sexta-feira, 10 de abril de 2020

Vírus oportunista em corpo com imunidade baixa


Bolsonaro avança como vírus oportunista em corpo com imunidade baixa

Brasil lidou com o presidente como pais cegos, encantados com o monstro que engendraram

Bernardo Carvalho

Jair Bolsonaro é um incendiário. Sempre foi, desde os tempos de quartel, quando planejava atentados a bomba. Também como o deputado inútil que foi, fazendo o elogio da tortura em plenária, impunemente.
Jair Bolsonaro não enlouqueceu de repente. Para ele, nada mudou desde seus tempos de caserna. Para nós, sim. Afinal, que aventura é essa que resolvemos experimentar, pondo nosso destino nas mãos de um homem (e de sua família) cujo ideal é o incêndio, um país sem lei, controlado pela força de milícias?
E que papel é esse que as Forças Armadas, representadas por um punhado de generais seduzidos no final da vida por uma tentação imatura, aceitaram desempenhar?

O que poderia querer além da morte um governo que trabalha abertamente, e com orgulho, contra a razão e a ciência?
Já é óbvio que o interesse de Bolsonaro pelo eventual sucesso da economia é egoísta e oportunista como o de muita gente. Ao contrário dessa gente, entretanto, para ele o sucesso da economia não é um fim, mas a garantia e a condição de poder avançar com seu projeto incendiário. Para Bolsonaro, o Brasil não pode parar, paradoxalmente, porque nada pode detê-lo em seu projeto de destruição.
Bolsonaro é um perverso de manual, uma caricatura clínica, dono de habilidade natural para pôr uns contra os outros, insuflar divisões, conflitos e polaridades. É sua matéria, seu ambiente, seu alimento. No universo de onipotência infantil onde sua personalidade e a de seus filhos se formaram, ele seria o escrotinho que chora quando precisa, para obter o que quer ou quando corre o risco de ser responsabilizado pelo que fez, e depois ri às escondidas do sucesso do próprio ardil.
Seu sucesso depende de estabelecer um raio de sedução e cegueira que lhe permita realizar seu objetivo por via desobstruída, como um vírus oportunista num organismo que não consegue reconhecer e deter sua malignidade.
O “charme” do perverso é justamente a “imaturidade”, sua ignorância do sentido de responsabilidade e de culpa. É realmente fascinante. Bolsonaro não é capaz de assumir nada, nunca. Vem daí a atração que exerce sobre quem quer levar vantagem em tudo, sem contrapartidas, sem impostos, sem Estado. A negação do real e da lei os une por oportunismo. Não pode haver maior perigo para uma nação do que um homem com tal falha de caráter no cargo de responsabilidade máxima, ocupando o posto de chefe de Estado, jogando com o destino de mais de 210 milhões de pessoas.
No final das contas a responsabilidade é nossa, brasileiros que, como um corpo com imunidade baixa, entregamos nossas vidas a uma caricatura, um caso clínico de manual.
Loucos há em qualquer lugar. Foi preciso sermos confrontados com o limite de uma ameaça de morte coletiva, uma crise provocada coincidentemente por um vírus, para que começássemos a enxergar o que sempre esteve diante dos nossos olhos, para que a negação do real passasse a nos afetar diretamente. Nosso real é a morte. Cabe a nós agir enquanto há tempo para sobreviver.
O perverso tenta converter as contrariedades a seu favor como se não existisse real. E é o que ele vai continuar tentando de todas as maneiras, mesmo diante da maior ameaça, enquanto o deixarem, enquanto permanecer no poder, por meio de manipulações e falsificações, ataques e desvios, investidas e retiradas estratégicas.
O país lidou com Bolsonaro como pais cegos, encantados com o monstro que engendraram. Bolsonaro deveria ter sido devidamente punido quando planejou, ainda no Exército, um atentado a bomba. Não foi. Deveria ter sido devidamente punido quando fez o elogio da tortura no Parlamento. Não foi. No poder, só pensa em desmontar o sistema de leis que impedem as ações do indivíduo contra o bem comum. Das multas ambientais às de trânsito, para ele é fundamental desatravancar o campo de sua guerra contra tudo o que é de todos.
Preservá-lo será um risco que o país já não pode correr. Que a maioria se oponha à renúncia de Bolsonaro é um mau sinal, mas que também aponta uma saída, pois revela o círculo vicioso e suicida no qual a perversão se aninha.
De fato, que exemplo pode dar um Estado indiferente às necessidades mais básicas da maioria? O bolsonarismo não sobreviverá a seu catalisador se o Estado e a sociedade brasileira entenderem de uma vez por todas que fazem parte de um único corpo e assumirem seus deveres em relação ao bem comum. A maturidade de uma sociedade se mede por sua capacidade de corrigir seus erros e encarar suas responsabilidades, enquanto é tempo, ao contrário do presidente.

Bernardo Carvalho

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