terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Biscoito Fino e a Massa

O Biscoito Fino e a Massa: "Wikileaks: O maior vazamento da história, o embaraço de Hillary com o Cablegate e a cumplicidade da imprensa dos EUA

alg_julian_assange.jpgLiberais e conservadores brasileiros, chegou a hora. Depois do 11 de setembro diplomático desencadeado neste fim de semana pelo mais impactante vazamento da história moderna-- 250.000 comunicações, a maioria secretas, entre o Departamento de Estado e embaixadas estadunidenses ao redor do mundo--, e do completo sufocamento do tema na TV dos EUA, não resta fiapo de credibilidade à ideia da imprensa 'mais livre do mundo', com que tantos brasileiros à direita do espectro político se referem aos conglomerados de mídia norte-americanos. Para quem se lembra da extrema docilidade com que as mídias eletrônica e escrita dos EUA replicaram a patacoada das armas de destruição em massa do Iraque em 2003, esta foi a cereja do bolo. Não importa o partido que esteja no poder (Democratas ou Republicanos), quando se trata dos interesses imperiais estadunidenses, não sobrevive na mídia gringa um farrapo de compromisso com a verdade ou com a pluralidade de pontos de vista. Ponto final. Podemos passar para o próximo assunto? Grato. Continuemos.

Como já tratamos amplamente aqui, os poderosos usam dois pesos e duas medidas nos casos de “vazamento”, “grampo” ou qualquer obtenção de informação que ocorre naquela zona cinza entre o legal e o ilegal. Conforme a conveniência, enfocam-se na forma ou no conteúdo. Assim aconteceu com os dossiês dos aloprados petistas sobre a corrupção realmente existente no Ministério da Saúde de José Serra, do suposto, miraculoso e etéreo grampo sobre Gilmar Mendes e Demóstenes, e da quebra de sigilo da filha de Serra (cuja forma só importava até o momento em que apurou-se que foi tucano mesmo). Inacreditavelmente, aqui nos EUA, tanto o governo como o parlamento só reagiram à montanha de revelações do Wikileaks com ameaças pesadas contra Julian Assange e equipe. Sarah Palin, sem perder a chance de usar o episódio eleitoralmente contra Obama, sugeriu que os EUA 'cacem Assange como a Bin Laden'. Sobre o conteúdo dos documentos, nem um pio. Para isso, contaram com a sempre dócil imprensa norte-americana que, no pronunciamento de hoje de Hillary Clinton, não fez sequer uma única pergunta que tratasse do conteúdo das revelações.

E revelaram-se coisas para todos os gostos. Os EUA disseram à Eslovênia que lhe conseguiriam uma reunião com Obama caso os eslovenos aceitassem receber prisioneiros de Guantánamo, o que demonstra o tamanho da batata quente em que se transformou o campo de concentração paralegal [pdf] instalado por George W. Bush. Na Alemanha, os EUA ficaram em saia justa. Os vazamentos mostram tentativa de espionagem gringa sobre o Democratas Livres (liberais de centro-direita, uma espécie de DEM desagripinizado) e comentários feitos nos telegramas da embaixada se referem ao Chanceler alemão como “vaidoso e incompetente”. Hillary quis bisbilhotar o histórico de saúde mental da Presidenta argentina Cristina Fernández de Kirchner. Revelou-se que Israel fez lobby incessante, permanente por um (na certa irresponsável e catastrófico) ataque americano ao Irã, embora nem só de lobby sionista viva o interesse bélico anti-persa: também o rei saudita, confirmam os documentos do Wikileaks, fez pressão pelo ataque. Aliás, não são só os EUA que ficam mal na fita com esses cabos. Os governos árabes, com sua tradicional combinação de subserviência ante Israel e obscurantismo e truculência ante suas próprias populações, também receberam algumas boas lambadas com os vazamentos.

Até agora, as duas revelações sobre as quais valeria a pena um exame mais detido, pelo menos do ponto de vista brasileiro, são duas bombas: a primeira, a de que o estado espião e desrespeitoso da lei internacional, que se consolidou com Bush, foi mantido com o Departamento de Estado de Hillary sob Obama. A segunda é de que até os EUA sabiam que o golpe em Honduras, com o qual pelo menos setores de sua diplomacia colaboraram, era uma monstruosa ilegalidade.

Confirmando a primeira bomba, há um espantoso telegrama em que se detalham planos para espionar o Secretário-Geral da ONU, o coreano Ban Ki-moon, que de forma alguma pode ser descrito como alguém hostil aos interesses americanos. Os planos de espionagem incluíam até mesmo o cartão de crédito de Ki-Moon. A ordem veio diretamente do Departamento de Estado de Hillary que, obviamente, em seu pronunciamento de hoje, nada disse sobre o assunto. Nada lhe foi perguntado tampouco.

Sobre a segunda bomba, Cynara Menezes já disse tudo. Durante meses, bizantinos debates sobre a constituição hondurenha serviram para mascarar o fato cabal de que o golpe que depôs Zelaya não tinha um farrapo de apoio na lei internacional ou mesmo na bizarra legalidade estabelecida pela constituição hondurenha. Ancorados principalmente numa retórica da Guerra Fria herdada da mesma diplomacia estadunidense agora desmascarada, os direitecas brasileiros recorreram aos sofismas de sempre para justificar o golpe. Agora, ficou claro: alô, Revista Veja, nem os gringos acreditavam na mentirada.

Sobre o Brasil, até agora, há pouco, a não ser o já conhecido dado de que os EUA tentaram nos impor uma lei antiterrorismo, da qual o governo Lula-Dilma (o cabo faz explícita referência à atuação dela) conseguiu se safar. De novidades nesse front, há a participação de um especialista brasileiro, André Luis Woloszyn, como uma espécie de “consultor” para os estadunidenses interessados em adequar a legislação alheia a seus interesses: “é impossível”, disse ele, “fazer uma lei antiterrorismo que não inclua o MST”. O caso me parece gravíssimo.

As bombas vão se sucedendo com rapidez só comparável à desfaçatez com que a mídia dos EUA as ignora. O Wikileaks repassou seus vazamentos a cinco veículos de mídia: Le Monde, Der Spiegel, El País, Guardian e New York Times. Destes, a cobertura mais tímida e manipuladora, sem dúvida, é a deste último, totalmente focado na punição a Assange e na “legalidade” de seus atos, com pouca coisa sobre o conteúdo embaraçoso para os EUA. Uma manchete no lugar de destaque do site, na noite desta segunda-feira, dizia: “'Vazamentos mostram o mundo se perguntando sobre a Coreia do Norte'. Haja óleo de peroba.

PS: Como grande destaque desta segunda-feira, o Presidente equatoriano Rafael Correa ofereceu guarida a Julian Assange, “sem perguntar nada”, para que ele “apresente suas informações não só na internet mas em outros fóruns públicos”. Realmente a Sociedade Interamericana de Imprensa deve ter razão: a “liberdade de imprensa” está ameaçada nos regimes “populistas” latino-americanos. É nos EUA que ela vai bem.

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domingo, 28 de novembro de 2010

Keane Bhatt, "Noam Chomsky on Hopes and Prospects for Activism: 'We Can Achieve a Lot'"

Keane Bhatt, "Noam Chomsky on Hopes and Prospects for Activism: 'We Can Achieve a Lot'": "Acclaimed philosopher and activist Noam Chomsky is Institute Professor Emeritus of Linguistics at the Massachusetts Institute of Technology. He shared his perspectives on international affairs, economics, and other themes in an interview conducted at his office in Boston on September 14, 2010.

Keane Bhatt: Your new book Hopes and Prospects begins with the story of Haiti, and that's what we discussed last, so it's an appropriate place to start the interview. For hundreds of thousands of people, decent, hurricane-resistant housing is a chimera. Despite the billions given to relief agencies, Carrefour camp-dwellers pay a monthly 'tax' just to stay there; 1.3 million people are still internally displaced. An estimated 8,000 displaced persons have been forcibly evicted. If there were a functioning, democratic Haitian state, it could use eminent domain on behalf of the affected population to secure land for permanent housing. But in the upcoming elections that the U.S. is financing, the largest political party, Fanmi Lavalas, has been excluded along with 13 others, and there hasn't been a comprehensive initiative to provide internally displaced persons with the ID cards required to vote.

You've talked about the contempt for democracy shown before -- funding [World Bank official and former Duvalier minister] Marc Bazin's candidacy against Aristide in 1990, punishing Gaza for voting the wrong way, funding opposition parties throughout Latin America -- but now it seems that pretenses for supporting even procedural democracy can be abandoned. The Honduran elections under the coup regime were accepted too. Are we seeing a new trend of greater brazenness and extremism?

Noam Chomsky: I think it's always been true. Democracy is a danger to any powerful group. Take, say, the United States -- formally maybe one of the most advanced democracies in the world. And one of the earliest, in fact -- in the 18th century, it was way in the lead. The founding fathers were very concerned about the danger of democracy and spoke quite openly about the need to construct the democratic institutions so that threat would be contained. That's why the Senate has so much more power than the House, to mention just one example.

KB: In Failed States, you mention seven solutions for dealing with international problems. The third one is, 'Let the UN take the lead in international crises.' While I see the general wisdom in this, particularly with regard to Iraq and Iran, how does this apply to Haiti, which has been under UN MINUSTAH occupation since the 2004 coup?

NC: First of all, I was actually reporting public opinion there in those passages. Public opinion said, 'We think the UN, not the U.S., should take the lead in international crises,' and I think there's some legitimacy to that, but we have to recognize -- and I probably discussed it in the same context -- that the UN is not an independent agent. The UN is an agent of the states that constitute it and, more specifically, of the five veto-holding states in the Security Council and, even more specifically than that, of the United States. The UN can go as far as the U.S. will allow, and no further. And it's bound by conditions that the powerful states, which means mostly the U.S., impose. Haiti's a case in point. But there are plenty of others. Take, say, the sanctions on Iraq under Clinton and until the invasion. They're called UN sanctions and they were administered through the UN, but if you look at them more closely, it turns out they were U.S. sanctions. So yeah, the flaw you mention is right in here. But that's inherent in the UN structure. I mean, the UN to some extent diffuses U.S. power. Therefore it's less directly an agency of the United States than the U.S. Army is. But, still, it can't escape the distribution of power in the world.

KB: Back in 1994, journalist Allan Nairn reported the sentiments of Major Louis Kernisan of the U.S. Defense Intelligence Agency, who said 'You're going to end up dealing with the same folks as before, the five families that run the country, the military and the bourgeoisie . . . it's not going to be the slum guy from Cite Soleil.' This is an example of what you've discussed: honest planners using Marxian analysis. Elites and strategists seem to have a good grasp of social and international relations, but with the values reversed. You've said you don't particularly care much for Marx. Does this include the analytical framework that planners and elites employ?

NC: It's not quite accurate; I don't say I don't care much about him. I wouldn't call myself a Marxist, I don't think anybody should be any kind of an '-ist.' As far as Marx's analysis of capitalism, there's a lot of very useful ideas in it, but we have to remember -- and he would've been the first to say -- he's developing an abstract model of 19th century capitalism. It's abstract and it's changed. As far as his prescriptions for the post-capitalist future were concerned, he really didn't have much to say. And with some justice, I think. On the other hand, I wouldn't say that I don't care much for Marx; he offered lots of insights into how society works, and he was an extremely good analyst of the current events of the day. I think he would take it for granted that elites are basically Marxist -- they believe in class analysis, they believe in class struggle, and in a really business-run society like the United States, the business elites are deeply committed to class struggle and are engaged in it all the time. And they understand. They're instinctive Marxists; they don't have to read it.

KB: In Hopes and Prospects you discussed the hypocrisy at the beginning of the financial crisis: IMF proposals for the Third World were to pay back debt to core countries, raise interest rates, privatize, and generally engage in pro-cyclical policies. For the U.S., the accepted prescriptions were: stimulate economy, forget about debt, nationalize industry. But since then, a very powerful current emerged and changed the policy debate -- now it's about deficit reduction and austerity at home, which the Obama administration is actively fueling with its deficit commission and talk of the federal government's need to tighten its belt. Is this shift another indicator of what Simon Johnson talks about, namely the similarities between the U.S. and emerging-market oligarchies? Is the U.S. 'becoming a banana republic,' as he puts it? Your book mentions Citigroup's buoyant analysis of plutonomies, in which the economy functions in all respects in the interests of its richest 10 percent, largely oblivious of the needs of everyone else. Is this what's taking place?

NC: It's a development that's been going on, though even more so in Europe. The United States in many ways resembles a Third World country -- far more elevated, but it has many of those structural characteristics: the extreme inequality of wealth, the deterioration of infrastructure because it only serves poor people, predatory operations, huge corruption, and so on. These are all pretty typical of Third World countries, not countries that are trying to develop a sound future economy. Let's just steal what we can and go away. Regarding Citigroup's analysis, it's certainly more so than before. It's never been untrue, but certainly more so now. Take the period that was moving toward social democracy of some kind -- say the '50s and the '60s -- that's when the technology that you're using right now was developed. And it was developed at taxpayer expense, but there was no particular thought that the taxpayer would benefit from it. People who would benefit from it were IBM, Microsoft, and so on. The corporate sector wanted the population of the country to pay the costs, take the risks. And it was done totally fraudulently, not so that you could have a computer. People thought they were defending themselves from the Russians or something. But planners understood.

KB: In characterizing the U.S. financial crisis, you say that 'markets are inefficient. . . . They can be controlled by some degree of regulation, but that was dismantled under religious fanaticism about efficient markets, which lacked empirical support and theoretical basis; it was just based on religious fanaticism.' Was this 'irrational fundamentalism' the major factor in the development of the current world economic crisis? I ask because in Hopes and Prospects, you direct readers wishing to understand the crisis's roots to Foster and Magdoff's The Great Financial Crisis. Their thesis is that due to long-run stagnation tendencies in the real economy, 'profits were increasingly directed away from investment in the expansion of productive capacity and toward financial speculation.' For Foster and Magdoff, the religious fanaticism was politically expedient and helped feed a series of massive financial bubbles, but this push compensated for the underlying, long-term stagnation tendencies of the real economy.

NC: I think that there's some truth to that. There are books that are now available that I would've also referred to which go way beyond what I said -- people from right in the middle of the economics profession going to the point of declaring economists criminals. For example, Yves Smith's book -- which is really good -- I mean, she just says that those guys are a plague. The field ought to be dismantled. And she goes into the real details of it and shows what there is in economic theory that is so corrupt that it's hard to discuss. It's a great book. And there are a couple of others, like probably Simon Johnson's 13 Bankers, which I haven't read yet.

KB: According to Foster and Magdoff, the basic contradiction in the real economy, related to growing income and wealth inequality, eventually exerted itself like a force of gravity, which led to a financial implosion. The disjuncture between the stagnant real economy and the increasingly bloated financial sphere had grown to such an extent that when the housing bubble finally popped, the resulting fallout overwhelmed the power of the central banks to counter it as 'lenders of last resort.' Does all of this suggest that the possibilities for regulating the system's inefficient markets are more limited than is commonly supposed?

NC: I don't think so, because there was a period of regulation from the New Deal up to the '70s, and there were no financial crises. Since the '70s, the regulatory structure has partially been dismantled, partially captured -- you know, regulatory capture -- and partially it's been affected by what's sometimes called cognitive regulatory capture. That is, the regulators bought the ideology that's being peddled by economists, and business happily picks it up because it's so good for them, not because they think there's any merit in it. And as a result, since the '70s there have been repeated financial crises; this is not the first one, they've been regular.

In the Asian countries, there was a natural reaction to the crisis of the late '90s: after the countries sort of worked their way out of the Asian financial crisis, they started building up their financial reserves. That's now condemned. That's the famous capital glut that's causing global imbalances, forcing our interest rates down, and doing all kinds of horrible things. It was a very rational reaction to the huge flow of speculative capital and to the economists' theories. So yeah, they were never in the market system much, but they're breaking out of it even more, storing up reserves, imbalancing the global economy, whereas what was done here is quite the opposite: let's just borrow. Borrow like mad, nothing can go wrong, because we have a theory that proves that markets are efficient and that participants have perfect information -- on to the indefinite future, in fact, if you take the theorems seriously. So you've got a worse financial crisis, but if you look at it, Reagan left the country with a major financial crisis -- Savings and Loans (after another in 1987) -- ten years later you had the tech bubble; in between, you had Long Term Capital Management; the fact that the economics profession could survive that is astonishing. You know the story, a couple years after that comes the housing bubble. For the population, the economy has been surviving on asset inflation, increasing debt and increasing work hours, often for both adults in the family.

KB: You're bringing up the Asian financial crisis, and the countries that had not followed the orthodoxy of opening capital markets came out unscathed -- India, China, Taiwan. . . .

NC: In South Korea, you could get the death penalty for capital flight. In fact, Malaysia also came out of the Asian crisis. It was imposing capital controls. Now the economists were all saying it's a disaster. But they did quite well. Same with Argentina, the former poster child for the IMF, leading to a serious crisis. It then disregarded all the warnings and doctrines and the economy did very well, contrary to predictions.

KB: You insist on disaggregating the developing countries to shed light on growth and social improvement during the neoliberal era. In the case of India, which grew at a rapid pace, you believe that it could have only happened by violating neoliberal rules: they maintained control over capital flows and ignored IMF rules in many ways. This wouldn't have happened if it were a disciplined pupil, like Argentina, which you just mentioned, or the countries of Latin America and Africa in general.

NC: Well, there's a high rate of growth but look at what's happened to the population. Their food consumption is declining!

KB: A JNU economist, Prabhat Patnaik, who's also Vice-Chairman of the Kerala State Planning Board, brings up a case I'd like to share with you because of its implications: according to him, Kerala enjoyed excellent social sector achievements but was virtually stagnant. After '87-88, Kerala grew very rapidly, and nobody was sure why, but it was precisely the period of declining social sector achievements. He concludes that high growth leading to social achievements doesn't necessarily hold, but that the opposite occurred in Kerala.

NC: I know him a little bit, and he knows way more than I do, but I think there's another factor there: the remittances. They were sending huge numbers of people out to the Gulf. They had a good education system, so they could go out and do the technical work to run the Gulf states, which, speaking of predatory economies: they're grotesque. You go to Kuwait, the Kuwaitis don't do anything. Everything is done by South Asians, Filipinos, and Palestinians until they threw them out. And Kerala could provide that, and send back remittances, and I don't know what the scale is, but it was large. And in fact, I was there around 2002, I guess, but it's kind of painful driving through the country. It's a very lush country, but you look at these beautiful rice fields -- they're deserted. They can't compete with Vietnamese rice. The rubber forests are falling apart. They could solve that, but it would take inputs, and there are very little inputs into rural areas.

KB: Besides Utsa Patnaik's work on declining caloric consumption in India, there are a lot of studies that question the veracity of the Indian NSS [National Sample Survey] and World Bank narrative of laudable poverty reduction. One done by the National Commission for Enterprises in the Unorganized Sector in 2007 found that 836 million, or 77 percent of the population, lived on less than 20 rupees [50 cents] a day. The Oxford Poverty & Human Development Initiative found that using the multidimensional poverty index, there were 645 million poor, or 55 percent of India's population -- more than in the poorest 26 African countries combined. The Asian Development Bank put the number at between 622-740 million. But you have high growth rates accompanying, conservatively speaking, stagnant social improvement -- virtually no change in childhood malnutrition, higher rates of malnutrition than sub-Saharan Africa -- and by other measures, exacerbated deprivation.

NC: There was an interesting study that I recently read about in the Guardian about India's Public Distribution System [PDS]. I mean, there's a real food crisis in India and according to them, about 40 percent of the food in the PDS system is rotting or being taken by the rich. What they do is, some poor person can't pay his usurer, so he sells his PDS ticket, which is picked up by some rich person who gets the food free.

KB: A question on that very issue: in independent India, 400 million cannot afford to buy food on the open market and tens of thousands of tons of grain are rotting, having sat in government storehouses for years. No new grain is being procured, which hurts farmers. Manmohan Singh questioned the wisdom of the Supreme Court ruling to provide free food to the poor and there's still a gridlock on what will be the policy. Mike Davis, in his Late Victorian Holocausts quotes the British Famine Commission of 1878-80 as saying, 'The doctrine that in time of famine the poor are entitled to demand relief . . . would probably lead to the doctrine that they are entitled to such relief at all times, and thus the foundation would be laid of a system of general poor relief, which we cannot contemplate without serious apprehension.' What's changed since the era when the British stockpiled grain during Indian famine?

NC: This same article in the Guardian pointed out that Jean Dreze and others are now trying to establish some principle of universal food supply which would eliminate the PDS system and just say, 'Look, there's a certain amount of food that has to be given to everybody -- no tickets, no store, no nothing.' Apparently it's coming up for vote pretty soon. If something like that were passed and then of course implemented -- because the opportunities for corruption are sky-high -- it could get around some of it. I mean, India -- it's just grotesque what's happening. It's very striking. I was just in China. China's got plenty of problems, but not this one, as far as I know.

KB: There's a narrative that high growth has 'passed the general population by' and needs to be more equitable and inclusive. Prabhat Patnaik, however, believes that the growth is founded on exacerbating class antagonism and the expropriation of small producers' and peasants' means of production. He thinks that the very nature of the growth necessitates exclusion and suffering. He claims that it's naive to talk about more inclusion while maintaining and operating within this framework. How do you view it?

NC: I presume he is referring to the specific growth model adopted in India, not to growth in general. If so, there appears to be considerable evidence to support the conclusion.

KB: Going back to China: its poverty diminution doesn't seem as controversial as India's. Is there actual, substantive progress there?

NC: I wasn't out in the countryside, so I can't tell. And it's worth noting that it's much easier to get information about India, because the society is so much more open.

KB: You've discussed Hart-Landsberg and Ching Kwan Lee's work, which highlight the tenuousness of China's development model, horrible conditions for workers, labor protests, feelings of abandonment and betrayal. And environmentally?

NC: It's pretty horrible, and the environmental catastrophes are perfectly real. But on the other hand, I was in Beijing and Xi'an, but I drove around all over Beijing, because the places I was going to were all over the place. You just don't see the poverty that you see in every American city. Either they've hidden it somewhere, or they've tossed it in the countryside. On the other hand, it's extremely authoritarian. There's a lot of optimism and exuberance, and people excited about it and so on. When we went through one place in the center of town, I asked the driver -- who happened to be pretty critical and frank -- 'Where do people live?' He explained that there are companies that build housing so there's big skyscrapers for workers. I don't know what they're like inside, but they don't look too bad from outside. We went through some big downtown area, and he told us that all the people there were going to be removed and sent out to the countryside so they can make the area more business-oriented. So I said, 'Well, what happens to the people in the countryside?' They said they're building a metro which will go out there, and I asked if they were really going to do it, and he said: They probably will; they usually do these things. Then I asked a question, knowing it was ridiculous but I wanted to hear what they'd say: 'Do people have any say in this?' They looked at me as if they didn't understand the question. The tacit assumption seemed to be: 'It's none of their business; they're told, 'You're going to move to the countryside.''

It reminded me of an incident in India, when I was there before the so-called 'reforms,' in '72. I was a guest of the government, being ferried around all over the place. Every day we were in Delhi, we went through Connaught Square and every day it was completely full of homeless people -- tens of thousands of people in tents. One morning I drove through and there was nobody there. So I asked what happened, and they said, the Asia Fair is coming and they want to purify the city so they're gone. So I said, 'What happened to them?' They sent in trucks, took them out to the desert somewhere, and dumped them there. No metro or anything.

KB: Even in Latin America, I found that when a president visits a particular region, they convert the areas into a kind of Potemkin village, scrubbed of the misery and filth.

In the cases of hope that you've mentioned, like in Latin America, there has been real progress, as you've noted. At the same time, there is sometimes dramatic conflict between the developmentalists, like left president Correa, and the indigenous communities affected by mining and dams. Also, Evo Morales, despite being hugely popular, recently had to deal with a very big general strike in Potosí. What do you make of these dynamics? What are the hopes and prospects in Latin America regarding raising living standards, the paths of industrialization, environmental considerations, the role of social movements, and avoiding state coercion?

NC: All true. In Ecuador, there is a serious conflict between the Correa government and indigenous communities objecting to developmental projects that have been ruining their societies and lives. The oil spills in the Amazon may well be worse than the BP Gulf disaster. That should be improving under Correa, but there are still strong objections. Morales is indeed popular, but there are plenty of complaints about authoritarianism and corruption. The struggle about developmental projects is going on all over the world. In India, as you know, there is a major war going on that turns in large part on development projects in tribal areas. I was in southern Colombia recently, visiting remote villages where campesinos and indigenous people are seeking to combat attacks on their lives and resources by mining and water privatization. I don't know of any simple general answer to your question of how this will all turn out. The problems are often not simple. A great deal is at stake, not just for the people of the countries. Resource extraction impacts a global environment that is increasingly at severe risk.

KB: I'd like to conclude our interview on the topic of Haiti, by bringing up your point about lessons that the Haitian Lavalas movement has for US progressives and activists when we last we spoke. You said, 'It's quite striking that we and other western countries can't reach, can't even approach, can't even dream about the level of democracy they had in Haiti. That's pretty shocking. Here's one of the poorest countries in the world. The population that organized to win that election is among the most repressed and impoverished in the world; they managed to organize enough to enter the electoral arena without any resources and elect their own candidate.' Praising Bolivia at the same time, you asked, 'Is it believable that we can't do the same? . . . We can take lessons from them. Anything they've done we can do a thousand times more easily.'

I've been thinking about the conditions in the U.S., which you call an 'organizer's dream,' and I'd like to share some tentative thoughts on why this isn't the case. One: The US poor have much more to lose, materially, than their Haitian and Bolivian counterparts, and that may be a strong inhibitor to active, defiant engagement. Two: Perversely, being fired on by the [Haitian paramilitary group] FRAPH or by Goni's security forces may bring the righteousness of the cause into sharper relief, whereas the subtler mechanisms in the U.S. that mask agency -- for example, social exclusion, being passed over for a promotion, etcetera -- tend to be effective in dissuasion and atomization. Three: The suburbanization of the U.S. has undermined a collective life that Haitians and Bolivians enjoy. Four: US industrialization was shown to decrease political participation. It also necessitated internal demand, hence a powerful public relations apparatus to peddle 'created wants' and atomize the population. I suspect that the populations in Bolivia or Haiti haven't been propagandized deeply, or indoctrinated into believing that they can't control their own affairs. Your thoughts?

NC: We're kind of talking past each other. What you say is certainly true: we're not doing it. Since we're not doing what they've been doing in Port-au-Prince or Cochabamba, there must be a reason for it. Maybe the reasons you give, maybe others. But what I was talking about is something different. We have the opportunity and the privilege to do such things, and we're not doing them. So we should ask why, because we can. We're not going to face the forces of FRAPH and Goni. And it's not obvious that the poor are going to lose, they may gain. If you have a union struggle, for example, the people in the union struggle may lose, but they're doing it because they're driven by notions of solidarity with others and concern for the future. So if the kinds of ideas and commitment and so on developed that will enable us to use the opportunities which we in fact have, which are far beyond what they have, then we can achieve a lot.

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Folha.com - Poder - 'PT mudou a ponto de ficar quase irreconhecível', diz cientista política - 28/11/2010

Folha.com - Poder - 'PT mudou a ponto de ficar quase irreconhecível', diz cientista política - 28/11/2010: "A cientista política Wendy Hunter, professora da Universidade de Austin, Texas (EUA), acaba de escrever um livro sobre as transformações por que passou o PT entre 1989 e 2009. Para ela, o partido 'mudou a ponto de ficar quase irreconhecível'.

Além de diferenças que ela chama de mais óbvias, como a moderação ideológica do PT e as alianças que o partido atualmente faz ('inimagináveis há 20 anos'), Hunter menciona a própria candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, uma 'novata' na legenda.

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Para Hunter, o presidente Lula teve papel central na condução das mudanças, mas ela não vê as alas radicais conquistando mais espaço no governo Dilma: 'O PT está bem firme nas mãos dos moderados'.

A seguir, trechos da entrevista concedida por e-mail.

Folha - A sra. acaba de publicar um livro em que estuda as transformações por que passou o PT desde 1989. Quais as principais mudanças?

Wendy Hunter - O PT mudou a ponto de ficar quase irreconhecível em relação ao que era na década de 1980.

Um dos primeiros e mais óbvios aspectos diz respeito à moderação ideológica do partido, que pode ser percebida não apenas nos seus programas mas também em suas políticas de governo.

A expansão eleitoral do PT em todas as esferas de governo foi extraordinária. O PT cresceu lenta e consistentemente. Este último ponto é importante porque muitos partidos de esquerda na América Latina tiveram um crescimento espetacular seguido de uma queda tão rápida quanto a ascensão.

As alianças que o PT faz hoje seriam inimagináveis há 20 anos. A flexibilização do compromisso de fazer alianças apenas com partidos de esquerda foi impressionante, mesmo num país conhecido pelas coligações oportunistas. Tome como exemplo os dois últimos vice-presidentes: José Alencar (PL) e Michel Temer (PMDB).

Aliás, a atual posição do PT em relação ao PMDB, em comparação com a distância que outrora mantinha, mostra bem o quanto um processo de 'normalização' ocorreu com o partido. Basta lembrar que a história teria sido diferente se os 4,7% obtidos por Ulysses Guimarães em 1989 tivessem ido para Lula.

A eleição de Dilma Rousseff também faz parte desse 'pacote' de mudanças?

Sim, é um ponto importante a ser levado em consideração o tipo de candidato que o PT lança atualmente.

O simples fato de que a candidata à Presidência neste ano foi alguém que ingressou no partido há pouco tempo --dez anos-- é testemunha dessas mudanças. Além disso, há diversos candidatos que não vieram do sindicalismo ou dos movimentos sociais, por exemplo.

Antes, regras internas determinavam que os candidatos deveriam ou ser fundadores do PT ou ter participado das redes sociais do partido. Isso mudou muito.

Lula foi a principal figura do PT durante todo esse tempo. Qual sua participação nesse processo de transformação?

Lula teve um papel central na administração e na promoção de mudanças no PT.

Transformações programáticas que partidos fazem --por exemplo, o afastamento do socialismo e a aproximação do mercado-- precisam encontrar apoio não só no eleitorado mas também dentro da própria legenda.

Lula foi figura crucial ao encorajar o partido a ouvir mais o eleitorado e suas aspirações, sobretudo após a derrota de 1994 para Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e as muitas mudanças econômicas positivas que ocorreram na era FHC.

Ao mesmo tempo, Lula foi sensível às lutas e às dinâmicas internas do PT e soube conduzi-las de forma a apoiar um caminho moderado. Felipe González, na Espanha, e Nelson Mandela, na África do Sul, podem ser vistos de forma semelhante.

E que papel ele deve ter como ex-presidente?

Não creio que ele vá simplesmente se aposentar e ficar calado. Tampouco acredito que vá se envolver com assuntos menores da administração e do novo governo.

Acho que Lula terá um papel crucial na mediação dos conflitos que podem surgir entre o partido e o governo Dilma. Lula tem muito mais força pessoal do que Dilma, e a relação que ele tem com o PT e suas várias correntes é muito mais profunda.

Mas é importante destacar que Dilma terá a sua cota de desafios políticos à frente. O fato de que a oposição controla tantos Estados --alguns muito importantes-- será uma fonte de desafios. Teremos que ver como ela lidará com essa oposição.

Sabíamos muito mais sobre Lula e seu estilo de negociação política antes de ele chegar ao poder do que sabemos agora sobre Dilma.

O que podemos esperar do PT durante o governo Dilma? As tendências mais radicais ganharão mais espaço?

Acho que o PT está bem firme nas mãos dos moderados. Se olharmos as eleições internas do partido, veremos que não parece haver muito apoio às opções radicais.

O fato de que as figuras históricas ligadas aos antigos valores e plataformas do PT não vençam nessas disputas internas sugere que boa parte da base tornou-se moderada junto com os líderes.

Os movimentos sociais historicamente associados ao PT também parecem bastante desmobilizados. Por exemplo, há sinais de que, com a penetração de programas de assistência social, como o Bolsa Família, organizações como o MST já não conseguem conquistar adeptos como conseguiam antes.

Por fim, as evidências sugerem que o PT está 'em boas mãos' na máquina do Estado. Dilma, com suas tendências estatizantes, provavelmente não reduzirá o tamanho do Estado, o que encolheria os postos do partido.

O PT cresceu muito e hoje é a maior bancada da Câmara. O PT será o próximo PMDB?

Não acho que o PT vá se tornar um partido de sustenção no sentido que tem sido o PMDB: fraco ideologicamente, aberto a fazer alianças com qualquer um e com grandes diferenças entre seus políticos.

Acho que o PT ainda mantém diferenciais o suficiente para não regredir para algo desse gênero.

É claro que o governo Dilma deverá seguir a lógica do presidencialismo de coalizão em alguma medida, ainda mais que o primeiro governo Lula, mas diria que haverá muitos nomes do PT entre os próximos ministros.

Por outro lado, o vigoroso apoio do governo Lula nos Estados menos desenvolvidos e seu relativo enfraquecimento nas áreas mais desenvolvidas --em parte resultado dos padrões de gasto dos governos Lula-- certamente sugerem uma inversão na base de apoio histórica do PT e um movimento para se tornar um partido mais parecido com o PMDB.

A sra. concorda com quem diz que o PT se tornou um partido cuja principal preocupação é a manutenção do poder?

Eu não iria tão longe. Todos os partidos precisam se manter no poder e sobreviver politicamente para atingir outros objetivos.

Sim, o PT certamente abandonou muito de sua velha ênfase no 'governo ético' para jogar o jogo duro da política no Brasil.

Mas é preciso considerar também um outro aspecto, o qual coloca pelo menos Lula --se não o partido-- em uma perspectiva mais positiva.

Enquanto o PT e o governo Lula têm sido criticados por se desviarem de seus compromissos históricos com os mais pobres e marginalizados, eles têm implementado políticas que de fato levaram a uma significante redução da pobreza, com avanços no cenário da desigualdade.

Então, desse ponto de vista, eles fizeram uma diferença positiva em direção as suas metas iniciais, ainda que não exatamente por meio das políticas que defendiam no passado.

Na sua avaliação, as transformações ocorridas no PT foram positivas ou negativas?

Um pouco de cada.

De um lado, o sistema político perde por não ter um partido que se apegue à bandeira de um governo mais ético.

Parece preocupante que a eleição de Dilma tenha se baseado tanto no uso da máquina por um presidente da República que é do mesmo partido. E atitudes do PT em eventos-chave, como a absolvição de José Sarney, não são positivas no que diz respeito a um governo melhor.

Por outro lado, a transformação do PT se deu junto com e contribuiu para a consolidação da democracia no Brasil.

O PT no poder --o que, por si só, só poderia acontecer como resultado de sua transformação, ou normalização (a aceitação pelo PT tanto do mercado quanto da lógica da política brasileira)-- continuou e aprofundou tendências de redução da pobreza e da desigualdade social.

O ponto é: talvez um governo de esquerda mais radical pudesse ter feito mais nessas dimensões, mas as conquistas da esquerda moderada, como as de Michelle Bachelet [ex-presidente do Chile] e Lula, pelo menos serão mais sustentáveis devido à solidez maior da base fiscal e do apoio político.

Como as mudanças por que passou o PT 'conversam' com as transformações ocorridas na sociedade brasileira?

Às vezes é necessário dar um passo atrás para pensar as eleições de 1989 em comparação com as atuais.

Na disputa entre Lula e Fernando Collor de Mello, os principais meios de comunicação claramente anunciavam uma catástrofe caso Lula vencesse. Os militares mantiverem os olhos bem abertos naquela eleição. Os mercados financeiros estavam 'apavorados'.

Em resumo, a atmosfera era muito polarizada entre duas figuras cujos partidos não tinham muitas cadeiras no Congresso Nacional.

Agora, atores externos à disputa ficam afastados. Por exemplo, a Globo não tem papel central na tentativa de determinar o resultado. Os militares se mantêm completamente ausentes. Após 2002, a comunidade financeira já não ameaça tirar o dinheiro do país caso a esquerda vença.

Em resumo, a democracia brasileira se consolidou nos últimos 20 anos.

Os três principais candidatos deste ano foram pessoas sérias com sólidos currículos e plataformas políticas críveis. O mesmo não pode ser dito a respeito de muitos outros países. O Brasil realmente pode ficar orgulhoso de quão longe chegou.

Na década de 1980, quem acreditaria que o PT teria o governador da Bahia ou que o candidato à Presidência pelo partido teria um apoio tão maciço no Maranhão?

Naquela época, analistas, brasileiros e estrangeiros, escreviam livros sobre a persistência do poder dos militares e da direita. As máquinas oligárquicas de Antonio Carlos Magalhães e outros políticos nordestinos davam a impressão de que permaneceriam por um longo período.

No entanto, a nova geração de cientistas políticos está ocupada escrevendo livros sobre o declínio do clientelismo nesses lugares.

Sim, é claro que o PT se adaptou para caber na lógica da política brasileira, mas quem duvidar de que mudanças significativas podem acontecer deveria pensar uma segunda vez.

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Folha de S.Paulo - Editoriais: Educação precária
- 28/11/2010

Folha de S.Paulo - Editoriais: Educação precária<br> - 28/11/2010: "Educação precária

Tem se tornado cada vez mais grave o problema da falta de professores em escolas da rede estadual paulista. É possível encontrar em São Paulo alunos que chegam a ficar até seis meses sem aulas de várias disciplinas.
São múltiplas as causas da escassez de docentes. Há desinteresse pela profissão, que perdeu prestígio social e oferece condições inadequadas de trabalho e baixos rendimentos. Apesar do crescimento recente no total de formandos em licenciaturas, persiste no Brasil um deficit de cerca de 100 mil docentes nas áreas de matemática e ciências.
A isso se soma um problema gerencial, de responsabilidade dos sucessivos governos estaduais. É crescente a dependência da rede de ensino paulista de professores temporários. Não sendo funcionários concursados do Estado, eles atendem às necessidades da Secretaria da Educação em escolas onde faltam docentes. Apesar da precariedade inerente à função, e da falta de vínculo com colégios e estudantes, esse contingente já representa 46% dos professores.
A deficiência atinge também a direção das escolas. Em São Paulo, um quarto dos diretores são temporários. O número cada vez maior de docentes e administradores em situação precária, e sua alta rotatividade, prejudica a qualidade de ensino e o aprendizado dos alunos, como demonstrou estudo do próprio governo.
O problema se agrava porque uma parcela dos professores temporários deve se submeter a uma lei estadual de 2009 segundo a qual funcionários do Estado contratados sem concurso podem trabalhar no máximo por um ano ininterrupto. Após esse período, devem ficar afastados de suas funções por 200 dias para evitar vínculo empregatício.
O período de 'quarentena' contribui para aumentar a lacuna de docentes efetivos. O governo quer enfrentar o problema eliminando o período de afastamento. Com isso, reforça a percepção de que se trata de uma política deliberada, para evitar aumentos permanentes de custos, mesmo que isso represente sacrifício à qualidade.
Considerando o papel estratégico da educação e os maus resultados dos governos paulistas nessa área, melhor seria ampliar os concursos e prover as escolas de um corpo de professores permanente, bem remunerado e motivado.

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Com Texto Livre: Dráuzio Varella

Com Texto Livre: Dráuzio Varella: "Dráuzio Varella
'No mundo atual está se investindo cinco vezes mais em remédios para virilidade masculina e silicone para mulheres do que na cura do Mal de Alzheimer. Daqui a alguns anos, teremos velhas de seios grandes e velhos de pinto duro, mas eles não se lembrarão para que servem.'

Dráuzio Varella

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Morte na internet - 28/11/2010 - Prospect

Morte na internet - 28/11/2010 - Prospect: "Morte na internet
Prospect
Yorick Wilks

* Sistema de computador pode construir um quadro narrativo da vida de uma pessoa para a posteridade

Sistema de computador pode construir um quadro narrativo da vida de uma pessoa para a posteridade

Com que frequência você gostaria de falar com alguém que já morreu? Quantas perguntas você adoraria fazer a seus entes queridos que partiram? Graças à tecnologia, a oportunidade para fazer isso não está tão distante.

Grande parte de nossas vidas já é armazenada na internet – não só em e-mails e documentos que escrevemos, mas em nossas fotos e vídeos, que compartilhamos em sites como o Facebook, Flickr e YouTube. Companhias como a Microsoft, Google e Vodafone oferecem espaço de armazenamento livre em troca dos nossos dados; acessando nossas memórias, gostos e registros. Mas o que acontece com tudo isso quando morremos?

Um projeto financiado pela Comissão Europeia chamado Companions, que eu coordenei durante seus dois primeiros anos e agora está chegando ao fim, criou um programa de computador teste chamado “Senior Companion”: um agente de conversa projetado para interagir com uma pessoa por um longo período, descobrindo seus gostos e hábitos. Por enquanto, isso seria mais adequado para pessoas idosas, que moram sozinhas e querem companhia, e que precisam ser lembradas da hora de tomar o remédio, por exemplo. Ele também poderia, entretanto, ajudar a construir um quadro narrativo da vida de uma pessoa para a posteridade.

No momento, só as pessoas com talento, recursos e tempo livre tendem a escrever autobiografias. Mas, se o projeto Companions ou seus sucessores funcionarem, podemos ser capazes de reunir alum tipo de autobiografia para nossos filhos. Os idosos normalmente possuem um monte de fotos antigas; logo essas imagens serão digitais. O “Senior Companion” começa perguntando ao seu proprietário quem é que está em cada foto, onde ela foi tirada e qual é a sua importância. Dessa forma, o programa pode guardar uma série de memórias mesmo depois que o dono partiu.

Isso pode parecer um projeto futurista, mas os japoneses já mostraram que existe um mercado para dispositivos surpreendentemente primitivos desse tipo se eles conseguirem atingir um nível aceitável de naturalidade de voz e modos. A base técnica para os programas Companion é uma área de pesquisa chamada “aprendizado de máquina”: a capacidade de um computador aprender, dentro de limites, coisas que não sabia antes. Um exemplo bem sucedido disso é a tecnologia de reconhecimento de voz: o iPad, por exemplo, agora vem com um software que faz a transcrição quase que completa de voz para texto.

O mesmo processo permitiria ao Companion imitar a voz de seu dono. A insistência de Stephen Hawkings de manter sua voz eletrônica de 20 anos mascarou os grandes avanços feitos nesse terreno. Os sistemas de navegação via satélite para carros, por exemplo, oferecem uma ampla variedade de vozes artificiais plausíveis com uma série de sotaques. Depois de anos questionando sobre a vida de seu dono, um Companion com certeza produziria uma aproximação convincente de sua voz. Ele também teria acesso a um conjunto imenso de imagens, e-mails e documentos que criariam um quadro detalhado da história de vida de seu dono. A partir disso, não é difícil imaginar um Companion continuar, depois da morte de seu dono, a responder perguntas sobre a vida dele – com sua própria voz.

Ray Kurzweil, pioneiro da computação que construiu a primeira máquina de escrever que reconhecia voz, está dedicando sua velhice a produtos para a saúde para que ele possa viver o suficiente para se beneficiar do que ele acredita que será o próximo grande avanço técnico: a reprodução de cada célula do cérebro humano num computador, ou “in silico”, como ele diz. Um Companion que simulasse uma pessoa morta seria bem menos radical que isso: ele poderia imitar o comportamento, mas não teria nenhuma ligação com nenhuma estrutura do cérebro ou do corpo da pessoa que partiu. Não seria nada além, talvez, de uma forma computadorizada e atualizada dos vídeos de adeus feitos pelos mortos que agora são mostrados em seus enterros, ou em alguns túmulos modernos, que, em vez de ter um memorial na pedra, têm um vídeo que funciona com energia solar e é ativado por um interruptor.

Já existem quatro grandes tipos de sites dedicados aos mortos: sites de memorial e homenagem criados para os que já partiram; “caixas fechadas” de bens e segredos para sobreviventes que protegem os interesses do indivíduo depois de sua morte; sites de “legado” contendo os últimos desejos e e-mails para serem revelados ou enviados depois da morte de um indivíduo; e sites de “história da vida” que administram material autobiográfico para um criador individual, para deixar algum tipo de auto-apresentação da vida da pessoa.

Dado tudo o que já existe, então, devemos com certeza começar a ver dispositivos como o Companion nos próximos anos. Alguns podem achar que o programa que assume a voz e a imagem do morto na tela é uma forma inaceitável de “imortalidade”. Mas parece inevitável que, no futuro, os mortos falem – então vale a pena considerar qual formato que essa conversa deve ter.

(Yorick Wilks é pesquisador sênior do Oxfort Internet Institute.)

Tradução: Eloise De Vylder

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"Nuovo Cinema Paradiso" Final Scene

Wikileaks põe em xeque diplomacia norte-americana - Globo - DN

Wikileaks põe em xeque diplomacia norte-americana - Globo - DN: "Aliados dos EUA estão a ser alertados para divulgação de correio diplomático.

As revelações sobre o Afeganistão foram um choque, porque pela primeira vez o mundo teve acesso a documentos secretos norte-americanos. As informações sobre a guerra do Iraque, um incómodo, pois revelaram como os EUA ignoraram violações dos direitos humanos. Mas as próximas revelações do site Wikileaks, criado por Julian Assange, prometem pôr em causa as relações de Washington com os seus aliados.

Nos próximos dias (pode mesmo ser já hoje), devem ser divulgados mais de dois milhões de documentos da correspondência diplomática do Departamento de Estado com as embaixadas dos EUA em todo o mundo, datados dos últimos cinco anos. Washington já começou a avisar os aliados, reconhecendo que as revelações podem 'criar tensões' e preparando-se para o 'pior cenário'.

No caso da Rússia, por exemplo, estarão em causa 'comentários sobre a política russa e 'apreciações desagradáveis' sobre alguns dirigentes do país', segundo o jornal Kommersant. Nas informações referentes à Turquia, haverá dados sobre o apoio dos EUA aos rebeldes curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, refugiados no Iraque, assim como do apoio dos turcos à Al-Qaeda. Tudo negado pelos diplomatas.

'A Wikileaks é um obstáculo absolutamente terrível ao meu trabalho, que consiste em ter discussões de confiança com as pessoas', disse o embaixador dos EUA em Bagdad, James Jeffrey. 'Vai ser um golpe à capacidade de fazer o nosso trabalho', indicou. Entre os países que foram avisados encontra-se Israel, Reino Unido, Noruega, Dinamarca, Finlândia ou Itália.

A embaixada dos EUA em Lisboa, contactada pelo DN, não comenta as novas revelações. Mas diz que as divulgações da Wikileaks são uma 'tentativa irresponsável de destruir, enfraquecer e destabilizar a segurança global'. E lembra que os telegramas diplomáticos 'não devem ser encarados, por si só, como representativos das políticas dos EUA'.

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sábado, 27 de novembro de 2010

Observatório da Imprensa - Mauro Malin - Fruto da tortura deve ser repudiado - 23/11/2010

Observatório da Imprensa - Mauro Malin - Fruto da tortura deve ser repudiado - 23/11/2010: "ANOS DE CHUMBO
Fruto da tortura deve ser repudiado

Por Mauro Malin em 23/11/2010

Estão cobertos de razão, no caso dos documentos da ditadura sobre a atuação política de Dilma Rousseff, os que impugnam liminarmente tudo que foi obtido sob tortura. Ora, como podem os jornalistas construir reportagens com base no que ficou registrado judicialmente após a militante presa ter sido submetida a torturas? O Estado de S.Paulo, na edição de sábado (20/11), abordou o assunto com propriedade. Tanto na reportagem de Tatiana Fávaro como no comentário de Marcelo Godoy, o contexto em que foi produzida a papelada é colocado em relevo. A Folha de S.Paulo e o Globo, entretanto, tomaram ao pé da letra o legado dos esbirros.

Os três jornais, infelizmente, valorizam o fato de que a torturada tenha revelado isso ou aquilo. Cobrar de um torturado que se mantenha em silêncio (isso era chamado 'ter bom comportamento') foi expediente stalinista inaugurado no Brasil pelo PCB.

Muito anos atrás, fiz na França um trabalho universitário sobre a política do Partido Comunista Italiano. Não encontrei, na considerável literatura compulsada, nenhuma 'cobrança' em relação a 'comportamento' de torturados. Nem na Itália, nem na França, nem em qualquer outro lugar onde agiram a Gestapo e outros organismos de repressão política. Lembro-me de ter comentado várias vezes o assunto com meu amigo Armenio Guedes, veterano dirigente comunista, e ter obtido sempre a mesma resposta: 'Depois da guerra, ninguém na Europa se mostrou interessado em discutir quem falou ou não falou sob tortura. Isso não faz sentido.'

Lição para as atuais e futuras gerações

A tortura, escreveu um sobrevivente da Gestapo e de Auschwitz, Jean Améry, 'é o mais horrível evento que um ser humano pode reter na memória'. Quando, portanto, jornais transcrevem 'revelações' escritas por algozes, descem aos porões enlameados que eram o universo de eleição dos torturadores.

Em relação ao que Dilma Rousseff possa ter feito ou deixado de fazer ao longo de sua militância, remeto a tópico que escrevi em agosto sobre reportagem da revista Época. Chama-se 'Revista ignora a anistia'.

O melhor aproveitamento que pode ser dado à documentação sobre Dilma Rousseff é usá-la para denunciar a tortura ‒ ainda em pleno uso contra 'presos comuns' ‒ e a repressão política. Essa é a lição que precisa ficar para as atuais e futuras gerações de brasileiros.

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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Folha de S.Paulo - Editoriais: Saúde desigual
- 25/11/2010

Folha de S.Paulo - Editoriais: Saúde desigual<br> - 25/11/2010: "Saúde desigual

Pelo menos dois tipos de desigualdade afetam a oferta de serviços de saúde no Brasil: as regionais e as de acesso da população a equipamentos e profissionais mesmo onde não há carência deles. O diagnóstico está no relatório 'Assistência Médico-Sanitária 2009', do IBGE.
O estudo constatou a existência de apenas 2,3 leitos por mil habitantes, no país, cifra inferior ao preconizado pelo Ministério da Saúde (2,5 a 3 leitos). Só a região Sul se sai bem, com 2,6.
A má distribuição geográfica de recursos se evidencia também no tocante a postos de trabalho médicos. No Norte, há 1,9 profissional por mil pessoas. No Sudeste são 4,3. Para piorar a situação, 40% dos profissionais trabalham nas capitais dos Estados.
Morar numa capital do Sul ou do Sudeste, contudo, não garante que os serviços sejam prestados no tempo devido. Se a pessoa depender da rede pública de hospitais ou de estabelecimentos particulares conveniados com o SUS, é provável que enfrente filas.
A desigualdade se manifesta de forma inequívoca no acesso a equipamentos para diagnóstico por imagem. São ferramentas basilares da medicina contemporânea, como aparelhos de tomografia, ressonância magnética e mamografia, entre outros.
É verdade que houve aumento de 27% na quantidade de aparelhos, de 2005 a 2009. No entanto, isso não solucionou o problema da desigualdade: unidades do SUS, que atendem 75% da população, concentram meros 40% dos equipamentos.
A distorção é gritante. Tome-se o exemplo da ressonância magnética: há 1,9 máquina por milhão de habitantes na rede do SUS, contra 19,8 nos estabelecimentos que atendem os planos de saúde privados. A média do Brasil é 6,3 e a de países industrializados, 11.
Tal estado de coisas não irá se alterar sem um programa bem focalizado de melhoria de acesso. Não basta, obviamente, comprar equipamentos caros e deixá-los enferrujar em prédios vazios -como ainda se vê em alguns casos. É preciso ter pessoal treinado para operá-los e mantê-los.

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Folha de S.Paulo - Contardo Calligaris: A coerência é um valor moral? - 25/11/2010

Folha de S.Paulo - Contardo Calligaris: A coerência é um valor moral? - 25/11/2010: "A coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia e, talvez, de quem tem pouca coragem


NO FIM de semana retrasado, estive em Olinda, na Fliporto (Feira Literária Internacional de Pernambuco). No sábado, Benjamin Moser, que escreveu uma linda biografia de Clarice Lispector ('Clarice,', Cosac Naify), lembrou que, na famosa entrevista concedida à TV Cultura em 1977, a escritora afirmou que não fizera concessões, não que soubesse.
Moser acrescentou imediatamente que ele não poderia dizer o mesmo. E eis que o público se manifestou com um aplauso caloroso.
Talvez as palmas de admiração fossem pela suposta coerência adamantina de Clarice, que nunca teria feito concessões na vida. Talvez elas se destinassem a Benjamin Moser pela admissão sincera de que ele (como todos nós) não poderia dizer o mesmo que disse Clarice.
Tanto faz. Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo. Que as palmas fossem pela força de caráter de Clarice ou pela honestidade de Moser ao reconhecer sua própria fraqueza, de qualquer forma, não fazer concessões parecia ser, para os presentes, uma marca de excelência moral.
A pergunta surgiu em mim na hora: será que é mesmo? Posso respeitar a tenacidade corajosa de quem se mantém fiel a suas convicções, mas no que ela difere da teima de quem se esconde atrás dessa fidelidade porque não sabe negociar com quem pensa diferente e com o emaranhado das circunstâncias que mudam? Aplicar princípios e nunca se afastar deles é uma prova de coragem? Ou é a covardice de quem evita se sujar com as nuances da vida concreta?
Como muitos outros, se não como todo mundo, cresci pensando que não fazer concessões é uma coisa boa.
Fui criado na ideia de que há valores não negociáveis e mais importantes do que a própria vida (dos outros e da gente). Talvez por isso me impressionasse a intransigência dos mártires cristãos (embora eu tivesse uma certa simpatia envergonhada por Pedro renegando Jesus para evitar ser reconhecido e preso).
Durante anos admirei os bolcheviques por eles serem homens de ferro (a expressão é de Maiakóvski, nada a ver com 'Iron Man') e desprezei Karl Kautsky, que Lênin estigmatizou para sempre como 'o renegado Kautsky', por ele ter mudado de opinião sobre a Primeira Guerra, sobre a revolução proletária, sobre o bolchevismo etc.
Vingança da história: Lênin se tornou quase ilegível, mas a obra principal de Kautsky, que acaba de ser traduzida, 'A Origem do Cristianismo' (Civilização Brasileira), continua crucial.
Mas voltemos ao assunto. Hoje, estou mais para Kautsky do que para bolchevique; até porque descobri, desde então, que Mussolini se vangloriava gritando: 'Eu me quebro, mas não me dobro'. Ele se quebrou mesmo, enquanto eu me dobro e posso renegar ideias minhas que pareçam ser, de repente, inadequadas ao momento (dos outros, do mundo e meu).
Olhando para trás, descubro (com certo orgulho) que, ao longo da vida, fiz inúmeras concessões, inclusive na hora de escolhas fundamentais. Poucas vezes lamentei não ter sido coerente. Mas muitas vezes lamento não ter sabido fazer as concessões necessárias, por exemplo, na hora de ajustar meu desejo ao desejo de pessoas que amava e de quem, portanto, tive que me afastar.
Alguém dirá: espere aí, então a fidelidade a princípios e valores não é uma condição da moralidade?
Estou lendo (vorazmente) 'O Ponto de Vista do Outro', de Jurandir Freire Costa (Garamond). O livro é, no mínimo, uma demonstração de que a forma moderna da moral não é o princípio, mas o dilema. E, no dilema, o que importa não é a fidelidade intransigente a valores estabelecidos; no dilema, o que importa é, ao contrário, nossa capacidade de transigir com as situações concretas e com os outros concretos.
A coerência é uma virtude só para quem se orienta por princípios. Para o indivíduo moral, que se orienta (e desorienta) por dilemas, a coerência não é uma virtude, ao contrário, é uma fuga (um tanto covarde) da complexidade concreta. Oscar Wilde, que é um grande fustigador de nossas falsas certezas morais, disse que 'a coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia' e, eu acrescentaria, de quem tem pouca coragem.
Resta absolver Clarice. Aquela frase da entrevista era, provavelmente, apenas uma reverência retórica a um lugar-comum de nosso moralismo trivial.

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Carta Maior - Venício Lima - Publicidade oficial: onde o calo dói

Carta Maior - Venício Lima - Publicidade oficial: onde o calo dói: "Publicidade oficial: onde o calo dói

Ao final de dois mandatos, a mudança de orientação na distribuição das verbas oficiais de publicidade ficará na história como talvez a principal contribuição do governo Lula no sentido da democratização das comunicações. Isso pode explicar muito do comportamento da grande mídia nos últimos anos.

Venício Lima

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa


No auge da disputa eleitoral de 2010, quando o governo e a grande mídia faziam acusações mútuas, o presidente Lula, em entrevista concedida ao portal Terra, travou o seguinte diálogo com seus entrevistadores:

Terra – (...) O senhor tem feito críticas duras, dizendo que a imprensa, a mídia tem um candidato e não tem coragem de assumir e, ao mesmo tempo, o contraditório diz que existiria um Projeto Político (...) para 'enquadrar meios de comunicação'. (...) O que mais incomoda o senhor: é a cobertura (ser) crítica de um lado e não existir a investigação sobre os demais candidatos? Seria isso? (...) O senhor está dizendo que ela [a imprensa] é desequilibrada? Só está cobrindo um lado e não está cobrindo...

Presidente Lula – (...) Eu acho que a imprensa está cumprindo um papel importante quando ela denuncia. Por quê? Ou você sabe por que alguém denunciou, ou você sabe por que alguém cobriu ou você sabe por que saiu na imprensa. Quando sai alguma coisa na imprensa você vai atrás. (...) Vou te dar um exemplo, sem citar jornal. Na campanha passada, os caras diziam, 'porque o avião do Lula...', porque o Aerolula... Passando para a sociedade, disseminando umas bobagens, vai despolitizando a sociedade. Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo e as outras são dos outros governadores. Agora, uma TV para um presidente que está terminando o mandato daqui a três meses, é a TV Lula. Ou seja, esse carregamento de... composto de... de muita... de muita, eu diria, de muito preconceito ou de muita até, eu diria até, às vezes, ódio, demonstra o que? (...) [a imprensa] se comporta como se o pessoal da Senzala tivesse chegando à Casa Grande. (...) Agora, a verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é essa. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais...

Terra – Nos municípios, isto tem uma capilaridade: o chefe político tal...

Presidente Lula – Então, muita gente não gostou quando, no governo, nós pegamos o dinheiro da publicidade e dividimos para o Brasil inteiro. Hoje, o jornalzinho do interior recebe uma parcela da publicidade do governo. Nós fazemos propaganda regional e a televisão regional recebe um pouco de dinheiro do governo. Quando nós distribuímos o dinheiro da cultura, por que só o eixo Rio – São Paulo e não Roraima, e não o Amazonas, e não o Pernambuco, e não o Ceará receber um pouquinho? Então, os homens da Casa Grande não gostam que isso aconteça. (Ver aqui a íntegra da entrevista.)

No trecho da entrevista acima reproduzido, o presidente Lula atribui o comportamento desequilibrado da mídia brasileira (1) ao fato de que 'nove ou dez famílias' controlam a comunicação no país; (2) ao preconceito em relação a um operário ter chegado à presidência da República; e (3) à política de regionalização das verbas oficiais de publicidade iniciada em seu governo.

Que a grande mídia brasileira é olipolizada, fundada na propriedade cruzada dos meios e controlada por algumas poucas famílias, em grande parte vinculadas às velhas oligarquias políticas regionais e locais, é fato comprovado e sabido.

Que existe preconceito das 'elites' brasileiras em relação à ascensão política de um operário e migrante nordestino que conquistou, em processo democrático e pelo voto, por duas vezes, a presidência da Republica, é tema que tem merecido a atenção de analistas e cientistas políticos pátrios faz tempo.

Estou, todavia, interessado na regionalização das verbas oficias de publicidade.

Mudança radical

De fato, uma importante reorientação na alocação dos recursos publicitários oficiais teve início em 2003: sem variação significativa no total da verba aplicada, o número de municípios cobertos pulou de 182 em 2003 para 2.184, em 2009, e o número de meios de comunicação programados subiu de 499 para 7.047, no mesmo período (ver quadros abaixo).

REGIONALIZACAO DE VERBAS PUBLICITARIAS OFICIAIS POR DIFERENTES VEICULOS

REGIONALIZACAO DE VERBAS PUBLICITARIAS OFICIAIS POR MUNICIPIOS E POR TOTAL DE VEICULOS

Essa política de regionalização atende aos melhores princípios da 'máxima dispersão da propriedade' [ver, neste Observatório, 'Concessões de Rádio & TV: Pela máxima dispersão da propriedade'], promove a competição no mercado de comunicações, estimula o mercado de trabalho do setor e, acima de tudo, colabora para o aumento da pluralidade e da diversidade de vozes na democracia brasileira.

Há ainda um longo caminho a ser percorrido para que o Estado cumpra o seu papel e contribuía efetivamente para o cumprimento do 'princípio da complementaridade', isto é, do equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal de comunicações, como reza o artigo 223 da Constituição de 1988.

Para isso, a reorientação da distribuição dos recursos da publicidade oficial precisa contribuir, de fato, para o surgimento e a consolidação dos sistemas público e comunitário de mídia no país.

De qualquer maneira, ao final de dois mandatos, a mudança de orientação na distribuição das verbas oficiais de publicidade ficará na história como talvez a principal contribuição do governo Lula no sentido da democratização das comunicações.

Dedo na ferida

Nunca é demais lembrar que o Estado tem sido – direta ou indiretamente – uma das principais e, em muitos casos, a principal fonte de financiamento da mídia privada comercial, seja ela impressa ou eletrônica. Basta verificar quais são os maiores anunciantes dos jornais, das revistas semanais e dos telejornais das redes de televisão privadas do país.

Não é sem razão que colunista – e não os proprietários – da Folha de S.Paulo já acusou o governo Lula de estar promovendo 'Bolsa-Mídia' para uma 'mídia de cabresto' e de 'alimentar uma rede chapa-branca na base de verbas publicitárias' [cf. Fernando de Barros e Silva, 'O Bolsa-Mídia de Lula' in Folha de S.Paulo, 01/06/2009].

Talvez a reorientação da distribuição dos recursos da publicidade oficial explique muito do comportamento da grande mídia nos últimos anos. Afinal, o governo Lula colocou o dedo na ferida, ou melhor, a grande mídia sabe exatamente onde o calo dói.

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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Todos os Fogos o Fogo

Todos os Fogos o Fogo: "De Thomas Jefferson a Michael Moore


Assisti ao DVD de “Capitalismo: uma história de amor”, o documentário mais recente de Michael Moore. Superficialmente, é um filme com as características que o fazem adorado ou detestado: um panfleto ácido e bem-humorado com lógica conspiratória, que explica a crise econômica dos EUA como o resultado de um complô das elites empresariais, financeiras e governamentais, propondo como alternativa a mobilização popular para retomar o sonho americano. Mas o documentário pode ser interpretado de outro modo, como a manifestação mais recente de um padrão recorrente na história dos EUA, desde os tempos de Thomas Jefferson - a desconfiança que os defensores da democracia mantêm das grandes organizações econômicas. Moore repete, talvez sem perceber, argumentos presentes nos debates mais controversos do início da República, como a polêmica que opôs Jefferson aos federalistas pela criação do Banco dos Estados Unidos.

O banco foi idealizado por Alexander Hamilton, secretário do Tesouro. Seria de propriedade privada, mas negociaria com a dívida pública e estimularia o desenvolvimento econômico. O modelo era o Banco da Inglaterra, a bem-sucedida instituição que financiou de forma brilhante a expansão do império britânico. Mas Jefferson e seus seguidores acreditavam que o banco significaria a captura do Estado por parte de grandes interesses privados, que sem supervisão adequada desviariam os recursos públicos para seus próprios fins. Qualquer semelhança com os debates sobre a atuação do Tesouro, do Fed e do Congresso nos recentes mega pacotes de ajuda financeira não é mera coincidência.

Jefferson desconfiava de grandes burocracias e preconizava a importância de pequenos fazendeiros, autônomos e com espírito crítico, para fiscalizar a ação do Estado. Moore é um filho da prosperidade do século XX, seu modelo, como retratado no filme, é a sólida situação que sua família viveu durante sua juventude, com um pai que trabalhava na General Motors e um pacote de benefícios generosos, entre privados (plano de saúde) e públicos. Em suma, algo mais próximo ao Estado de Bem-Estar Social do que da utopia agrária de Jefferson.



O paraíso de classe média de Moore também está bastante distante da experiência contemporânea dos Estados Unidos. Nos últimos trinta anos, o país se tornou o mais desigual entre as nações desenvolvidas, como analisado em recente livro de Paul Pierson e Jacob Hacker. O 1% mais rico saltou de 8% da renda (1979) para cerca de 25% (2009). São os piores índices desde a Depressão da década de 1930. Os profissionais com menor qualificação tiveram piora considerável da renda. Em grande medida, a transformação reflete a guinada da economia industrial para serviços, como tecnologia da informação e finanças, que exigem instrução mais avançada, mas a concentração de renda também foi agravada por políticas públicas que beneficiaram os ricos, como redução de impostos.

Pierson é um dos mais respeitados especialistas na crise do Estado de Bem-Estar, na Europa e em sua versão mais modesta, dos EUA. É curioso, no entanto, que ele trate tão pouco do aspecto internacional. Será coincidência que as desigualdades sociais tenham aumentado tanto nos Estados Unidos quando a Guerra Fria acabou? A rivalidade com o comunismo e o medo da URSS foi um fator fundamental para o estabelecimento das grandes coalizões políticas das décadas de 1940-1970, que implementaram as abrangentes políticas sociais do período. Essa aliança foi rompida e nos EUA muitos conservadores inclusive repudiam as reformas do New Deal e dos anos 60.

No filme de Moore há o lamento do cineasta de que o socialismo nunca tenha sido uma ideologia política forte nos EUA. Na Europa, claro, a história foi outra, o que ajuda a explicar a permanência de boa parte dos Estados de Bem Estar naquele continente. Moore trata pouco das causas do caso americano, mas aos interessados recomendo “The Broken Covenant”, de Robert Bellah. Suas hipóteses: a fragmentação étnica dos trabalhadores americanos, dificultando a ação coletiva, e uma cultura política de matriz puritana, centrada nas virtudes do espírito individual de iniciativa, e cética diante de projetos coletivistas e de amparo governamental.

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Adital - As 10 estratégias de manipulação midiática

Adital - As 10 estratégias de manipulação midiática: "As 10 estratégias de manipulação midiática
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Noam Chomsky *

Adital -
Tradução: ADITAL

O linguista Noam Chomsky elaborou a lista das '10 Estratégias de Manipulação'através da mídia.

1. A estratégia da distração. O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. 'Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado; sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja com outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranquilas').

2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Esse método também é denominado 'problema-ração-solução'. Cria-se um problema, uma 'situação' previsa para causar certa reação no público a fim de que este seja o mandante das medidas que desejam sejam aceitas. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o demandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços púbicos.

3. A estratégia da gradualidade. Para fazer com que uma medida inaceitável passe a ser aceita basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira, condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990. Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4. A estratégia de diferir. Outra maneira de forçar a aceitação de uma decisão impopular é a de apresentá-la como 'dolorosa e desnecessária', obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrificio imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque o público, a massa tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que 'tudo irá melhorar amanhã' e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isso dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5. Dirigir-se ao público como se fossem menores de idade. A maior parte da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade mental, como se o espectador fosse uma pessoa menor de idade ou portador de distúrbios mentais. Quanto mais tentem enganar o espectador, mais tendem a adotar um tom infantilizante. Por quê? 'Ae alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, em razão da sugestionabilidade, então, provavelmente, ela terá uma resposta ou ração também desprovida de um sentido crítico (ver 'Armas silenciosas para guerras tranquilas')'.

6. Utilizar o aspecto emocional mais do que a reflexão. Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional e, finalmente, ao sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de aceeso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões ou induzir comportamentos...

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade. Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. 'A qualidade da educação dada às classes sociais menos favorecidas deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que planeja entre as classes menos favorecidas e as classes mais favorecidas seja e permaneça impossível de alcançar (ver 'Armas silenciosas para guerras tranquilas').

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade. Levar o público a crer que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto.

9. Reforçar a autoculpabilidade. Fazer as pessoas acreditarem que são culpadas por sua própria desgraça, devido à pouca inteligência, por falta de capacidade ou de esforços. Assim, em vez de rebelar-se contra o sistema econômico, o indivíduo se autodesvalida e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição de sua ação. E sem ação, não há revolução!

10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem. No transcurso dosúltimos 50 anos, os avançosacelerados da ciência gerou uma brecha crescente entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o 'sistema' tem disfrutado de um conhecimento e avançado do ser humano, tanto no aspecto físico quanto no psicológico. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que ele a si mesmo. Isso significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior do que o dos indivíduos sobre si mesmos.

* Linguista, filósofo e ativista político estadunidense. Professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts

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domingo, 21 de novembro de 2010

Altamiro Borges: O Globo e Folha “torturam” Dilma

Altamiro Borges: O Globo e Folha “torturam” Dilma: "O Globo e Folha “torturam” Dilma
Por Altamiro Borges

Ainda lambendo as feridas da derrota do seu candidato, a mídia demotucana já afia as suas armas para “torturar” a presidenta Dilma Rousseff. No seu arsenal, ela não vacila em utilizar os arquivos da ditadura, dando voz aos torturadores e carrascos. Com base num processo movido pela Folha, o Superior Tribunal Militar liberou nesta semana alguns documentos deste sombrio período. O STM bem poderia liberar também os relatórios sobre a cumplicidade da mídia com os golpistas.

Jogo sujo e combinado

Na sexta-feira, 19, o jornal O Globo – pertencente à famíglia Marinho, que ergueu o seu império com o apoio dos golpistas – foi o primeiro a explorar o arquivo. Pareceu até jogo combinado. A ávida Folha conseguiu os papéis e O Globo deu a largada com o título “Documentos da ditadura dizem que Dilma 'assessorou' assaltos a bancos”. O jornal informa que os dezesseis volumes de anotações liberados pelo STM “descrevem a ex-militante como figura de expressão nos grupos em que atuou, que chefiou greves e ‘assessorou assaltos a bancos’, e nunca se arrependeu”.

Com base nas opiniões dos carrascos, O Globo diz que Dilma era chamada de “Joana D’Arc da subversão” e que seria “uma figura feminina de expressão tristemente notável”. Ele ainda destaca o relatório sobre os militantes da VAR-Palmares escrito pelo delegado Newton Fernandes. Em 12 linhas, ele traça o “perfil” de Dilma: “Uma das molas mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pelas esquerdas radicais... É antiga militante de esquemas subversivo-terroristas... Trata-se de uma pessoa de dotação intelectual bastante apreciável”.

O rótulo de “terrorista”

No sábado, 20, foi a vez de a Folha fazer escarcéu com os documentos. Sem contextualizar a luta de resistência à ditadura – inclusive reconhecendo que a famíglia Frias apoiou o golpe e até ajudou a transportar presos políticos para a tortura –, o jornal estampou na capa: “Dilma tinha o código de acesso a arsenal usado por guerrilha”. A matéria informa que a “revelação foi feita em 1970 sob tortura por ex-colega da petista na luta armada”. Nas entrelinhas, fica implícito o seu objetivo de carimbar em Dilma Rousseff o rótulo de “terrorista”.

“A presidente eleita zelava, junto com outros dois militantes, pelo arsenal da VAR-Palmares... Entre os armamentos, havia 58 fuzis Mauser, 4 metralhadoras Ina, 2 revólveres, 3 carabinas, 3 latas de pólvora, 10 bombas de efeito moral, 100 gramas de clorofórmio, 1 rojão de fabricação caseira, 4 latas de ‘dinamite granulada’ e 30 frascos com substâncias para ‘confecção de matérias explosivas’, como ácido nítrico. Além de caixas com centenas de munições”. Noutro trecho, diz que este arsenal foi usado em assaltos a bancos e mercados e que Dilma Rousseff era informada destas “operações armadas” com três dias de antecedência.

Enfrentar os saudosos da ditadura

As duas primeiras “reporcagens” com base nos arquivos da ditadura liberados pelo STM comprovam que a mídia demotucana não dará trégua à presidenta eleita. O objetivo é enquadrá-la, ameaçando com seu arsenal de baixarias, e desgastá-la. Neste esforço, a mídia oligárquica, que clamou pelo golpe militar de 1964 e que apoiou ativamente os generais-carrascos, tentará omitir os seus próprios crimes. É preciso firmeza para enfrentar os saudosos da ditadura militar. Dilma Rousseff foi uma heroína da luta pela democracia; já a mídia golpista foi cúmplice das torturas e assassinatos.

É preciso manter a mesma coragem que a ex-ministra demonstrou quando foi “interrogada” pelo senador Agripino Maia, em 2008. Na ocasião, diante do demo, ela relatou as bárbaras torturas que sofreu e reafirmou a sua luta contra a ditadura. “Qualquer comparação entre a ditadura militar e a democracia brasileira só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira... Eu tinha 19 anos. Fiquei três anos na cadeia. E fui barbaramente torturada, senador... E isso, senador, faz parte e integra a minha biografia, de que tenho imenso orgulho”.

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Jornalismo frágil à brasileira - Trabalho Sujo - OESQUEMA

Jornalismo frágil à brasileira - Trabalho Sujo - OESQUEMA: "Jornalismo frágil à brasileira

Fecho o ciclo do processo colaborativo: postei por aqui aqueles adesivos de Tom Scott e o Idelber se dispôs a traduzir no próprio post. O Tiagón pegou a tradução do Idelber e rediagramou os adesivos, uploadando-os num arquivo de PDF, que foi transformado num JPG graças a outro Thiago. E ei-los aqui, agora à brasileira. Imprima-os e saia pregando-os por aí.

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Folha de S.Paulo - Melchiades Filho: Dilma e o baú da felicidade
- 21/11/2010

Folha de S.Paulo - Melchiades Filho: Dilma e o baú da felicidade<br> - 21/11/2010: "MELCHIADES FILHO

Dilma e o baú da felicidade

Lula sempre teve uma relação próxima com a imprensa.
É vaidoso, gosta de aparecer e sabe que os jornais o ajudaram a conquistar e garantir espaço político, principalmente na reabertura democrática.
Dilma nada tem de frívola e até a campanha manteve distância dos jornalistas, desconfiada ou mesmo convencida de que só atrapalham, quando não representam 'o inimigo'.
É seu DNA brizolista.
Não é certo, porém, que, em razão das diferenças de personalidade e trajetória, a futura presidente atuará mais ostensivamente do que o padrinho contra as grandes empresas de comunicação do país.
Lula deu bordoadas sucessivas na imprensa não só para atiçar patrulhas e esvaziar denúncias, mas, sobretudo, para reforçar a imagem de pai dos pobres e vítima das elites. Os vilões de outros momentos (usineiros, banqueiros, coroneis etc.) estavam todos no governo. Sobrou para 'a mídia'.
Dilma não tem perfil para replicar a estratégia. O marqueteiro da campanha não a pintou como coitadinha. Destacou 'a mulher que decide'.
Outro senão é que Dilma terá de escolher meticulosamente as primeiras batalhas.
A macroeconomia e a aliança com o PMDB já prometem dor de cabeça o suficiente.
Ademais, como todo chefe de governo em início de mandato, ela será pressionada a produzir boas notícias. Por que torpedear justamente quem poderá veiculá-las?
Mas há mais uma razão para Dilma, a despeito do discurso beligerante do PT, não gastar tempo e energia contra a radiodifusão e a grande imprensa: a ofensiva, silenciosa, já foi feita, sob amparo da tendência de mercado.
Neste ano o governo Lula:
* acionou os fundos de pensão estatais e chancelou o acordo que passará a portugueses a 'supertele nacional';
* decidiu abrir às teles o mercado da TV a cabo;
* lançou um plano nacional da banda larga, nas mãos de uma estatal com R$ 15 bilhões para escolher quem contratar;
* fechou os olhos à entrada dissimulada de capital estrangeiro na imprensa/internet;
* ampliou a publicidade em órgãos menos independentes. Coordenadas ou não, essas medidas alteram a correlação de forças na iniciativa privada -ampliam a margem de ação de múltis telefônicas e/ou têm potencial para enfraquecer algumas empresas nacionais. As teles investem por ano no Brasil R$ 20 bilhões -oito vezes o patrimônio total do Grupo Silvio Santos.
A aposta no Planalto é que vários empresários brasileiros terão de pedir água e, em troca de barreiras protecionistas, aceitar, senão pedir, mudanças na lei das telecomunicações -ideia que hoje rejeitam. Caberia a Dilma, nesse cenário, arbitrar não apenas a nova conjuntura de mercado, mas também o debate sobre o 'papel' da imprensa.

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sábado, 20 de novembro de 2010

Moralismo, ignorância e… depressão

Moralismo, ignorância e… depressão: "Moralismo, ignorância e… depressão
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– 16/11/2010Posted in: Capa
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Por Paul Krugman | Imagem: Fernando Botero

Quantos de vocês querem pagar a hipoteca do vizinho que construiu um banheiro a mais e agora não pode pagar suas prestações? A pergunta já célebre do comentarista econômico Rick Santelli, na rede de TV CNBC, em 2009, foi para muitos o ponto de partida do movimento Tea Party. É um sentimento que ecoa não apenas nos Estados Unidos, mas em boa parte do mundo.

O tom varia, de um lugar a outro: ao escutar, há semanas, um funcionário alemão denunciando o déficit, minha mulher sussurou: “na saída, vão distribuir chicotes, para que todos possamos nos flagelar”. Mas a mensagem é a mesma: a dívida é má, os devedores devem pagar por seus pecados e de agora em diante todos viveremos de acordo com nossos meios.

Este tipo de atitude moralista explica por que estamos mergulhados numa depressão econômica aparentemente sem fim. Os anos anteriores à crise de 2008 foram marcados por um endividamento insustentável. Ele significou muito mais que os créditos de alto risco vistos ainda hoje, erroneamente, como a origem do problema.

A especulação imobiliária atingiu a Flórida e Nevada, mas também a Espanha, Irlanda e Letônia. Tudo era pago com dinheiro emprestado. Tal endividamento tornou o mundo mais vulnerável. Quando os dirigentes decidiram que haviam emprestado demais, e que os níveis da dívida eram excessivos, os devedores viram-se obrigados a cortar gastos. O movimento precipitou o mundo na recessão mais profunda desde 1930. E a recuperação, até o momento, é débil e incerta

O essencial a considerar é que, para o mundo em seu conjunto, receita é igual a gasto. Se um grupo de pessoas – os que têm dívidas excessivas – vê-se obrigado a deixar de gastar para pagar seus débidos, ou outro grupo tem de gastar mais, ou a receita despenca.

No entanto, os setores do setor privado que não enfrentam dívidas excessivas não vêem motivos para aumentar o investimento. E os consumidores que não se sobreendividaram podem conseguir crédito a taxas reduzidas – mas este incentivo para gastar mais é superado pelas preocupações geradas por um mercado de trabalho frágil. Ou seja: ninguém no setor privado está disposto a preencher o vazio criado pelo excesso de dívidas.

Que deveríamos fazer? Em primeiro lugar, os governos deveriam gastar enquanto o setor privado não o faz, para que os devedores possam pagar suas dívidas sem tornar eterna uma depressão global. Além disso, deveriam promover uma redução da dívida.

Mas os moralistas não permitem nada disso. Denunciam o gasto, declarando que os problemas de endividamento não podem ser resolvidos com mais dívidas. Denunciam a redução da dívida, dizendo ser uma recompensa para quem não merece.

E se alguém lhes assinala que seus argumentos não param em pé, enfurecem-se. Tente explicar-lhes que se os devedores gastarem menos, a economia se deprimirá, a não ser que outros gastem mais, e te chamam de socialista. No ano passado, quase todos caçoaram de John Boehner, líder da minoria do Partido Republicano na Câmara, quando declarou: “é hora do governo apertar o cinto”: quando o gasto privado se reduz, o Estado deve gastar mais, não menos. Mas desde então, o presidente Obama utilizou-se da mesma metáfora diversas vezes, prometendo completar o aperto dos cintos no setor privado com corte de gastos públicos.

Falta-lhe coragem para polemizar com as falsas ideias populares? Ou é simplesmente preguiça intelectual? De qualquer modo, se o presidente não defende a lógica de suas políticas, quem o fará?

O programa de modificação do regime hipotecário do governo – que inspirou a gracinha de Santelli – não alcançou quase resultado algum. Uma das razões é que os funcionários estavam tão preocupados em não ser acusados de ajudar a quem não merecia que ao final não ajudaram quase ninguém. Ou seja: os moralistas estão ganhando. Cada vez mais eleitores, nos Estados Unidos e Europa, estão convencidos de que precisamos de castigo – não de estímulo. Os Estados devem apertar os cintos; os devedores devem pagar o que devem.

A ironia é que em seu afã de castigar os que “não merecem”, castigam-se a si próprios. Rechaçando o estímulo fiscal e a redução da dívida, perpetuam o desemprego elevado.

Estão, na verdade, reduzindo seus empregos para fustigar a seus vizinhos. Mas não o sabem. E como não o sabem, a depressão continuará.

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Carta Maior - Luís Carlos Lopes - Mídias e os tempos sombrios da ditadura militar

Carta Maior - Luís Carlos Lopes - Mídias e os tempos sombrios da ditadura militar: "DEBATE ABERTO
Mídias e os tempos sombrios da ditadura militar

Dilma nem chegou ao governo e já enfrenta uma onda de acusações. Como nada podem falar do presente, foram buscar no passado lenha para acender suas fogueiras prediletas. Esta visão inquisitorial tem uma triste história no Brasil, desde o passado colonial.

Luís Carlos Lopes

A intriga e a calúnia continuam a assombrar aos brasileiros. As grandes mídias insistem na desqualificação da presidenta eleita. Foram como abutres aos arquivos oficiais do Estado para conseguir combustível, insistindo na tese de que a eleita é uma ‘criminosa’, não tendo por isto condições e legitimidade para governar. Querem continuar um processo que já foi encerrado.

Agora, o objetivo não é mais de ganhar a eleição. Já perderam. O que desejam é paralisar a eleita, fazendo-a reviver o pesadelo de sua juventude. Lembrar o que ela já foi, obviamente, na versão parcial e difamatória a que estão acostumados. Afinal, o Estado sempre foi ‘pilotado’ por homens que jamais se levantaram contra a simbiose desse com as elites do país.

Lula sempre incomodou por ser um líder operário, grevista, que desafiou a ditadura militar e criou com os sindicatos combativos e a esquerda atomizada do final dos anos setenta, o Partido dos Trabalhadores. Nunca antes, isto havia ocorrido na história do país, cheia de ‘personalidades’ e compromissos com os mesmos de sempre.

A real politik alcançou o PT e o ímpeto mais radical de origem foi contido. Seguiu-se no país uma tendência generalizada no mundo de depois da queda do Muro de Berlim. No atual contexto, os neoliberais tentam de todo jeito ganhar terreno e oprimir mais e mais os trabalhadores. Querem por toda parte que eles paguem a fatura da crise que criaram. As novas oposições populares fazem o que podem para manter conquistas e fazer avançar os direitos dos trabalhadores.

O desenvolvimentismo social-democrático dominou a sigla brasileira no poder. A verdade é que houve progressos imensos no front do combate da miséria. Mas ainda há muito que fazer, tal como a presidenta eleita confirma e se propõe a executar. O problema é se os interesses nacionais e internacionais permitirão mudanças, mesmo que seus prejuízos sejam praticamente inexistentes. Eles querem sempre mais.

Para manter a ordem intacta, eles tentam de tudo. Com uma das mãos acenam com a aceitação da vontade popular, com a outra brandem, por meio das grandes mídias, suas armas preferidas: a intriga e a calúnia. Dilma, mulher e guerrilheira nos anos de chumbo do Brasil, é muito mais do que eles conseguem tolerar. Temem que ela vá além de Lula, fazendo, por exemplo, o que sua colega da Argentina fez. Acabando com a impunidade dos criminosos da época da ditadura, abrindo para valer os arquivos secretos dos militares e dizendo a todos qual é a verdadeira história destas mídias que tanto a difamam.

Dilma nem chegou ao governo e já enfrenta uma onda de acusações. Como nada podem falar do presente, foram buscar no passado lenha para acender suas fogueiras prediletas. Esta visão inquisitorial tem uma triste história no Brasil, desde o passado colonial. Isto só vai acabar quando seus fundamentos socioculturais forem enfrentados em profundidade. Os armários dessa gente têm mais esqueletos do que os ingênuos imaginam. Basta abri-los e deixar entrar a luz purificadora do sol.

Já se disse que a verdade histórica ilumina a democracia. O nazismo foi combatido na Alemanha durante anos, após o seu triste final. A desnazificação construiu a Alemanha atual, uma campanha sistemática que mostrou aos alemães os porões do hitlerismo. O mesmo esforço ainda é feito na Espanha pós-franquista, apesar de muita resistência das viúvas e viúvos do velho ditador.

Por aqui, quase nada falamos sobre os horrores do passado escravista do Brasil. O esquecimento preenche as lacunas da memória nacional. O mesmo foi feito com as excrescências das várias fases republicanas do país. Já se esqueceu da “grande noite” do Estado Novo e da ‘noite de horrores’ da ditadura militar.

A história do país continua sendo ensinada como uma arte do esquecimento. Não chega à maioria das escolas as verdades reais do passado do país. Por isso, é fácil destacar fatos isolados, pinçá-los, sem qualquer escrúpulo e gritar que a Dilma é alguém pouco confiável. Com isto, se quer paralisá-la, impedir sua marcha e conter qualquer ímpeto mais profundo do seu futuro governo. Espera-se que ela não peça desculpas pelo que foi no passado e que aproveite a oportunidade para denunciar os que a agridem.

Luís Carlos Lopes é professor e escritor.

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