sexta-feira, 17 de abril de 2020

O neoliberalismo ressuscitará


O neoliberalismo ressuscitará

 de Juan Carlos Escudier

O neoliberalismo tem sido a grande vítima do coronavírus e, seus desconsolados parentes, estão levando muito mal o luto. Eles se perguntam perplexos como é possível que, estando na flor da vida, com uma saúde de ferro forjado e com um futuro esplêndido de cortes e reformas estruturais pela frente, tenha nos deixado assim, de repente, sem sequer ter tido tempo de expor diante de um escrivão seus últimos desejos. A vida é assim de dura: hoje doutrina econômica imbatível, amanhã “estátua”. Os melhores sempre partem. Tanta paz leva, como descanso deixa.
Os seguidores do falecido estão muito abatidos porque o mundo em que eles acreditavam veio abaixo. Agora que o Estado estava encurralado e a única dúvida era saber o momento exato de sua rendição, o Leviatã ressurgiu e começou a devorar dogmas e fazer aviãozinhos de papel com a dívida e o déficit público, incentivados aliás por alguns recém convertidos que se passaram para o lado inimigo sem derramar uma única lágrima e recomendam agora gastar como se não houvesse amanhã. É o fim dos dias, o do livre mercado, dos cinturões apertados, o dos impostos baixos que fizeram tanto bem àqueles que ignoravam o que era Saúde Pública, mesmo porque para remover um grãozinh no cólon, viajaram para Houston em jato privado, e dessa austeridade redentora defendida por aqueles que em uma hora ganhavam mais do que todos os seus funcionários juntos em um mês.
O primeiro sinal do Apocalipse, as primeira trombetas, soou ao rítmo da “renda mínima vital” que o governo [nota do tradutor: calma, calma gente, não se preocupem o governo aqui é o espanhol] está se preparando para aprovar que os famintos ou, melhor dizendo, aqueles que não têm onde cair morto, desfrutem de uma pequena ração de sopão, dessas ingerida por alguns desempregados e pensionistas que, pelo simples fato de terem contribuído por quarenta anos, acreditam que tem o direito de continuar cobrando até se tornarem nonagentários sem fazer nenhum esforço. Onde foi parar aquilo que "para contratar mais deveria poder ser mais barato despedir"? O que foi feito do "trabalhar mais por menos dinheiro"? Por que caiu no esquecimento tão rapidamente aquelas estórias e lições de moral a respeito das terríveis conseqüências "de se viver acima ou além de nossas possibilidades", que tanto custou enculcar enquanto se refundava o capitalismo? Ninguém sabe que em uma sociedade moderna, mesmo com luvas e máscaras, não há lugar para tanta gente ociosa?
Vendo que era impossível combater os elementos porque a tempestade havia destruído severamente as velas da embarcação, aqueles que ainda mantêm acesa a chama neoliberal como se fosse uma tocha olímpica trataram de desqualificar a iniciativa pelo único flanco em que viam possível arranhar o muro: a divisão no Executivo sobre o momento de colocar em prática essa renda mínima. Assim vendo os apoiadores em acelerar sua aprovação se impor, isto é, Pablo Iglesias e os seus, ou, o que é o mesmo, os populistas bolivarianos, concluíram que estávamos necessariamente diante de uma medida totalitária e comunista que, para piorar, não se apóia em uma caridade temporária, mas que aspira a institucionalizar-se como um direito. Assim de perverso é esse tipo de comunismo.
Desolados como estão por causa da terrível perda, os neoliberais ainda mantêm alguma esperança na ressurreição de seus pensamentos, se não no terceiro dia, talvez no terceiro ano, mas a renda mínima os revolta. Como vamos reduzir impostos no futuro se tivermos de apoiar a atual gangue de indigentes e todos aqueles que se juntam a eles? E o que é mais grave ainda: quem se atreveria a tirar o doce da boca da criança depois que ela já o levou à boca, se não o próprio Aznar, com aquela juba sem um único cabelo grisalho, [nota do tradutor: dispensa apresentações, no Brasil não faltam Aznares e asnos ou, melho dito, o que é um Aznar para quem tem um Bolsonaro]?
Como tudo na vida tem seu inimigo e o comunismo é altamente infeccioso, existem aqueles que acreditam que a renda mínima não pode ser adiada, e que maio, como parece previsto no BOE [nota do tradutor: Boletim Oficial do Estado Espanhol, equivalente ao nosso Diário Oficial], ou na vida real em junho ou julho, fica muito longe disso, porque as geladeiras não ficam cheias como arte de magia e tendemos a ter o mau hábito de fazer uma refeição ao dia, mesmo esses bon vivans contemplativos. E embora seja costume o Ministro Escrivá descobrir na imprensa sobre certas coisas, um que teria que marcar a fogo é que não há paciência que contenha cãibras no estômago. Este não é mais um capítulo da emergência sanitária; é uma urgência vital que sempre esteve presente, apesar de olharmos para o outro lado.
É hora de apoiar rapidamente o novo Estado de Bem-Estar Social, porque não é sem sentido pensar que, quando a barra livre de gastos acabar, que acontecerá mais cedo ou mais tarde, o neoliberalismo apartará a terra que agora o cobre e fará como Lázaro procurando algo para colocar na sua boca. Ele atacará sem piedade contra tudo o que não está suficientemente cimentado, porque o dinheiro é o grande lobo mau da história que derruba as casas de palha e madeira de todos os porquinhos que sobrevivem de proteção oficial. Quando os defensores da anorexia do Estado retornarem e este for o reino daqueles que branqueiam seus capitais em paraísos fiscais, nos lamentaremos de tudo aquilo que poderiamos ter feito e não fizemos. Mãos à obra o mais rápido possível.

 https://blogs.publico.es/escudier/2020/04/17/el-neoliberalismo-resucitara/

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