segunda-feira, 13 de abril de 2020

No centro do campo está mais que vencer a pandemia, mas ganhar da ignorância


No centro do campo está mais que vencer a pandemia, mas ganhar da ignorância

Defesa da ciência tem sido incapaz de derrotar o ataque do fanatismo.


Juca Kfouri

Ainda longe de terminar o jogo, é preciso reconhecer que o conhecimento está perdendo. A defesa da ciência tem sido incapaz de derrotar o ataque da ignorância e do fanatismo.
O mito insufla hordas que saem às ruas desafiando o bom senso.
Por minoria que seja, conspira contra quem segue a orientação dos técnicos, bem-sucedidos no início do embate, incapazes de evitar os ataques pela extrema-direita ensandecida diante da perspectiva de prejuízos incomparavelmente menores que a perda de vidas.

Das dela, inclusive, como se verá em futuro próximo.
Fosse o mundo mais justo e morreriam apenas os que teimam em desafiar a orientação da OMS, já rotulada por eles como cúmplice da China, o reino do mal diabolicamente empenhado em tomar o mundo.
Nem mesmo a evidência das mortes, depois do jejum que as evitaria, barra os doidos vestidos com a camisa da CBF.
Correto está o ex-presidente do Atlético Mineiro, e prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, ao dizer que são patriotas de araque, apenas egoístas é o que são.
E, por favor, não digam se tratar de alguém de esquerda.
Como o mundo é o que é, morrerão também os sensatos e aqueles obrigados a sair de casa.
O jogo mais dramático já disputado no Brasil, se seguir transcorrendo como vimos nos últimos dias de relaxamento do isolamento social, terminará com resultado que nos fará achar graça do 7 a 1.
Nem mesmo será 14 a 2, ou 28 a 4. Está mais com jeito de placar de basquete entre times desiguais, algo em torno de 56 a 8 e só no primeiro tempo.
A verdade é que deixamos o Brasil chegar ao ponto da insânia em que chegou.
A deseducação é tamanha que muitos com curso superior se caírem de quatro pastarão no asfalto, cabeças embrutecidas por todo tipo de crenças, do deus mercado, e a saúde que se dane, a outros exploradores da fé que os fazem se ajoelhar na avenida Celso Garcia como visto no dia do jejum.
Junte a isso comunicadores irresponsáveis, em busca de audiência a qualquer custo, a remar contra a maré apenas pelo gosto de se distinguir ou se beneficiar dos favores de quem está no poder.
Gente que mente, gente que omite, que naturaliza a morte por ser ela inevitável, que faz um gol contra atrás do outro em suas vidas odientas.
Triste ver tanto esforço por água abaixo diante da solidariedade de movimentos voluntários para atender os mais pobres ou dos empresários do #NãoDemita.
Pobre Brasil!
Quem escapar da pandemia terá a obrigação de responder o “onde erramos?” e mais que responder, passar a acertar.
Que bom será se, além disso, aqueles genocidas que também se salvarem, vierem a ser julgados nos tribunais internacionais pelas mortes que causaram.
Porque é possível avaliar como sã uma pessoa que veja com naturalidade o presidente da República limpar o nariz com o braço e, em seguida, dar a mão para uma senhora enlouquecida e de máscara?
Ou justificar a quadrilha que impediu a passagem de três ambulâncias na avenida Paulista no sábado de Aleluia?
Estamos perdendo o jogo mais difícil de nossas vidas.
O time de um terço do país revela sua força para horror, e arrependimento, dos que engrossaram suas fileiras certos de que as controlariam quando chegassem ao Planalto.
Estamos todos vendo o resultado e agora só nos resta lamentar.
Reagiremos? É o mínimo a fazer.
Afinal, desesperar jamais!

Juca Kfouri
Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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