domingo, 28 de junho de 2015

Colunista da Folha vê “violações” e “sadismo” na Lava Jato | Esmael Morais

Colunista da Folha vê “violações” e “sadismo” na Lava Jato | Esmael Morais



O jornalista Janio de Freitas desfere duras críticas em diversos
aspectos da Operação Lava Jato em sua coluna deste domingo 28. “É
preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber
certo sadismo na Lava Jato”, conclui o colunista, que aponta
“violações” e “sadismo” na investigação comandada pelo juiz Sérgio Moro.


Para ele, “o exemplo mais perceptível e menos importante” do citado
“sadismo” são “as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana
apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada”. Entre
os políticos, diz Janio, “a hipocrisia domina”, uma vez que “são
milhares” os que recebem doações de empreiteiras e bancos. “Houve mesmo
jantares de arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos.
Ninguém na Lava Jato sabe disso?”, pergunta, em menção a FHC.


Janio critica o “jorro contínuo de vazamentos” de informações que
seriam “sigilosas” da Polícia Federal, mas ressalta que “a imprensa é
que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo
deformante vindos da Lava Jato”. O jornalista aponta ainda que ocorre,
com os “vazamentos deformantes”, o “desvio da suspeita”, como no caso do
bilhete de Marcelo Odebrecht, que teria pedido para “destruir” um
e-mail.


Abaixo, leia a íntegra do artigo de Janio de Freitas:




Jatos que mancham


É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber certo sadismo na Lava Jato


Janio de Freitas


Como inquérito “sob segredo de Justiça”, a Operação Lava Jato lembra
melhor uma agência de propaganda. Ou, em tempos da pedante expressão
“crise hídrica”, traz a memória saudosa de uma adutora sem seca.


Em princípio, os vazamentos seriam uma transgressão favorável à
opinião pública ansiosa por um sistema policial/judicial sem as
impunidades tradicionais. Mas, com o jorro contínuo dos tais vazamentos,
nos desvãos do sensacionalismo não cessam os indícios que fazem a “nova
Justiça” — a dos juízes e procuradores/promotores da nova geração — um
perigo equivalente à velha Justiça acusada de discriminação social e
inoperância judicial.


É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não
perceber um certo sadismo na Lava Jato. O exemplo mais perceptível e
menos importante: as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana
apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada.
Depois, a distribuição de insinuações e informações a partir de mera
menção por um dos inescrupulosos delatores, do tipo “Fulano recebeu
dinheiro da Odebrecht”. Era dinheiro lícito ou provou-se ser ilícito? É
certo que o recebedor sabia da origem, no caso de ilícita?


A hipocrisia domina. São milhares os políticos que receberam doações
de empreiteiras e bancos desde que, por conveniência dos candidatos e
artimanha dos doadores, esse dinheiro pôde se mover, nas eleições, sob o
nome de empresas. Nos últimos 60 anos, todos os presidentes tiveram
relações próximas com empreiteiros. Alguns destes foram comensais da
residência presidencial em diferentes mandatos. Os mesmos e outros
viajaram para participar, convidados, de homenagens arranjadas no
exterior para presidente brasileiro. Banqueiros e empreiteiros doaram
para os institutos de ex-presidentes. Houve mesmo jantares de
arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos. Ninguém na Lava
Jato sabe disso?


Mas a imprensa é que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo deformante vindos da Lava Jato.


A partir de Juscelino, e incluídos todos os generais-presidentes, só
de Itamar Franco e Jânio Quadros nunca se soube que tivessem relações
próximas com empreiteiros e banqueiros. A íntima amizade de José Sarney
foi mal e muito comentada, sem que ficasse evidenciada, porém, mais do
que a relação pessoal. Benefícios recebidos, sob a forma de trabalhos
feitos pela Andrade Gutierrez, foram para outros.


Ocorre mesmo, com os vazamentos deformantes, o deslocamento da
suspeita. Não importa, no caso, o sentido com que o presidente da
Odebrecht usou a palavra “destruir”, referindo-se a um e-mail, em
anotação lida e divulgada pela Lava Jato. O episódio foi descrito como
um bilhete que Marcelo Odebrecht escreveu com instruções para o seu
advogado, e cuja entrega “pediu a um policial” que, no entanto, ao ver a
palavra “destruir”, levou o bilhete ao grupo da Lava Jato.


Muito inteligível. Até que alguém, talvez meio distraído, ao contar o
episódio acrescentasse que Marcelo, quando entregou o bilhete e fez o
pedido ao policial, já estava fora da cela e a caminho de encontrar seu
defensor.


Então por que pediria ao policial que entregasse o bilhete a quem ele mesmo ia encontrar logo?


As partes da historinha não convivem bem. Não só entre si. Também com
a vedação à interferência na comunicação entre um acusado e seu
defensor, considerada cerceamento do pleno direito de defesa assegurado
pela Constituição.


Já objeto de providências da OAB, a apreensão de material dos
advogados de uma empreiteira, em suas salas na empresa, foi uma
transgressão à inviolabilidade legal da advocacia. Com esta explicação
da Lava Jato: só os documentos referentes ao tema da Lava Jato seriam
recolhidos, mas, dada a dificuldade de selecioná-los na própria empresa,
entre 25 mil documentos, foram apreendidos todos para coleta dos
desejados e posterior devolução dos demais.


Pior que uma, duas violações: a apreensão de documentos invioláveis,
porque seus detentores não são suspeitos de ilicitude, e o exame
violador de todos para identificar os desejados. Até documentos secretos
de natureza militar, referentes a trabalhos e negócios da Odebrecht na
área, podem estar vulneráveis.


Exemplos assim se sucedem. Em descompasso com uma banalidade:
condenar alguém em nome da legalidade e da ética pede, no mínimo,
permanentes legalidade e ética. Na “nova Justiça” como reclamado da
“velha Justiça” – Artigo de Janio de Freitas. Na Folha de S. Paulo.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Ai, meu jornalismo…Ou como destruir um e-mail em uma lição… | TIJOLAÇO | “A política, sem polêmica, é a arma das elites.”

Ai, meu jornalismo…Ou como destruir um e-mail em uma lição… 

 









Ai, meu jornalismo…Ou como destruir um e-mail em uma lição…

24 de junho de 2015 | 15:48 Autor: Fernando Brito
fogo


Maldita idade que me faz conservar certo modo cartesiano de pensar.


Daí que li a manchete do Estadão sobre o bilhete onde Marcelo Odebrecht manda “destruir o e-mail sondas”, escrito na cela da PF e xerocopiado pelos sherlocks da Polícia Federal.


Esqueça-se o que disse a defesa,
alegando que era destruir juridicamente um e-mail sobre sondas arrolado
como prova, tanto que era um item do ” pontos para o habeas corpus” (a imagem o Estadão deixa claro) e que, logo a seguir o texto explica como rebater: “lembrar que naquela época, a Sete…” etc.


Vamos ficar na questão da destruição física, mesmo.


Se o cidadão está pedindo para os advogados destruírem, das duas uma: ou o e-mail não foi apreendido, ou foi.


Se não foi, apareceria o pedido assim, sem especificação. Como os
advogados dariam, abririam a caixa de mensagens de Marcelo e
procurariam, entre milhares de e-mails, qual deles se referia a sondas.


Como sonda é um negócio de vulto, deve haver dezenas. Qual deles, o
doutor e a doutora causídica iam destruir? E será que eles não sabem
que, apreendido o computador ou através do servidor de e-mails, mesmo
que se delete algo, isso pode ser recuperado?


Isso é canja para qualquer perito em informática da Polícia, ora. E o
megaempresário e seus advogados estão carecas de saber disso. E-mail
fica armazenado no servidor, tanto que você pode abrir sua caixa de
mensagens em outro computador, na Conchinchina e estarão todos lá,
porque estavam no servidor e é só pesquisar os arquivos apagados e
reconstituir.


Mas se o e-mail foi apreendido, como destruí-lo? Quem sabe entrar um
casal de advogados, ela com roupas bem provocantes, distraem o jovem e
impetuoso agente da  lei e ele, num golpe de prestidigitador, arrancam o
e-mail do processo?


Assim, coisa de Mata-Hari, né?


Se não fosse o apagão mental que parece ter tomado conta da meganhagem, inclusive a jornalística, era só um bobagem policialesca.


Aliás, o delegado diz que “deixou passar”o bilhete para ver se o
advogado do acusado viria “acusar” o seu cliente de estar cometendo
crime de destruição de provas… Pode rir à vontade.


Ou então foi delírio de quem andou vendo demais “Missão Impossível” e
aqueles gravadores de fita que diziam “esta mensagem se autodestruirá
em cinco segundos”…


Mas é manchete e grande acontecimento jurídico.


PS. Embora fosse óbvio, só a Folha percebeu e noticia, discretamente: “Bilhete de presidente da Odebrecht revela estratégias de defesa“. Simples assim.

Enquanto a tevê aberta for uma terra de ninguém, malafaias vão se reproduzir e prosperar

Diário do Centro do Mundo » Enquanto a tevê aberta for uma terra de ninguém, malafaias vão se reproduzir e prosperar. Por Leandro Fortes



Você vai sentir vontade de vomitar, mas é preciso ver um vídeo que
está circulando pelas redes sociais, no qual o pastor Silas Malafaia, da
Assembleia de Deus, ensina seus incautos fiéis a tirar dinheiro do
aluguel e dar para ele.


É uma espécie de manual cristão do achaque, mas serve para dar a
dimensão exata do tipo de gente que está influenciando parte
considerável da sociedade brasileira, além de impor uma agenda política
retrógrada e perigosamente medieval ao Congresso Nacional.



Malafaia é uma figura lamentável, mas não teria esse despudor de ir à
televisão ludibriar multidões de ignorantes sem contar com um ambiente
favorável e algumas condições prévias.


A primeira, e mais importante delas: a leniência do governo com a programação da tevê aberta.


Em um Estado laico, a veiculação de programas religiosos por emissoras concessionárias é, por si só, um absurdo total.


As emissoras vendem malandramente esses horários como se fossem
propaganda, e muito além do limite de 25% da programação, conforme prevê
o confuso conjunto de normas do setor. A saber: Código Brasileiro de
Telecomunicações, Lei Geral de Telecomunicações e outras
regulamentações.


Ou seja, são programas que não fazem parte sequer da grade oficial
das emissoras, vendidos em um esquema de terceirização criminoso sem que
uma única autoridade do Ministério das Comunicações tenha tido coragem,
até hoje, de acabar sumariamente com essa pilantragem.


Recentemente, o jornalista Ricardo Boechat, da Rede Bandeirantes,
lavou a alma nacional ao escrachar Malafaia, a quem mandou “procurar uma
rola”, chamou de “tomador de grana” e acusou de homofóbico. Tudo isso
ao vivo, nas ondas da Band News.


Ocorre que, desde o ano passado, o Ministério Público Federal luta,
em São Paulo, para conter a sanha da Rede 21, do Grupo Band. Desde 2008,
100% do horário do canal era alugado para a Igreja Mundial do Poder de
Deus, chefiada pelo pastor Valdomiro Santiago.


A partir de 2013, a Rede 21 passou a ter 22 horas de programação da
Igreja Universal do Reino de Deus, do pastor Edir Macedo, dono de outra
emissora concessionária, a Rede Record.


O MPF acusou Paulo Saad Jafet, vice-presidente da Band, e José Carlos
Anguita, superintendente de Relações com Mercado da emissora, de violar
a legislação e fomentar “enriquecimento sem causa” com o uso de uma
concessão pública.


Em janeiro passado, o juiz federal Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara
de São Paulo, negou o pedido de suspensão do MPF. Segundo ele, a liminar
só poderia ser concedida se, antes, autoridades administrativas
responsáveis por fiscalizar as infrações apontadas se pronunciassem. Em
seguida, determinou ao Ministério das Comunicações que instaurasse
procedimento administrativo para apurar as infrações ao Código
Brasileiro de Comunicações.


Não por acaso, e dentro de uma tradição que inclui também a igreja
católica, o fundamentalismo cristão é um aliado importante da direita
liberal, no Ocidente. Forma com ela um padrão ideológico gelatinoso onde
políticos profissionais se unem a fanáticos para, no ventre de embustes
patrióticos, tentar emplacar projetos fascistas de poder.


Uma selfie feita, recentemente, durante a Marcha para Jesus, em São Paulo, é um emblema perfeito dessa miscelânea ideológica.


Na foto, amplamente divulgada nas redes, Malafaia aparece ao lado de
dois potentados da extrema direita nacional: o deputado Jair Bolsonaro
(PP-RJ), apologista da tortura e do assassinato de opositores políticos;
e o senador Magno Malta (PR-ES), que costuma comparar Lula e o PT ao
diabo.


Essa percepção tornou-se palatável na campanha presidencial de 2010.
Na época, José Serra, candidato do PSDB, transformou-se em um beato
ecumênico e botou a mulher, Monica, para disseminar a informação de que
Dilma Rousseff era a favor de “matar criancinhas”, de forma a ligar a
candidata do PT à prática de abortos.


Detalhe: antes do fim da campanha, uma ex-aluna de Monica revelou que
ela havia feito um aborto, fato jamais desmentido. Mais tarde, Serra e
Monica, sempre tão ciosos dos valores da família, se separaram.


De lá para cá, os tucanos passaram a se aliar, sem pudor algum, a
todo esgoto religioso disponível, sobretudo aqueles comandados por
lideranças pentecostais ultraconservadoras, como Malafaia, Valdemiro e o
pastor Everaldo, candidato do PSC à Presidência, nas eleições de 2014.


Foi dessa mistura de fanatismo, ignorância, leniência e
pusilanimidade que nasceu a vitoriosa candidatura de Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados.


Evangélico, Cunha é a exata simbiose desse triste momento nacional.
Nele estão presentes todos os piores elementos dessa circunstância:
fanatismo religioso, conservadorismo tacanho e fisiologismo político.


E algo me diz que as coisas ainda vão piorar antes de melhorar.

Ódio - Jornal O Globo

Ódio - Jornal O Globo



Luiz Fernando Veríssimo

Sentimento está no DNA da classe dominante brasileira, que
historicamente derruba, pelas armas se for preciso, toda ameaça ao seu
domínio, seja qual for a sigla

Não vi a entrevista do Jô
com a Dilma, mas, conhecendo o Jô, sei que ele não foi diferente do que é
no seu programa: um homem civilizado, sintonizado com seu tempo, que
tem suas convicções — muitas vezes críticas ao governo — mas respeita a
diversidade de opiniões e o direito dos outros de expressá-las. Que Jô
fez uma matéria jornalística importante e correta, não é surpresa. Como
não é surpresa, com todo esse vitríolo no ar, a reação furiosa que
causou pelo simples fato de ter sido feita.

A deterioração do
debate político no Brasil é consequência direta de um antipetismo
justificável, dado os desmandos do próprio PT no governo, e de um ódio
ao PT que ultrapassa a razão. O antipetismo decorre, em partes iguais,
da frustração sincera com as promessas irrealizadas do PT e do
oportunismo político de quem ataca o adversário enfraquecido. Já o ódio
ao PT existiria mesmo que o PT tivesse sido um grande sucesso e o Brasil
fosse hoje, depois de 12 anos de pseudossocialismo no poder, uma Suécia
tropical. O antipetismo é consequência, o ódio ao PT é inato. O
antipetismo começou com o PT, o ódio ao PT nasceu antes do PT. Está no
DNA da classe dominante brasileira, que historicamente derruba, pelas
armas se for preciso, toda ameaça ao seu domínio, seja qual for sua
sigla.

É inútil tentar debater com o ódio exemplificado pela
reação à entrevista do Jô e argumentar que, em alguns aspectos, o PT
justificou-se no poder. Distribuiu renda, tirou gente da miséria e
diminuiu um pouco a desigualdade social — feito que, pelo menos pra mim,
entra como crédito na contabilidade moral de qualquer governo. O
argumento seria inútil porque são justamente estas conquistas que
revoltam o conservadorismo raivoso, para o qual “justiça social” virou
uma senha do inimigo.

Tudo isto é lamentável mas irrelevante, já
que o próprio Lula parece ter desesperado do PT. Se é verdade que o PT
morreu, uma tarefa para investigadores do futuro será descobrir se foi
suicídio ou assassinato. Ele se embrenhou nas suas próprias contradições
e nunca mais foi visto ou pensou que poderia ser a primeira alternativa
bem-sucedida ao domínio dos donos do poder e acordou um dia com um tiro
na testa?

De qualquer maneira, será uma história triste.

Ódio - Jornal O Globo

Ódio - Jornal O Globo



Luiz Fernando Veríssimo

Sentimento está no DNA da classe dominante brasileira, que
historicamente derruba, pelas armas se for preciso, toda ameaça ao seu
domínio, seja qual for a sigla

Não vi a entrevista do Jô
com a Dilma, mas, conhecendo o Jô, sei que ele não foi diferente do que é
no seu programa: um homem civilizado, sintonizado com seu tempo, que
tem suas convicções — muitas vezes críticas ao governo — mas respeita a
diversidade de opiniões e o direito dos outros de expressá-las. Que Jô
fez uma matéria jornalística importante e correta, não é surpresa. Como
não é surpresa, com todo esse vitríolo no ar, a reação furiosa que
causou pelo simples fato de ter sido feita.

A deterioração do
debate político no Brasil é consequência direta de um antipetismo
justificável, dado os desmandos do próprio PT no governo, e de um ódio
ao PT que ultrapassa a razão. O antipetismo decorre, em partes iguais,
da frustração sincera com as promessas irrealizadas do PT e do
oportunismo político de quem ataca o adversário enfraquecido. Já o ódio
ao PT existiria mesmo que o PT tivesse sido um grande sucesso e o Brasil
fosse hoje, depois de 12 anos de pseudossocialismo no poder, uma Suécia
tropical. O antipetismo é consequência, o ódio ao PT é inato. O
antipetismo começou com o PT, o ódio ao PT nasceu antes do PT. Está no
DNA da classe dominante brasileira, que historicamente derruba, pelas
armas se for preciso, toda ameaça ao seu domínio, seja qual for sua
sigla.

É inútil tentar debater com o ódio exemplificado pela
reação à entrevista do Jô e argumentar que, em alguns aspectos, o PT
justificou-se no poder. Distribuiu renda, tirou gente da miséria e
diminuiu um pouco a desigualdade social — feito que, pelo menos pra mim,
entra como crédito na contabilidade moral de qualquer governo. O
argumento seria inútil porque são justamente estas conquistas que
revoltam o conservadorismo raivoso, para o qual “justiça social” virou
uma senha do inimigo.

Tudo isto é lamentável mas irrelevante, já
que o próprio Lula parece ter desesperado do PT. Se é verdade que o PT
morreu, uma tarefa para investigadores do futuro será descobrir se foi
suicídio ou assassinato. Ele se embrenhou nas suas próprias contradições
e nunca mais foi visto ou pensou que poderia ser a primeira alternativa
bem-sucedida ao domínio dos donos do poder e acordou um dia com um tiro
na testa?

De qualquer maneira, será uma história triste.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Um dos dois está mentindo | Paulo Moreira Leite

Um dos dois está mentindo | Paulo Moreira Leite



A acareação entre o doleiro Alberto Yousseff e o
ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa terminou num conflito
inconciliável de versões, levando a uma conclusão óbvia: um dos dois
está mentindo.
Ocorreu aquela situação na qual, com o perdão do vocabulário, mas
apenas em respeito às palavras originais de um procurador que alertou
para o risco que uma acareação representar. Lembrou o que costuma
acontecer quando se mexe em “bosta seca….” Você pode imaginar, certo?


É razoável perguntar o que acontece daqui para a frente.

Foi a partir da delação premiada dos dois que o Ministério Público
construiu a denuncia da Lava Jato, emparedou Lula, esvaziou o governo
Dilma e criou um ambiente de terror nos meios políticos e na economia.


A base da delação premiada reside na confiança absoluta do delator
que, obviamente, não pode mentir. Também não pode fantasiar fatos, nem
permitir-se um exercício que os psicanalistas chamam de fabulação. A
simples delação premiada de Alberto Yousseff já era colocada em dúvida
antes disso. Está provado que ele mentiu em outra investigação, sobre o
Banestado. Por esse motivo, o juiz aposentado Gilson Dipp, um dos
maiores especialistas no assunto já questionou seu depoimento, em
parecer enviado ao Supremo.


Sabemos agora que Costa e Yousseff não lembram dos mesmos fatos
quando falam de uma possível entrega de R$ 2 milhões para a campanha de
Dilma, num pagamento que teria Antonio Palocci como intermediários.
Sabemos também que enxergaram coisas diferentes quando se referem a um
pagamento para Roseana Sarney.

Do que mais não irão lembrar-se daqui para a frente? Do que mais irão esquecer?


Vamos contratar psicólogos a quem se atribui o poder de reavivar a memória de crianças traumatizadas?


Embora a delação premiada seja aceita em várias partes do mundo, o
método empregado nas investigação da Lava Jato não é garantia de um
esforço para se obter a verdade. Numa forma óbvia de coerção, os
acusados enfrentaram longos períodos de prisão preventiva antes de serem
convencidos a falar.


Por isso, é sempre bom repetir aqui os ensinamentos da Suprema Corte
dos Estados Unidos, em 1966, quando estabeleceu regras para garantir que
um acusado tivesse o direito de não ser induzido, pela polícia, a
confessar um crime. Veja só. Não se falava de delação. A preocupação era
impedir impedir que o sujeito seja levado a se auto-acusar. Imagine as
cautelas necessárias para impedir que ele acuse outra pessoa — um
exercício menos doloroso, vamos combinar, ainda mais quando pode trazer
vantagens a quem acusa. Diz que a resolução:


“Concluímos que, sem salvaguardas próprias, o interrogatório sob
custódia de pessoas suspeitas ou acusadas de crime contém pressões que
operam para minar a vontade individual de resistir para que não seja
compelido a falar quando não o faria em outra circunstância. Para
combater essas pressões e permitir uma oportunidade ampla do exercício
do privilégio contra a autoincriminação, o acusado deve ser
adequadamente informado de seus direitos e o exercício desses direitos
deve ser completamente honrado.”


Preste atenção o princípio: a delação tem valor quando é voluntária,
livre de ” pressões que operam para minar a vontade individual de
resistir.”


Quem se der ao trabalho de conhecer uma teoria chamada Dilema do
Prisioneiro, irá entender o que digo. A base se encontra na internet mas
é possível fazer um resumo. Estudiosos das técnicas de interrogatório
compreenderam que é possível manipular membros de uma mesma quadrilha,
já aprisionados, jogando uns contra os outros, quebrando a confiança que
possa existir entre eles e convencendo todos a falar mais do que
gostariam. A experiencia ensina que a teoria funciona.


Mas, como tudo que envolve pontos sensíveis da alma humana, produz
depoimentos longos, detalhadas mas que nem de longe são garantia de
verdade. Essa é a questão.


Ouvi, há quinze anos, o depoimento reservado de um engenheiro que
dizia ter testemunhado o funcionamento de um milionário esquema de
superfaturamento de obras e lavagem de dinheiro na gestão de Paulo Maluf
na prefeitura de São Paulo. O assunto virou manchete por meses. Na hora
de depor a Justiça, quando suas palavras teriam o poder de inocentar ou
condenar, ele voltou atrás, disse que havia se enganado e o caso foi
encerrado.

O escândalo de delação premiada contra o governo de José Roberto Arruda,
do Distrito Federal, baseava-se na delação premiada de um secretário de
Estado. Instruído pelo Ministério Público, ele gravou vídeos que
continham diálogos e imagens nas quais entregava-se dinheiro para
parlamentares, secretários — e o próprio governador. O problema é que os
vídeos eram editados, não era possível verificar quando a gravação
havia começado e quando havia terminado — o que alimentava a suspeita de
montagem. As provas foram anuladas.


Uma delação é sempre um depoimento complicado. Isso porque ela é
motivada pelo interesse de uma pessoa acusada em livrar-se, de qualquer
maneira, de uma acusação. A palavra do co-réu é sempre colocada em
dúvida, aprende-se nos cursinhos preparatórios de uma faculdade de
Direito.

Quando falamos de delação premiada, estamos acrescentando uma
complicação a mais: a pessoa negocia cada palavra, cada frase, em troca
de um benefício. O acerto é consciente, escancarado. De certa forma, é
um negócio.

Uma mentira — ou duas, para ser mais preciso — é tão preocupante que os
advogados dos réus anunciam para breve uma reconciliação de versões.
Isso quer dizer que teremos, em breve, a versão premiada?

domingo, 21 de junho de 2015

Falta governo e falta oposição no país | GGN

Falta governo e falta oposição no país | GGN



O que garante a governabilidade não são apenas as prerrogativas
institucionais da presidência, mas a existência de um conjunto coerente
de ideias




Tem-se uma quadra complicada na vida do país.


O governo Dilma acabou. Pode ser que renasça mais à frente. Mas, no
momento atual, não há comprovação de que os sinais vitais estejam
preservados.


Com o esfacelamento do centro de poder, o país tornou-se um salve-se
quem puder. Ritos, procedimentos, processos deixam de ser observados, a
própria racionalidade é colocada de lado, provocando a ascensão de
pequenos tiranetes invadindo todos os poros da vida nacional.


As relações sociais são atropeladas por bandos de trogloditas saindo do baú da inquisição e invadindo as ruas e as instituições.


***


Na Câmara Federal, o presidente Eduardo Cunha passou a atropelar os
ritos e a impor sua vontade pessoal e a do baixíssimo clero da casa.


No STF (Supremo Tribunal Federal), o Ministro Gilmar Mendes se vale
desde o uso da gaveta até procedimentos, que em outras quadras da
história, seriam considerados escandalosos: como obter,  para eventos do
IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), de sua propriedade,
patrocínios de empresas com extensas demandas no Supremo.


Um procurador lotado no TCU (Tribunal de Contas da União), militante
de passeatas pró-impeachment, se vê no direito de opinar sobre a
viabilidade de empresas-chave na política industrial do pré-sal.


A imprensa ajuda a demolir os financiamentos de serviços do BNDES
(Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) duramente
construídos nos governos FHC e Lula.


Em Curitiba, um juiz de primeira instância, procuradores e delegados,
distribuem prisões preventivas sem a menor preocupação de legitimá-las.


No Banco Central, um grupo de burocratas define a seu talante o nível
das taxas de juros da economia, cria um cenário claramente
insustentável para a dívida pública, sem que ninguém se interponha no
seu caminho.


***


O que garante a governabilidade não são apenas as prerrogativas
institucionais da presidência da República, mas a existência de um
conjunto coerente de ideias, não só econômicas, mas legitimadoras,
capazes de juntar setores dos mais diversos em torno da ideia de nação.


A presidência já não consegue mais estruturar nenhum discurso.


***


A segunda âncora deveriam ser os partidos políticos. Mas também não existem programaticamente.


O vácuo de poder e de propostas seria a oportunidade da oposição
apresentar-se como verdadeira alternativa de poder. Mas consegue ser
ainda pior e menos séria do que a situação que combate.


Hoje em dia, o jogo político consiste na fabricação diuturna de factoides para aparecer na mídia.


O jogo de cena armado por Aécio Neves e troupe na visita à Venezuela
seria um episódio vergonhoso em qualquer circunstância, uma mera
molecagem de praia, não tivesse sido protagonizado por um candidato à
presidência da República e por senadores da República.


Transformam um problema de trânsito – registrado inclusive por
jornais de oposição na Venezuela - e meras manifestações de rua em
incidente diplomático. E ainda conseguem a solidariedade do líder do PT
na Câmara. O outro candidato oposicionista, José Serra, aproveita o
vácuo de poder para parcerias de negócio com o presidente do Senado
Renan Calheiros.


É uma quadra vergonhosa da história, uma comprovação trágica de que
falta governo e falta oposição ao país tornam absolutamente incerto a
saída política da crise.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

O Eterno Petralha (por Ayrton Centeno) - Sul 21

O Eterno Petralha (por Ayrton Centeno) - Sul 21



O Eterno Petralha (por Ayrton Centeno)






Há uma praga que ameaça o Brasil. Chama-se petralha. “O petralha é o
demônio por trás da corrupção”, advertiu um grande homem. Petralhas,
como os seus amigos nordestinos ou os sem terras e os sem teto, não
gostam de trabalhar. Não se trata de fraqueza. É para atrair piedade.
Parecem mas não são pobres. São uma raça de parasitas. Petralhas e
outros vagabundos são os perpétuos parasitas. Assim como os ratos.


Uma pesquisa recente indica que petralhas e seus aliados são
responsáveis pela existência de 34% dos pedintes, de 47% dos roubos, de
47% dos jogos de azar e de 82% das organizações criminosas em ação.
Petralhas são adeptos do comunismo, doutrina de destruição de nações e
da luta de classes, que brota de mentes como as de Karl Marx e de Rosa
Luxemburgo.


Petralhas e seus iguais não querem nada com o trabalho. Deixam para
os brasileiros. Tem um objetivo comum: explorar o país. Enquanto nós
brasileiros empobrecemos, os petralhas enriquecem através de fraude,
trapaça e usura.


São ladrões que roubaram milhões e milhões do país. Atacam em todas
as frentes. Na cultura, promovem uma arte anormal, grotesca e perversa
com exaltações à pornografia e à homossexualidade. Mas críticos de arte
petralhas as enaltecem como “elevadas expressões artísticas”.


Atrás de tudo está a doutrinação petralha. Seus líderes são, acima de
tudo, educadores políticos. A carta de princípios petralha encerra
cinco mandamentos: 1) amai-vos uns aos outros; 2) amai o roubo; 3) amai o
excesso; 4) odeie seu patrão; 5) nunca diga a verdade.


E assim tem sido. Mas este modo de pensar petralha está chegando ao fim. E não mais poluirá nossa nação.

Se o bravo leitor resistiu até aqui, mesmo ansiando por um engov,
prepare-se: vai ficar pior. Porque o que se assemelha a um surto não é
um surto, o que parece delírio não é delírio. E aquilo que aparenta ser
apenas ficção ruim não é ficção ruim. É realidade ruim. De muito tempo
atrás e, como se verá, de agora.


Substitua petralha e seus iguais por judeu, brasileiros por alemães,
Brasil por Alemanha, grande homem por Richard Wagner, carta de
princípios petralha por Canaã e você terá uma súmula da narração em off daquele que foi considerado “o filme mais imundo jamais feito”: O Eterno Judeu, de Fritz Hippler.


Seguindo as diretrizes de Joseph Goebbels, ministro da cultura e
propaganda do Terceiro Reich, Hippler filmou o gueto de Lodz, na Polônia
ocupada onde, atrás do arame farpado, o regime confinara 160 mil
pessoas. Construiu uma ópera de ódio.


Na montagem, alternam-se cenas de judeus e de ratos. Ambos sujos,
detestáveis, ameaças. Subjacentemente, induz-se a necessidade de serem
dizimados. O fato de ser um documentário, com gente das ruas e não de
atores, robustece a noção de veracidade embutida naquilo que descreve.
Em tese, desvela o real, aquilo que o olhar do espectador captaria se
estivesse em Lodz. Essa a ideia. Persuadir que algo tão desprezível não
merece subsistir. Apronta-se a opinião pública para a solução final.


A analogia entre o inimigo engendrado e as moscas e roedores também é um presságio do modo de operação dos vernichtungslagers,
os campos de extermínio. Pestes, os judeus seriam erradicados através
de um pesticida, o Zyklon B, que paralisa o sistema respiratório. O
Eterno Judeu chegou às telas em 1940. Em setembro de 1941, o Zyklon B
estreou em Auschwitz.


Quem vê Der Ewige Judeestá no You Tube
– percebe a assombrosa afinidade entre sua escrotidão e a matéria fecal
transbordante das caixas de comentários e nas redes sociais. Mas, ojo, o narrador insinua mas não explicita a opção pelo genocídio. Ou seja, a ferocidade está aquém daquela ostentada na internet em 2015. Não duvide disso.


“Tem que começar a exterminar essa raça”, preconizou o internauta
Carlos Zanelatto ao saber que o ex-presidente do PT, José Genoíno,
poderia cumprir sua pena em prisão domiciliar. “A solução é começar a
matar”, concordou outro, identificando-se com o número 010190. “Eu quero
a cabeça dele. Pago em dólar”, bravateou Maurício P. Se a sensibilidade
feminina faltava ao debate, Márcia TDB supriu a carência: “Dá nojo
olhar pra esse safado. Morre camundongo da caatinga”.


Ante a observação de que “o porco sujo” deveria ter sido largado no
mato “para ser comido vivo pelas onças”, um tal Denys divergiu: “Culpa
foi não ter matado a Dilma”. TSilva111 discordou do discordante: “Culpa
disso são (sic) os militares. Deveriam ter acabado com toda essa raça de
bandidos na ditadura militar”. Fernando Amorim também xingou os
milicos: “Porque diabos não mataram esses vermes na época da ditadura?”


É mole? Não, mas tem mais.


Avisando que seu recado era “sangrento”, João Neto informou que teria
“o prazer de fuzilar qualquer petista”. Para ele, “nada irá mudar
enquanto não começarmos a invadir as casas desses bandidos e pendurá-los
pelo pescoço em praça pública…” Hemer Rivera foi logo buscar a faca e a
corda: “Sou a favor disso, pendurar nos postes sem cabeça sangrando e
deixar amanhecer para que todos vejam que político corrupto, merece ser
decapitado”.


Bastou o ex-ministro José Dirceu sofrer um princípio de AVC, para uma
internauta postar no Facebook: “Estamos juntos AVC. Não mata não, por
favor, só deixa ele vegetativo, cagando na cama.” Recebeu 844 curtidas.
Quando soube que Lula sofria de um tumor na laringe, um cidadão
penalizou-se: “Tenho dó do câncer ter que comer carniça petralha”. Outro
sugeriu apelar aos EUA “para assassinar Lula e Maduro”. Alguém gritou
“Sou a favor. Amém” mas um terceiro propôs um caminho mais direto:
“Porque não matamos esse filho da puta do Lula?”


E o que viria depois que “a vaca comunista”, “a puta da Dilma”, o
“filho da puta do Lula”, os “vermes”, os “porcos”, a “escória”, a
“raça”, a “sujeira”, os “vagabundos”, o “lixo” e – claro – os “ratos”
fossem extirpados da face da Terra?


Um certo Rogério Bento rabiscou o novo programa de governo, com
direito à “trinta anos de regime militar direitista”, mais “educação
cristã”, “estado de sítio”, “pena de morte” e “criminalização do aborto,
das ideologias esquerdistas, ateístas, gayzistas e dos direitos dos
bandidos”.


Será que o nazista Hippler a serviço do nazista Goebbels insertaria
tais falas no filme nazista de ambos? Difícil acreditar. Mesmo os
nazistas tem limites. Formais, ao menos.


Sob Hitler, o patrocínio do ódio era oficial, bancado por um estado totalitário. Aqui, os haters
são opositores da democracia sob uma democracia. Escancaram as bocarras
para rugir sua ferocidade. Diferentemente de 1933 – e de 1964 — são
leões desdentados.


Na Alemanha, o fascismo se serviu do governo. Que alimentou, pela
propaganda, o horror aos judeus, eslavos, ciganos, comunistas,
homossexuais. No Brasil, ao reverso, o governo é o inimigo a ser
devorado. Na Alemanha, a escalada de Hitler à chancelaria do Reich foi
atapetada pelos jornais de Alfred Hugenberg, o grande magnata da mídia.
No Brasil, o governo vive sob estado de sítio midiático há 12 anos. Onde
velhas vozes, dia após dia, tangem seu alaúde para lastimar a teimosia
petralha em continuar existindo.


São, portanto, situações distintas. O que não muda, salvo alguma cor
local, é o fascismo. Seu ingrediente básico é a frustração. Sova-se esta
massa, umedecendo-a com algumas colheradas de ignorância e um copo
cheio de cólera para fermentar. Deixa-se crescer. Quando as três partes
estão bem misturadas, acrescentam-se porções generosas de
irracionalismo, machismo, xenofobia, homofobia e intolerância e leva-se
ao fogo alto. Na cobertura, um tanto de negação do outro, suspeição da
cultura e força bruta.


Sociedades que engolem a gororoba nefasta desembocam, no seu extremo, nos vernichtungslagers.
Outras vezes, na maioria, no borbulhar de uma ira estéril porém
daninha. Temerosas da ascenção das camadas subalternas, as classes
médias são bastante permeáveis ao cardápio. Na expressão de Umberto Eco,
elas representam “o auditório do discurso fascistizante”. Mas, aqui,
quem as nutre? Quem segrega o rancor espesso que se funde, engrossa e
expande como uma nuvem tóxica? Quem ceva a escuridão?


Há uma resposta bem conhecida. Por ironia, de um judeu. O fato de não
ser nova não significa que não deva ser apreciada. “Com o tempo, uma
imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público
tão vil como ela mesma”, pressagiou o jornalista e judeu húngaro Joseph
Pulitzer. Diga que o velho Pulitzer não tem razão.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

O golpe do Facebook — CartaCapital

O golpe do Facebook — CartaCapital



O golpe do Facebook


por Antonio Luiz M. C. Costa



publicado
12/05/2015 05h50

A empresa de Zuckerberg tenta criar um monopólio mundial da comunicação, informação e jornalismo


Um aspecto peculiar
da Cúpula das Américas no Panamá, dias 10 e 11 de abril, foi o papel do
presidente do Facebook, Mark Zuckerberg. O jovem executivo (30 anos)
circulou pela reunião dos chefes de Estado como se fosse mais um deles
ou pelo menos como um presidente do Banco Mundial, não como mais um
participante do fórum empresarial paralelo. Chegou a invadir, por
engano, uma reunião entre os presidentes do Panamá e República
Dominicana. 
Vários líderes, inclusive a brasileira
Dilma Rousseff, o mexicano Peña Nieto, a argentina Cristina Kirchner, o
peruano Ollanta Humala e o panamenho Juan Carlos Varela se fizeram
fotografar ao lado
do executivo e com certeza julgaram isso positivo
para a própria imagem. A oferta de “internet gratuita” do Facebook a
países latino-americanos, a começar por Colômbia, Guatemala e Panamá,
três dos governos mais conservadores do continente, recebeu quase tanta
cobertura quanto a reconciliação entre Washington e Havana. Alguns se
compraziam em considerá-lo representante de uma “nação” de 1,4 bilhão de
usuários, maior que a China.
Aparentemente, a aura “libertária”, “democrática” e
“revolucionária” da internet foi pouco abalada pelas revelações de
Edward Snowden e Julian Assange. A NSA e suas similares, ou “o governo”,
foram responsabilizadas por tudo de negativo ou duvidoso e as grandes
empresas do Vale do Silício posaram como vestais escandalizadas, como se
seu papel na operação não fosse essencial e consciente e seu uso
político um subproduto inevitável. O ciberespaço continua a ser visto
pelos usuários como um playground barato e inofensivo e seus
empreendedores como gênios simpáticos e filantrópicos.
Seria mais sábio vê-lo como a versão atualizada da Terra
dos Brinquedos do Pinóquio, de Carlo Collodi (ou a Ilha dos Prazeres da
versão Disney), para onde crianças ansiosas para escapar do trabalho e
dos estudos são levadas para uma sucessão de diversões gratuitas e
inesgotáveis, mas ao cabo de algum tempo se
veem transformados em
burros e nessa forma postos a trabalhar por supostos benfeitores
revelados como exploradores inescrupulosos.
O mundo estará mais maduro quando as
ofertas, propostas e produtos de um Facebook, um Google, uma Apple ou
uma Microsoft forem recebidas com o mesmo ceticismo saudável com que o
público encara a publicidade institucional da Standard Oil ou do Goldman
Sachs. Quando esse dia chegar, porém, provavelmente será tarde demais e
o Vale do Silício terá controlado corações e mentes de forma mais
completa do que Wall Street e Hollywood jamais sonharam.
Como explica o especialista Evgeny Morozov no jornal britânico Guardian,
o Facebook não é uma instituição de caridade. Está interessado em
“inclusão digital” tanto quanto agiotas em “inclusão financeira”. O
projeto internet.org fornece conexão “gratuita” por celular aos pobres
da América Latina, África e Sudeste Asiático, mas apenas ao Facebook e
pouca coisa mais (como a Wikipedia). Muitos dos que se tornaram usuários
da internet nos últimos anos têm a impressão de que ela é a rede de
Zuckerberg, mas para esses isso será estritamente verdade.
Isso é difícil de conciliar com o marco civil da
internet que o governo brasileiro tanto se empenhou para aprovar em
2014. Para cobrar de Zuckerberg pelo acesso ao Facebook, as operadoras
têm de acompanhar a navegação e guardar os dados de acesso, o que é
proibido. Dar-lhe prioridade de tráfego viola a neutralidade da rede. O
próprio princípio de fornecer conexão gratuita a determinados sites e
cobrar pelo restante é de legalidade duvidosa. Se a regulamentação
autorizar essa prática, pode esvaziar a lei de qualquer sentido.
Lembra a política da Microsoft de
oferecer softwares gratuitos ou muito mais baratos a escolas, estudantes
e serviços públicos para aprisionar usuários em seu sistema, a ponto de
não cogitarem outro quando se tornassem consumidores ou empreendedores.
Mas é muito mais. Além de condicionar a maneira de navegar na internet,
o Facebook lucrará ao dispor dos dados pessoais e coletivos sobre esses
usuários para vendê-los a empresas ou disponibilizá-los ao Estado e
monopolizar a atenção desse público melhor que qualquer rede de TV. 
Como sabe quem já usou o Facebook, este
tem a política de criar dependência para depois cobrar cada vez mais
caro pela interação. Empresas e celebridades que chegaram a criar um
público considerável na rede de repente descobriram que teriam de pagar
para que seus “amigos” continuassem a ver suas mensagens. 
Ao mesmo tempo, a rede impõe regras arbitrárias. Uma delas é o veto
a pseudônimos e duplas identidades. Zuckerberg alega ser tal prática
“falta de integridade”, mas a verdadeira questão é garantir a real
identidade dos usuários para que as informações sobre eles tenham maior
valor. Assim como um pseudônimo pode ajudar a escapar da perseguição de
um regime autoritário, permitiria driblar a curiosidade de um empregador
ou seguradora sobre opiniões políticas, relações afetivas, consultas,
exames, compras e percursos nas horas de lazer. Ou, quando bugigangas
como o Apple Watch forem comuns, acompanhar seus batimentos cardíacos,
pressão e dieta. Nunca as pessoas foram tão transparentes para governos e
empresas – e, ao mesmo tempo, nunca essas instituições foram tão opacas
para o público.
Os critérios de “moralidade” da rede,
aparentemente arbitrários, seguem uma lógica igualmente comercial. Sua
censura é conhecida por ignorar cenas de violência extrema, ameaças de
morte e racismo explícito enquanto chega a extremos ridículos de
moralismo como os de bloquear a foto histórica de uma indígena na página
do Ministério da Cultura e uma reprodução de A Origem do Mundo,
de Gustave Courbet, por um professor de arte. Não se trata de seguir
qualquer ética coerente, mas de criar um ambiente no qual uma classe
média puritana se sinta à vontade para navegar e empresários para
anunciar.
As leis dão ao Facebook, como entidade
privada, o privilégio de proibir conteúdos como bem entender. O problema
é quando o monopólio prático do acesso a um meio de comunicação cada
vez mais indispensável, principalmente se apoiado por convênios com
governos nacionais, proporciona o controle de fato do espaço público. É
como entregar a uma empresa privada a gestão de todas as ruas, praças,
praias e parques e fazer da cidade um shopping à mercê das normas de
comportamento dos proprietários, sem possibilidade de recurso à Justiça.
A ambição da rede é acostumar os usuários a recorrer
a Zuckerberg para tudo e hospedar dentro de seus limites todo tipo de
negócios. Quem quiser levar espetáculos, notícias, publicidade,
educação, serviços ou vendas às massas terá de se entender com ele e
aceitar suas condições.
No tocante à mídia e ao jornalismo, o plano é levar
algumas das maiores empresas a se hospedar dentro da rede social.
Espera-se que os primeiros a aceitar a proposta incluam The New York Times, BuzzFeed e National Geographic, talvez também The Times,
Quartz e Huffington Post. Em troca de administrar sua própria
publicidade e informações sobre leitores e espectadores, esses veículos
dividiriam receita (e talvez dados) com Zuckerberg, que administraria
sua publicidade. Mesmo em 2014, antes da concretização desses acordos ou
dos planos de “internet gratuita”, o Facebook se tornou a principal
fonte de notícias para uma fatia assustadora do público: 67% no Brasil,
57% na Itália, 50% na Espanha, 37% nos EUA.
Acreditar que isso não afetará os
conteúdos é mera ilusão. Esses veículos teriam marca e identidade
diluídas e teriam de se sujeitar à cultura e prioridades do Facebook,
explicitadas por Zuckerberg a um jornalista que o questionou sobre os
critérios dos algoritmos que decidem as notícias exibidas a cada
usuário: “Um esquilo no seu jardim pode ser mais relevante para seus
interesses atuais do que gente morrendo na África”. O público não quer
ouvir sobre problemas alheios e sim de seus gostos e decisões
cotidianas. Textos longos, principalmente se exigem algum esforço ou
causam algum desconforto ao leitor, são menos úteis do que fofocas de
celebridades, informações superficiais e engraçadas, fotos de gatinhos,
dicas de consumo e problemas do cotidiano. Mais Beyoncé e menos Boko
Haram.
Dada a possibilidade de definir o perfil individual
do usuário, pode selecionar o tipo de notícia e informação conforme suas
crenças e preferências. O Facebook é muito bom nisso. Testes mostraram
que com analisar 70 “curtidas” na rede se pode conhecer o perfil de uma
pessoa melhor que um amigo ou colega de quarto, com 150, melhor que um
pai ou irmão e, com 300, quase tão bem quanto um marido ou esposa. Não
só ele, como certeza: no Google, os interesses indicados por buscas
anteriores decidirão se ao buscar por “Egito” o internauta encontrará
informações turísticas, oportunidades de negócio, biografias de faraós
ou detalhes sobre as últimas arbitrariedades da ditadura militar.
De certa forma, isso acontece com a mídia
tradicional. Ao escolher uma revista e não outra, o leitor escolhe uma
abordagem, um ponto de vista e uma temática. Mas isso envolve certo grau
de escolha consciente e nada impede que, vez por outra, experimente
outra publicação. Na rede, é a notícia que escolhe por quem será lida, e
uma vez que o perfil do usuário se defina, suas oportunidades de
escolha são, na prática, reduzidas. Depende apenas de Zuckerberg decidir
se é mais lucrativo manter cada um em sua zona de conforto ou
influenciar sutilmente suas opiniões na direção mais conveniente aos
interesses dos controladores da rede. Nenhum ser capaz de refletir
deveria estar disposto a reforçar seu monopólio e lhe dar ainda mais
poder. Confiar numa empresa como essa para prestar um serviço essencial é
tão sensato quanto entregar a gestão do Banco Central ao Goldman Sachs,
a Petrobras à Exxon ou a polícia e Justiça a uma empresa de
mercenários.  

domingo, 17 de maio de 2015

Brasil vai voltar a crescer e panelaços irão acabar,

Brasil vai voltar a crescer e panelaços irão acabar, diz Chico de Oliveira - 17/05/2015 - Poder - Folha de S.Paulo



 (...)




E a questão da corrupção envolvendo empreiteiras?

Há tempos, quando todo mundo se desesperava com isso, Ignácio Rangel
(1914-1994), que era realista e cético, dizia: "A corrupção é o creme do
capitalismo. Não se desesperem, isso é sinal de que o capitalismo está
se expandindo". É isso: tudo é corrupto no capitalismo.

A imprensa apoia Dilma

A imprensa apoia Dilma | Observatório da Imprensa –



A imprensa apoia Dilma

Por Luciano Martins Costa em 15/05/2015 | 0 comentários
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 15/5/2015

A sexta-feira (15/5) marca um ponto de inflexão no noticiário
político, no qual se pode perceber que há uma mudança na narrativa da
imprensa sobre os efeitos da disputa entre o Executivo e o Congresso
Nacional. Também é possível que se trate de uma reversão na parábola
desenhada pelos acontecimentos em Brasília, com a redução das tensões e
alguma acomodação nas próximas semanas.


As duas figuras de geometria analítica, comumente usadas no controle
de risco em comunicação, se referem a uma tendência natural das crises,
que costumam se comportar, metaforicamente, como um objeto lançado para o
alto: se responder apenas à força inercial, o objeto vai em algum
momento atingir o ápice da parábola e começar a cair. Se houver uma
força adicional capaz de dar novo impulso a ele, o objeto irá sofrer uma
inflexão no ponto de exaustão da força inicial, em que se começa a
curva descendente, e receberá novo impulso, retomando a ascensão com uma
curva inversa, para cima.


O fato que determina esse momento curioso da nossa crônica política é
a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de uma emenda que extingue, na
prática, o fator previdenciário no cálculo das aposentadorias.


O tema é bastante explorado pelos diários de circulação nacional, com
boas reportagens, análises variadas e um ponto em comum: em maior ou
menor grau, os jornais condenam a decisão e mobilizam seus colunistas
para questionar o que chamam de irresponsabilidade do Legislativo.


O sistema proposto pelos deputados, chamado de fórmula 85/95, garante
aposentadoria integral para os homens que se aposentarem quando a soma
da idade com o tempo de contribuição atingir 95 e as mulheres alcançarem
o número 85 na mesma conta.


Embora o assunto envolva uma alta complexidade, que inclui as
perspectivas de longevidade das próximas gerações, a composição de renda
das famílias e outros fatores, é consenso entre os analistas que a
iniciativa vai causar um grande impacto nas despesas do governo com a
previdência social.


A imprensa observa que o custo será insignificante nos primeiros
quatro anos, porque as pessoas tenderão a adiar a aposentadoria para se
beneficiar da nova regra, assegurando um benefício maior no longo prazo.
Mas os textos assumem que o sistema previdenciário sofrerá um choque de
mais de R$ 40 bilhões na primeira década.


Lula é o alvo


O leitor curioso e atento se perguntaria: por que a mídia tradicional
se mostra tão preocupada com o futuro, e ao mesmo tempo incentiva uma
crise política que afeta as chances de desenvolvimento do Brasil?


Da mesma forma, o que explicaria, para além das picuinhas
partidárias, o fato de que boa parte da oposição votou contra seus
interesses de longo prazo e parte da aliança governista contrariou seu
discurso tradicional de defesa do trabalhador para se opor à proposta?


Os jornais exploram o sinal invertido entre petistas e tucanos, e
surpreendem ao tomar o partido da presidente Dilma Rousseff nessa
questão.


Uma razão pode estar no fato de que, até mesmo quando imersa até os
ossos na disputa partidária, a imprensa precisa definir um limite para
as ações populistas dos presidentes da Câmara e do Senado, que jogam
para a plateia para fugir dos holofotes da Operação Lava Jato. Em algum
momento há de se impor a responsabilidade nesse cenário que um
articulista do Estado de S. Paulo chama de “clima de bundalelê”.


Para os pouco afeitos à nova linguagem jornalística, convém registrar
que a expressão “bundalelê” representa a atitude provocativa de alguém
que exibe as nádegas em público, como ocorreu na quarta-feira (13/5) em
que foi votada a medida provisória que define as regras da pensão por
morte.


Até o Jornal Nacional, da Globo, mostrou rapidamente o ativista da Força Sindical, de camisa preta (ver aqui a cena que acontece aos 30 segundos do vídeo) tirando as calças e mostrando o traseiro aos deputados.


O fato de os principais jornais do país, que têm investido no
desgaste da imagem da presidente Dilma Rousseff, definirem um limite
para as diatribes da dupla que dirige o Congresso Nacional precisa ser
visto sob diversos ângulos.


Um deles é a percepção de que, apesar da crise política, o governo já
aprovou as medidas básicas destinadas a conter os gastos públicos, e o
Brasil volta a receber novos investimentos, o que pode reacender a
economia em curto prazo. A outra razão é menos nobre: o principal alvo
da imprensa não é a atual presidente da República, que, mal ou bem, vem
retomando as rédeas do governo. O projeto da mídia tradicional é atingir
a reputação do ex-presidente Lula da Silva, para minar suas chances
caso venha a se candidatar em 2018.


FHC fala mal do Brasil nos EUA - Carta Maior

FHC fala mal do Brasil nos EUA - Carta Maior

A miopia da política econômica de prioridades conflitantes



A economia não comporta exageros. Não é uma máquina controlável a golpes de Selics.


É uma engrenagem complexa, composta por inúmeras cadeias produtivas
interconectadas, por um conjunto de fatores interligados, como estoques,
uso de capacidade instalada. A recuperação das expectativas depende
fundamentalmente das perspectivas de crescimento da economia.
Estabilidade fiscal, monetária, são instrumentos, mas o objetivo final é
o crescimento.


Essa máquina sensível, complexa, interligada, não comporta medidas de
choque, a não ser em situações extremas – como nos períodos
superinflacionários. Choques ampliam desequilíbrios, atrapalham a
visibilidade futura, pela dificuldade dos agentes econômicos entenderem a
nova dinâmica da economia.


***


A melhora das expectativas e a volta do investimento/crescimento
dependem da aposta na demanda futura. Consegue-se interromper a demanda
apertando o botão dos juros e dos cortes fiscais. Não existe um botão do
crescimento, em sentido contrário.


***


Houve exageros na dosagem dos incentivos fiscais da era Mantega.
Agora corre-se o risco inverso, do excesso de dosagem na combinação
política fiscal-monetária.


Não existe nada de mais falso do que a ideia de que o melhor ajuste
fiscal é o mais rigoroso e a melhor política monetária é a mais radical.



***


Em outros tempos, que se pensava superados, empresas e governos agiam
sob o domínio da prioridade única, da bala de prata que, resolvendo um
problema único, resolvesse todos os problemas.


Esse modelo quebrou empresas e a economia, mas a política econômica recuou para o simplismo dos anos 80 e 90.


***


A demanda vai despencar, muito mais do que a presidente Dilma
Rousseff imagina – três semanas atrás ela imaginava que o pior já tinha
passado.


Despencando, o desemprego irá aumentar muito, especialmente se
continuar sendo uma variável desconsiderada pelo BC – que aparentemente
só sabe trabalhar com o binômio juros-inflação.


Com o aumento do desemprego e redução da demanda, o mercado de
consumo cai e cria-se uma capacidade ociosa na indústria. Ao mesmo tempo
a relação dívida/PIB explode por dois motivos: aumento da dívida, com
os juros; redução do PIB com a recessão, exigindo metas mais drásticas
ainda de superávit primário.


***


Fazenda e BC estão recorrendo à retórica do caos para aprovar as
medidas, expediente que funcionava bem nos velhos tempos da
hiperinflação. Tipo: se não derem o que peço, o Brasil acaba; se me
derem, em breve o país será recompensado.


Vão receber o que querem e não vão entregar o que prometem. Caos
ocorrerá se o desemprego explodir em um quadro politicamente instável
como o atual.


Em um ponto qualquer do futuro, virão os investimentos, mas
exclusivamente onde houver demanda: algumas concessões públicas, nas
quais o preço será menor devido à redução das expectativas de negócio
decorrentes da queda da atividade econômica.


É muito pouco para compensar o estrago que a recessão terá causado nos demais setores da economia.


***


Se nesse período todo o governo Dilma não conseguir desenhar o
segundo tempo do jogo, criar um sonho que seja, um pote d’água lá na
frente para compensar a travessia do deserto, nem a mediocridade ampla
da oposição salvará seu governo.




Peidousim!

domingo, 10 de maio de 2015

Os super-ricos e o resto — CartaCapital

Os super-ricos e o resto — CartaCapital



Os super-ricos e o resto


por Thomaz Wood Jr.



publicado
10/05/2015 10h19,


última modificação
10/05/2015 10h41

A estrutura social está cada vez mais parecida com a hierarquia corporativa


Brazil

A sociedade retratada no filme Brazil, 1958, Terry
Gilliam, é desigual e consumista, com tecnologia onipresente e governo
totalitário


Brazil é uma distopia satírica dirigida por Terry Gilliam, em 1985. O personagem central é Sam Lowry,
interpretado por Jonathan Pryce. A sociedade retratada no filme é
desigual e consumista, a tecnologia é onipresente, o governo é
totalitário, as corporações são poderosas e impessoais, a mãe do
protagonista é obcecada por cirurgia plástica e o seu trabalho não tem
sentido. As semelhanças com as empresas e a sociedade contemporânea são
notáveis.
A vida imita a arte. Em um texto sobre os
movimentos populares na sociedade do século XXI, Noam Chomsky traça a
origem dos termos Plutonomia e Precariado. O primeiro surgiu de um
estudo realizado há dez anos por analistas do Citigroup, segundo o qual o
mundo está dividido em dois blocos, a Plutonomia, formada pelos
super-ricos, e o resto. O objetivo dos autores era orientar os
investidores a selecionar as melhores ações, aquelas de empresas que
produzem para os abastados. 
 
A Plutonomia surgiu
das condições do capitalismo moderno: governos simpáticos às grandes
corporações, estado de direito que garante a liberdade econômica, espaço
para “inovações” financeiras, proteção de patentes e mão de obra
qualificada e dócil. Os super-ricos concentraram a riqueza dos países
desenvolvidos anglo-saxões, Estados Unidos, Inglaterra e Austrália.
Entretanto, os criadores do termo acreditavam que formações similares
surgiriam em economias emergentes, como Brasil, Rússia, Índia e China.
A contrapartida da Plutonomia é o Precariado, formado por
um contingente que vive em condições de insegurança e incerteza, tende a
crescer e tornar-se um componente relevante da estrutura social. O
economista Guy Standing é autor do mais conhecido livro sobre o tema, The Precariat: The new dangerous class, publicado em 2011. Standing advoga que a transformação global da economia está gerando uma nova estrutura de classes, substituta da anterior, cuja espinha dorsal era formada pela burguesia e pelo proletariado.
A nova estrutura, segundo o autor, é
composta de vários grupos. No topo encontra-se uma plutocracia
internacional, a usar seu poder econômico para influenciar e moldar o
poder político. Abaixo dela vicejam elites nacionais e compõe com a
primeira uma classe hegemônica. Logo abaixo, vem o grupo assalariado,
com rendimentos elevados e segurança no emprego. Seus membros ocupam o
topo da pirâmide das grandes empresas e nichos privilegiados da máquina
do Estado. É uma confraria pressionada, perde integrantes para os grupos
logo abaixo, frequentemente por causa de processos de terceirização.
Parte desse contingente é constituída por consultores e pequenos
empresários, que sonham em pertencer à elite. Abaixo desses situa-se o
velho proletariado, mais um grupo em processo de redução, com poucas
chances de sucesso na luta pela manutenção de conquistas passadas. O
precariado está abaixo do proletariado e constitui, segundo Standing,
uma “classe em construção”. Seu trabalho é caracterizado pela
flexibilidade e incerteza.
 
Standing observa que
o precariado é constituído por três subgrupos. O primeiro é formado
pelos desterrados do proletariado, com baixo nível de instrução,
frustrados e propensos a serem seduzidos pelo populismo de
extrema-direita. O segundo é composto de imigrantes e minorias,
frequentemente nostálgicos e politicamente passivos. O terceiro é
constituído por profissionais qualificados, inseguros sobre seu status
na sociedade e sujeitos a trabalho eventual. O autor identifica ainda um
lúmpen precariado, formado por miseráveis que vivem nas ruas, à margem
da sociedade.
A tipologia de Standing pode ser vista
como um modelo em construção. Entretanto, seus componentes podem ser
facilmente observados nas pirâmides empresariais. No topo, os
controladores e suas famílias, servidos por grupos seletos e bem
remunerados de executivos. Nos escalões médios, gestores e profissionais
especializados, aspirantes naturais à vida nos andares superiores.
Abaixo deles, um exército de analistas e operários, lutando para
preservar salários, empregos e benefícios. Ao redor, contingentes cada
vez maiores de prestadores de serviços, dos mais qualificados assessores
aos menos instruídos provedores de serviços básicos. A uni-los a
sujeição às intempéries econômicas e aos humores dos contratantes. A
sociedade parece imitar as corporações.