ajuste de 0,6% foi realizado no primeiro dia útil de 2016 e tornou
as exportações mais baratas para o mercado americano, enquanto a
importação de bens e produtos ficou mais cara para o consumidor chinês. A
reação imediata às correções foi uma queda abrupta de 7% nas bolsas
chinesas de Xangai e Shenzhen.


O investidor George Soros afirmou durante um evento no Sri Lanka que a
situação atual dos mercados globais tem fortes semelhanças com a crise de 2008. Para a mídia brasileira, a culpa é do governo Dilma Rousseff.


O DCM conversou com Gilson Schwartz sobre a crise.


Críticos do ex-ministro Joaquim Levy diziam que seu remédio
estava exagerado. Os defensores dele afirmaram que Mantega e os
“economistas de Campinas” corroeram o crescimento econômico brasileiro, à
la Roberto Campos. Quem estava certo?



Acho que fomos levados, com a triste contribuição de alguns colegas
economistas, a uma espécie de guerra civil de abaixo-assinados que em
nada enobrece a história do pensamento econômico brasileiro. Mas todo
mundo sabe que só o Brasil é assim.


Aqui os economistas vivem em estado permanente de guerra civil, de
Fla-Flu, pra falar sobre a crise global e da brasileira. Eles agem
talvez como palmeirenses e corintianos. Se existe um nome que me parece
notável e que deve ser mais ouvido é o do ex-tucano Bresser Pereira. Ele
nos alertou para a doença holandesa e batalha por uma visão de
convergência entre estruturalistas e conjunturalistas.


Como sempre, tem gente com razão à esquerda e à direita. Acho que até
dentro de cada um de nós. Somos mais “divíduos” que “indivíduos” na
economia.


Recentemente, as bolsas chinesas registraram queda de 7% e
viraram manchete na imprensa. A mídia brasileira não comentava a
influência exterior ou só agora ela é séria?



Fico imaginando se o Mao Tsé-Tung reencarnasse e abrisse o jornal
Financial Times de repente: Bolsa da China coloca em risco o mundo
capitalista! Acho que ele morreria pela segunda vez, mas de infarto.


O chiste, no entanto, ajuda a revelar o quanto de midiático e
especulativo há nas manchetes que associam o “fim do mundo” aos colapsos
e pânicos típicos dos comportamentos de manada de curto prazo que
imperam nos mercados de capitais globalizados. A China está testando os
limites de inserir sua economia de forma ainda mais orgânica no sistema
global, a ponto de colocar sua moeda em posição de conversibilidade e
referência no financiamento internacional.


O que está em curso é a montagem do banco que tem participação
brasileira e dos conhecidos BRICS. Curiosamente, na mesma semana em que
houve o “colapso da China”, foram anunciadas contratações milionárias de
jogadores brasileiros de futebol pelos chineses. Várias empresas
chineses e asiáticas ampliaram sua presença no Brasil entre 2015 e 2016.
Aconteceu aqui, na África e em toda parte.


Há um rearranjo de fluxos produtivos e financeiros em curso,
novamente liderado pela economia norte-americana. O Brasil e o setor
financeiro do país podem desempenhar papel importantíssimo nessa nova
ordem que se recompõe em cima da velha cleptocracia, roubalheira,
global.


As novas tensões da Coreia do Norte somadas com crise na
Síria e no mercado de petróleo tendem a estancar o crescimento mundial e
as bolsas?  E a situação do Brasil nessa?



A crise do petróleo e de toda a matriz energética, social e política
construída ao longo de décadas no mundo inteiro ilumina o palco onde se
desenrolam essas várias crises no Oriente Médio, na Ásia e na América
Latina. É de fato uma mudança ambiental, geopolítica, energética e
financeira de grande alcance.


O Brasil tem sido e continuará sendo respeitado como participante
nesse jogo global. Feita a lição de casa, continuamos com todas as
questões estruturais favoráveis anteriores à crise financeira local e
global que remonta a 2008. Mas fizemos o ajuste, e a economia
norte-americana voltou a crescer. Nossa economia é mais naturalmente
candidata, na América Latina, a receber os benefícios dessa retomada.


A crise econômica de fato se agravou com o cenário global ou
vivemos uma recuperação com um Congresso emperrado que está paralisando
os indicadores?



A essa altura do campeonato, a melhor metáfora para a crise talvez
seja o termo “buraco negro”. As causalidades múltiplas definem o cenário
como complexo, ou seja, está além do conceito tradicional de
desequilíbrio. Lá atrás, há três, quatro anos, houve a geração
keynesiana de medidas de enfrentamento da crise.


Era viável no horizonte temporal de um a três anos “pedalar” a crise e
esperar a retomada norte-americana. Quem fez esse cálculo, acertou. A
crise hoje é mais complexa, global, beira o caos em momentos de
migrações humanas inauditas e fragmentação do mundo do século 20, aquele
dominado pelo complexo militar-industrial petroleiro. Afeta o
“equilíbrio” de forças e o acesso a energia no século 21. Mas colocando o
foco na economia brasileira e indo além do fla-flu em torno do tamanho
do desequilíbrio, que é fiscal, inflacionário, financeiro e social, quem
apostou no Brasil vai ganhar muito.


O Congresso faz parte da complexidade política brasileira e global,
indissociável dos realinhamentos geopolíticos que a retomada
norte-americana já impõe ao continente latino-americano. Esse
alinhamento na guerra global contra o terrorismo, pela proteção
ambiental e dos direitos humanos está definindo novas agendas que se
sobrepõem às clássicas disputas por território, energia e tecnologia.


A principal mudança que os partidos finalmente começam a entender é
no plano das comunicações. É uma transformação global nos modelos de
atuação política e formação de consensos.


No curto prazo, descontada a gritaria ideológica, o Brasil fez a lição de casa, em condições políticas das mais adversas.


O que o senhor achou da escolha de Nelson Barbosa como titular da Fazenda no lugar de Joaquim Levy?


A nova gestão na Fazenda-Banco Central vai continuar honrando a
bíblia do ajuste fiscal e da responsabilidade monetária, porém evitando o
sacrifício das políticas de ajuste estrutural em vários setores da
economia. As condições deste ajuste dependem da evolução do quadro
internacional, que é complexo. Mas, para o Brasil, o “timing” do ajuste
draconiano afinal se revelou perfeito: a economia norte-americana vai
liderar um novo ciclo de expansão global e o Brasil é uma das mais
destacadas promessas do cenário energético, ambiental e cultural do
século 21.









Objetivamente e com os aplausos do mercado, sem necessidade de nova
“Carta aos Brasileiros”, a gestão Levy fez o trabalho politicamente
árduo de comandar a desconstrução do keynesianismo de curto prazo. O que
incomoda muita gente é a vitória do keynesianismo estruturalista, de
longo prazo, que soube alertar para o perigo da apreciação cambial e
apontar para os compromissos históricos do Estado nacional na promoção
do desenvolvimento social, econômico e tecnológico brasileiros.


O Brasil já adotou as medidas e a agenda de correção de
desequilíbrios que respeita o consenso anterior, o “status quo”. É
responsável do ponto de vista financeiro, fiscal, cambial, inflacionário
e socioambiental, ainda que o processo de correção dos desequilíbrios
tenha apenas começado.


Sem abandonar essa agenda estruturalista, é preciso respeitar a
lógica do ajuste conjunturalista, com suas perversidades e
complexidades. A questão fundamental é saber se o governo e a nova
equipe econômica fazem a ponte entre as lógicas de curto e de longo
prazo. E no caminho, o grupo faz o “mea culpa” e introduz ainda mais
melhorias na máquina pública de apoio ao desenvolvimento econômico e
social.


O mercado financeiro, citando como exemplo instituições como a
Eurásia, diz que a saída ou não saída de Dilma não mudam o quadro
econômico. Qual a sua opinião sobre isso?



Acho que, sem impeachment, a base política será rapidamente
recomposta na medida em que os sinais de que o ajuste econômico
funcionou ganhem o noticiário e, claro, impactem os milhões de
desempregados e eleitores que sofreram o bafo quente do desamparo. Uma
presidenta capaz de fazer o ajuste e manter compromissos de longo prazo
terá enorme capital político para influenciar sua própria sucessão e
entrar na história.


O agravamento da crise é o triunfo de uma visão pessimista e imediatista na economia?


Sou o primeiro a acreditar nos efeitos midiáticos e da “visão”, do
“mood” dos mercados, no funcionamento da economia. Mas não há como negar
que a radicalização dos pessimistas, que eu chamo de histéricos, teve
lá suas razões. A crise política e de segurança púbica é real. A onda
conservadora é real. A diluição do projeto nacional é evidente. Só que a
insatisfação de quem é mais informado e conectado é inédita. Os
pessimistas também são pós-modernos.


Recentemente o Bradesco comprou o HSBC por US$ 5,2 bilhões,
mais de R$ 17 bilhões. O setor bancário do Brasil está blindado na
crise?



Esses números falam da imponência do setor financeiro brasileiro, mas
também da própria economia brasileira. O setor não está blindado, mas
ele é maior que a crise, assim como a nossa economia como um todo. O
mesmo não se pode dizer das coalizões políticas em jogo.


O senhor acredita que a recessão vai se prolongar até 2017?


Em março, ao lado de Marcelo Petersen Cypriano, vamos apresentar na
FIPE nosso cenário de saída da recessão ainda em 2017. Estamos
finalizando os números e vamos abrir o modelo aos interessados. Tenho
defendido essa visão totalmente contra a corrente há pelo menos um ano.
Nós vamos demonstrar com números as razões do nosso otimismo sem
euforia.


O senhor pesquisa e faz um trabalho sobre a Iconomia,
processos econômicos de trocas que envolvem o meio digital e outras
formas de valor monetário. Como trabalha atualmente esses conceitos?



Estamos há vários anos desenvolvendo na USP modelos de educação financeira, com uso de games e tecnologias digitais. O Portal da Juventude
é uma parceria com o laboratório Cidade do Conhecimento, que teve
início em 2015. Há um foco na formação de jovens empreendedores com foco
em serviços e economia criativa, inclusive criação de games e outros
aplicativos.Num mundo onde nossa taxa de câmbio não tem viés consumista,
faz sentido investir na capacitação da juventude para atuar no mercado
digital global. É a nossa versão local de keynesianismo digital.


Você tem que separar claramente o que é informação do que é
especulação. É fato a existência da piora da crise, a subida da inflação
e o aumento do desemprego. Especula-se a projeção dos relatórios de
instituições financeiras. É bem simples e ajuda muito a reconhecer e
respeitar a dimensão afetiva do noticiário. Afinal, a realidade política
é feita de afetos, valores e interesses.

Nenhum comentário:

Postar um comentário