A menina que calou o mundo
Por Leila CordeiroDurante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO 92, realizada no Rio há 18 anos, eu morava na Barra da Tijuca, perto do local onde estava acontecendo a Conferência.
Devo reconhecer que durante o tempo que durou o evento o bairro nunca esteve tão policiado e organizado. O trânsito comandado por policiais, e a presença ostensiva das Forças Armadas, fluía tranquilamente apesar de ruas interditadas e caminhos desviados. Houve um planejamento perfeito para que os diversos Chefes de Estado que por ali trafegassem se imaginassem no paraíso do meio ambiente com tudo funcionando às mil maravilhas, como manda a natureza, a divina e a dos homens.
Não bastasse o bom andamento do trânsito, a violência também deu uma trégua à cidade.Praticamente não houve manchetes de crimes em jornais, revistas ou na TV - na época não existia ainda a Internet. Também nesse quesito o esquema de segurança agiu com competência e conseguiu, pelo menos, disfarçar, transformando o Rio numa pacata e tranquila cidade pra se viver.
Bem,mas apesar de tanta maquiagem, lá dentro, no pavilhão onde acontecia a convenção, as discussões sobre a fome no mundo e a violência do homem contra a natureza eram acirradas. Os mais fracos querendo culpar os mais fortes pelo descaso com a sobrevivência das espécies a longo prazo. Os ricos e poderosos tentando justificar suas falhas fazendo promessas que nunca poderiam cumprir.
Mas em meio a tanto blá-blá-blá, vazio e de frases feitas, uma menina canadense de apenas 12 anos de idade, Severn Suzuki, subiu ao palco e começou um emocionante discurso com palavras que fizeram calar o mundo tal a verdade que continham. Até porque havia percorrido favelas no Rio e viu de perto que a realidade era bem outra além dos limites da Barra da Tijuca!
A verdade de Suzuki não era uma verdade infantil cheia de sonhos de conto de fadas, mas sim a absoluta, a que toca nas feridas e nos pontos fracos dos adultos que não tem a mesma coragem de se despir de máscaras políticas e diplomáticas. Vale a pena recordar a jovem Severn Suzuki que, sem papas na língua, deu um puxão de orelhas merecido nos poderosos do mundo que a tudo assistiram mudos e surpresos. ( Veja o vídeo )
Severn cresceu, virou uma mulher adulta, mas segue abraçando a causa do meio ambiente. Tornou-se ativista ambiental, palestrante internacional, apresentadora de TV, autora e membro ativo do painel sobre Meio Ambiente das Nações Unidas. É dela também o projeto Skyfish, um site que incentiva a juventude a falar sobre seu futuro e adotar um estilo de vida sustentável.
Entretanto, o mais impressionante é que tudo que ela disse em seu discurso há 18 anos continua na mesma, se não pior.
A fome aumentou nos países pobres. Milhões de crianças e adultos morrem de doenças por falta de cuidados médicos e higiene básica. As florestas continuam sendo dizimadas. Muitas espécies da flora e da fauna, na época em fase de extinção, hoje já não existem. . Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres mais pobres sem que os primeiros queiram dividir com os outros um pouco do que tiverem o privilégio de ganhar ou de ter de nascença.
Em seu discurso, Severn Suzuki chamou a atenção das discussões vazias que imperam nesses encontros mundiais que nunca resolvem nada e só servem para inflar o ego de líderes mundiais ou de escada para países emergentes que lutam por um lugarzinho cativo entre os poderosos da ONU.
O tempo passou. Dezoito anos é muita coisa na nossa ampulheta terrestre, mas parece que a voz de Severn continua ecoando pelas salas dos milhares de eventos desse tipo que aconteceram de lá pra cá, sem que nada de concreto tenha sido realmente conquistado pela humanidade.
A menina que calou o mundo sabia o que estava dizendo quando cutucou os líderes mundiais presentes àquele encontro no Rio, ao exclamar em alto e bom som: "Sou apenas uma criança e não tenho soluções, mas quero que saibam que voces também não têm!".
Severn Suzuki tinha razão...
Por Leila Cordeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário