domingo, 30 de junho de 2013

Demofobia em marcha - ROBERTO ROMANO

PERCA TEMPO - O BLOG DO MURILO

Demofobia em marcha - ROBERTO ROMANO

O ESTADO DE S. PAULO - 30/06
Norberto Bobbio, em artigo muito lúcido, mostra que a democracia surge dos choques entre a praça e o palácio. Ele cita Guicciardini: "Entre o palácio e a praça existe uma densa névoa ou um muro tão grande que pouco sabe o povo sobre o que fazemos governantes e por que o fazem, como se o assunto dos dirigentes fosse algo feito na Índia". Atualizando a reflexão, Bobbio adianta que ainda não contamos com uma eficaz sociologia da praça.
Manifestações de rua significam a multidão de pessoas indignadas com os palácios. A praça reúne muitos indivíduos, a sua forma aberta permite livres discussões. Quem para ela se dirige tem alvo comum: reivindicar direitos, ouvir líderes. "Na democracia representativa (...) a praça é amais visível consequência do direito de reunião ilimitado quanto ao número de pessoas que possam exercitá-lo juntas e ao mesmo tempo" (Bobbio). Finaliza o pensador: "Palácio e praça são expressões polêmicas para designar, respectivamente, governantes e governados, sobretudo o seu relacionamento de incompreensão recíproca,estranheza, rivalidade, ainda hoje como no trecho de Guicciardini. (...)Vista do palácio a praça é o lugar da liberdade licenciosa; visto da praça o palácio é o lugar do poder arbitrário. Se caia praça, o palácio também é destinado a cair" (Il Palazzo e la Piazza).

No ofício de analisar as formas de atuação coletiva, leio com frequência políticos, colegas da universidade, estudantes, sindicalistas, profissionais da imprensa. Fiquei preocupado com as visões da praça expressas em várias entrevistas e textos. O foco dado à baderna e ao vandalismo diminuiu muito a percepção do importante fenômeno. Terra onde o Estado domina a sociedade e se põe a serviço de setores diminutos nas políticas públicas, o Brasil demonstra, desde sua origem histórica, a demofobia que preside o absolutismo. A certidão política de batismo vem do século 16, quando a razão de Estado está no auge. Para os governantes e intelectuais que defendem a razão estatal, o mundo divide-se, como expõe Guicciardini, citado por Bobbio, entre quem merece respeito, porque vive nos palácios, e a plebe que habita a praça. Tal assimetria estabelece uma divisão na ordem coletiva (acima os dirigentes, abaixo os "cidadãos comuns"). Ela é a marca dos Estados que ainda não conhecem os efeitos das revoluções democráticas. Neles a multidão dos que pagam impostos obedece sem questionar. E quem controla os impostos manda sem prestar contas. A força democrática de um país é medida pelo vigor, nele, da prática cunhada pelos revolucionários ingleses, a accountability. As revoluções modernas ensinaram aos soberanos lições básicas de responsabilidade.

Os conservadores atacam os "simples cidadãos", neles vendo ameaças ao poder estabelecido. Eles exorcizam o "perigo" representado pela soberania popular. Sempre que o elo político é invocado, do Renascimento ao século 21, o povo,com seus conflitos, é posto fora dos escalões estatais porque, na lição platônica, ele segue o contrário da harmonia. François Hotmann, jurista e autor do tratado intitulado Franco Galia, teme o Her omnes (Senhor Todo Mundo), apelido dado por Lutero à massa. Os documentos gerados na literatura grega ou romana mostram desconfiança no povo.Este,para os latinos, é o "populo exturbato ex profugo", o "vulgus credulum, imprudens vel impudens, stolidum", etc. (Zvi Yavetz:La Plèbe et le Prince). "O povo", diz Etienne de la Boétie, "não tem meios para bem julgar porque é desprovido do que fornece ou confirma o bom juízo, as letras, os discursos e a experiência. Como não pode julgar, ele acredita nos outros. A multidão acredita mais nas pessoas do que nas coisas, ela é persuadida pela autoridade de quem fala, e não pelas razões ditas" (Mémoires touchant l'Édit de Janvier 1562).

Gabriel Naudé, teórico do maquiavelismo que norteia o governo de Mazarino, diz ser preciso cautela com a "fera de múltiplas cabeças, vagabunda, errante,louca,estulta, sem freio, sem espírito nem julgamento. O juízo do povo sempre é tolo e seu intelecto, fraco. A populaça, fera cruel, enfurece e morde com frequência. Ela odeia as coisas presentes, deseja as futuras, celebra as pretéritas, sendo inconstante,sediciosa,briguenta, famélica de boatos, inimiga do repouso e da tranquilidade". A massa, arremata, é "inferior às feras, pior do que as feras e mil vezes mais tola dos que as feras" (Considérations Politiques sur les Coups d'État).

Donoso Cortés, fonte de terríveis governos, não enxerga na pobreza a origem das massas revoltas. A inveja e o desejo de poder atravessam a praça, açulada pelos demagogos: "O germe revolucionário reside nos desejos superexcitados da multidão pelos tribunos que a exploram e beneficiam. 'Sereis como os ricos', vejam aí a fórmula das revoluções socialistas contra as classes médias. 'Sereis como os nobres', vejam aí a fórmula das revoluções das classes médias contra os nobres. 'Sereis como os reis', vejam aí a fórmula das revoluções dos nobres contra os reis".

As manifestações que abalam o Brasil seriam expressões do ressentimento invejoso conduzido por ambiciosos e delirantes.

O juízo negativo sobre a praça gerou o Brasil de Vargas, de 1964 e do AI-5. A esquerda clássica ostenta idêntica ojeriza à rua.Basta recordar a doutrina leninista sobre a "consciência vinda de fora". No Partido, máquina feita para derrubar o Estado burguês e construir a ditadura "proletária", intelectuais superiores definiriam o destino das massas. Caso contrário, Sibéria nelas.

É tempo de mudar a visão da praça. É tempo de saudar a democracia, apesar dos seus percalços.É tempo de recusar regimes plebiscitários que reduzem a praça ao monossilábico"sim", ou "não". É tempo de iniciar o diálogo democrático. A etimologia e a semântica proclamam: democracia é poder do povo, não de privilegiados e palacianos operadores do poder estatal. Se cair a praça, ensina Bobbio, tombam os palácios. E o remédio é oferecido por Donoso Cortés: a ditadura.

ISTOÉ Independente - Plebiscito pode economizar bilhões

ISTOÉ Independente - Plebiscito pode economizar bilhões
Paulo Moreira Leite
Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.

Plebiscito pode economizar bilhões

Em minha humilde ignorância, confesso que não entendo quem diz que o plebiscito sobre reforma política pode custar caro demais. Meio bilhão, disse alguém.


Até ministros do STF tocaram neste assunto.
Data Venia, eu acho estranho.
 
Falar em meio bilhão ou até mais é falar de uma pechincha.
 
Nós sabemos que o Brasil tem um dos sistemas eleitorais mais caros do mundo. Isso porque é um sistema privado, em que empresas particulares disputam o direito de alugar os poderes públicos para defender seus interesses em troca de apoio para seus votos. As estimativas de gastos totais – é disso que estamos falando -- com campanhas eleitorais superam, com facilidade, meio bilhão de reais. São gastos que ocorrem de quatro em quatro anos, aos quais deve-se acrescentar uma soma imponderável, o caixa 2. Sem ser malévolo demais, não custa recordar que cada centavo investido em campanha é recuperado, com juros, ao longo do governo. Quem paga, mais uma vez, é o contribuinte. 
 
O debate não é apenas este, porém.  
 
Um plebiscito pode dar um impulso decisivo para o país construir um sistema de financiamento público, em que os recursos do Estado são empregados para sustentar a democracia – e não negócios privados.
 
Explico. Nos dias de hoje, o limite dos gastos eleitorais é dado pelo volume dos interesses em jogo. Falando de um país com um PIB na casa do trilhão e uma coleção de interesses que giram em torno do Estado na mesma proporção, você pode imaginar o que está em jogo a cada eleição.
 
Bancos contribuem com muito. Empreiteiras e grandes corporações, também. Como a economia não é feita por anjos nem a política encenada por querubins, o saldo é uma dança milionária na campanha. Troca-se o dinheiro da campanha pelo favor do governo. Experimente telefonar para o gabinete de um simples deputado e pedir para ser atendido. Não passará do cidadão que atender o telefone e anotar o recado, certo?
 
Mas dê um milhão de reais para a campanha deste deputado e conte no relógio os segundos que irá esperar para ouvir sua voz ao telefone. Não é humano. É político.
 
Não venha me falar que isso acontece porque o brasileiro está precisando tomar lições de moral na escola e falta colocar corruptos na cadeia em regime de prisão perpétua.
 
O sistema eleitoral norte-americano é privado, os poderes públicos são alugados por empresas de lobistas e muito daquilo que hoje se faz por baixo do pano, no Brasil, pode-se fazer às claras nos EUA.
 
A essência não muda, porém. Empresas privadas conseguiram impedir uma reforma do sistema de saúde que pudesse atender à maioria da população a partir de uma intervenção maior do Estado, como acontece na Europa. Por causa disso, os norte-americanos pagam por uma saúde mais cara e muito menos eficiente em comparação com países de desenvolvimento semelhante.
 
A força do dinheiro privado nos meios políticos explica até determinadas aventuras militares, estimulando investimentos desnecessários e nocivos ao país e mesmo para a humanidade.
 
Só para lembrar: na Guerra do Iraque, que fez pelo menos 200.000 mortos, George W. Bush beneficiava, entre outros, interesses dos lobistas privados do petróleo, negocio dos amigos de sua família, e de empresas militares, atividade do vice Dick Cheney.
 
Essa é a questão. A reforma política poderá consumar a necessária separação entre dinheiro e política, ao criar um sistema de contribuição pública exclusiva para campanhas eleitorais, ponto decisivo para uma política feita a partir de ideias, visões de mundo, valores e propostas – em vez de interesses encobertos e fortunas de bastidor.
 
Pense na agenda do país para os próximos anos. Os interesses privados, mais do que nunca, estarão cruzados no debate público. Avançando sobre parcelas cada vez maiores da classe média e dos trabalhadores, os planos privados de saúde só podem sobreviver com subsídios cada vez maiores do Estado. O mesmo se pode dizer de escolas privadas.
 
Não se trata, é obvio, de uma batalha fácil. Não faltam lobistas privados para chamar o financiamento público de gigantismo populista e adjetivos do gênero. Eles não querem, na verdade, perder a chance de votar muitas vezes. No dia em que vão à urna, como eu e você. No resto do mandato dos eleitos, quando pedem a recompensa por seus favores.
 
Com este dinheiro, eles garantem um privilégio. Impedem a construção de um país onde cada eleitor vale um voto.
 
Os 513 congressistas que irão debater a reforma política são filhos do esquema atual. Todos têm seus compromissos com o passado e muitos se beneficiam das receitas privadas de campanha para construir um patrimônio pessoal invejável. As célebres “sobras de campanha” estão na origem de muitas fortunas de tantos partidos, não é mesmo?
 
O plebiscito é um caminho para se mudar isso. Permitirá um debate esclarecedor a esse respeito. Caso o financiamento público seja aprovado, colocará a opinião da população na mão dos deputados que vão esclarecer a reforma.

Declaração de Assange após um ano sob asilo

Declaração de Assange após um ano sob asilo

Declaração de Assange após um ano sob asilo

Por Almeida
No Klepsudra
Por Julian Assange
Já se passou um ano desde que cheguei a esta Embaixada em busca de refúgio à perseguição. 
Em consequência dessa decisão, pude trabalhar relativamente a salvo da espionagem estado-unidense. 

Mas hoje, o calvário de Edward Snowden acaba de começar. 
Dois processos perigosos e fora de controle instalaram-se na última década, com consequências fatais para a democracia. 
O segredo de Estado propagou-se a uma escala aterradora. 

Simultaneamente, a privacidade humana foi secretamente erradicada. 


Algumas semanas atrás, Edward Snowden revelou a existência de um programa em execução – que envolve a administração Obama, a comunidade de inteligência e as maiores corporações de serviços da Internet – destinado a espiar o mundo inteiro.

Automaticamente foram-lhe atribuídas pela administração Obama acusações de espionagem.

O governo dos Estados Unidos espia todos e cada um de nós, mas é Edward Snowden que é acusado de espionagem, por nos haver alertado.

Estamos a chegar ao ponto em que a marca de distinção internacional e de serviço à humanidade já não é mais o Prémio Nobel da Paz mas sim uma acusação de espionagem por parte do Departamento da Justiça dos EUA.

Edward Snowden é o oitavo denunciante acusado de espionagem sob a administração deste presidente.

O julgamento mediático de Bradley Manning entra na sua quarta semana esta segunda-feira.

Depois de uma sucessão de injustiças contra ele cometidas, o governo dos Estados Unidos está a tentar declará-lo culpável de "colaborar com o inimigo".

A palavra "traidor" tem sido muito utilizada ultimamente.

Mas quem é realmente o traidor aqui?

Quem foi que prometeu a uma geração "esperança" e "mudança", só para trair aquelas promessas com lúgubre miséria e estagnação?

Quem jurou defender a Constituição dos Estados Unidos, só para a seguir alimentar a besta invisível das leis secretas que a devora viva a partir de dentro?

Quem prometeu presidir "a administração mais transparente da História", só para esmagar um denunciante após o outro sob o peso das acusações de espionagem?

Que combinou no seu executivo os poderes de juiz, jurado e executor, reivindicando todo o planeta como sua jurisdição para exercer esses poderes?

Quem se arroga o poder de espiar o planeta inteiro – cada um de nós – e quando é apanhado em flagrante nos explica que "vamos ter de escolher"?

Quem é essa pessoa?

Sejamos muito cuidadosos acerca de quem chamamos "traidor".

Edward Snowden é um dos nossos.

São jovens com formação técnica que pertencem à geração traída por Barack Obama.

São a geração que cresceu com a Internet e que foi por ela formada.

O governo estado-unidense sempre vai precisar analistas de inteligência e administradores de sistema e vai ter de contratá-los entre os membros desta geração e das que se seguirão.

Um dia, esta geração dirigirá a NSA, a CIA e o FBI.

Não se trata de um fenómeno que vá desaparecer.

Trata-se de algo inevitável.

Ao tentar destruir estes jovens que nos alertam, acusando-os de espionagem, o governo dos Estados Unidos está a enfrentar toda uma geração e essa é uma batalha que vai perder.

Isto não é o modo de consertar as coisas.

A única maneira de consertá-las é esta:

Mudem as políticas.

Deixem de espionar o mundo.

Eliminem as leis secretas.

Cessem as detenções por tempo indefinido e sem julgamento.

Deixem de assassinar pessoas.

Deixem de invadir outros países e de enviar jovens estado-unidenses para matar e morrer.

Parem as ocupações e acabem com as guerras secretas.

Deixem de devorar os jovens: Edward Snowden, Barrett Brown, Jeremy Hammond, Aaron Swartz, Gottfrid Svartholm, Jacob Appelbaum e Bradley Manning.

As acusações contra Edward Snowden pretendem intimidar qualquer país que possa estar a considerar levantar-se pelos seus direitos.

Não se pode permitir que essa táctica funcione.

O esforço a fim de encontrar asilo para Edward Snowden deve ser intensificado.

Qual será o corajoso país que se erguerá em favor dele e reconhecerá o serviço que prestou à humanidade?

Digam aos seus governos para darem um passo em frente.

Avancem e apoiem Snowden.
22/Junho/2013
O original encontra-se em http://wikileaks.org/Statement-by-Julian-Assange-after,249.html 

Esta declaração encontra-se em http://resistir.info/ . 30/Jun/13

Derrota da PEC 37: a apropriação corporativa das manifestações de rua no Brasil | Congresso em Foco

Derrota da PEC 37: a apropriação corporativa das manifestações de rua no Brasil | Congresso em Foco


“O movimento das ruas se deixou apropriar por um dos lados do conflito corporativo. Deixou-se de cobrar o que realmente importa na investigação criminal: segurança jurídica, respeito aos direitos do investigado e o fim da violência policial e de disputas corporativistas”
Eugênio José Guilherme de Aragão *

As atuais manifestações de rua no Brasil causam perplexidade aos atores políticos e aos analistas da mídia e da academia. Explicá-las é necessário, mas, talvez, tarefa das mais complexas porque há de se enfrentar teoricamente graves contradições internas desse movimento. Não há unidade de desígnio, protagonistas e agendas claras. Seu rumo é determinado, em grande parte, por reações impulsivas em redes sociais, agregando diversidade de público e informação nem sempre correta. A manipulação de frações desse público não é difícil, se o chamamento for bem empacotado, do mesmo modo que hoaxes transitam rapidamente como verdades inabaláveis nessas mesmas redes sociais. Por outro lado, é inegável que as manifestações expressam um clamor público. Há insatisfação com a ineficiência da ação governamental em todos os níveis, que parece não produzir resultados no tempo das demandas. Esse legítimo grito de indignação, porém, pode ser contaminado por manipulação informativa que atenda a agendas ocultas. Não cabe menosprezar a inteligência de participantes do movimento, mas, apenas, chamar atenção para essa característica da informação gerada e trafegada em redes que alimentam as atuais reações sociais.
Uma das agendas controversas e pouco claras é a da recente derrubada da PEC 37, o projeto de emenda constitucional que visava conferir à polícia judiciária o monopólio da investigação criminal. O projeto foi elaborado por deputado que é delegado da Polícia Civil no Maranhão e atende à demanda corporativa dos delegados, que, desde a Assembléia Constituinte de 1986-1988, disputam espaço com a corporação do Ministério Público. Esta instituição foi vitoriosa no quadro da Constituição de 1988, que lhe conferiu autonomia de poder de Estado e lhe agregou sensíveis atribuições, não só na persecução penal, mas no controle externo da atividade polícial, na tutela de direitos e na garantia da qualidade de políticas públicas, reconhecendo a seus membros ampla independência dentro de sua atuação balizada pelos princípios da unidade e da indivisibilidade. A polícia judiciária, muito prestigiada no período anterior do regime militar, não logrou o mesmo sucesso e ainda se viu ameaçada de se tornar categoria subordinada aos promotores de justiça, que sobre si passariam a exercer controle.
O conflito entre delegados de polícia e Ministério Público tem longa história no recente constitucionalismo. A insatisfação policial se prende ao fato de se verem em pé de igualdade com juízes e promotores e não como agentes subalternos. O motivo da demanda de trato isonômico está na formação bacharelesca dos delegados. O Brasil é talvez dos poucos países que exigem de seus comissários de polícia a formação acadêmica de juristas, ao invés de treiná-los mais extensamente em academias técnicas para a função de investigadores. Desde a velha república se confunde a tarefa do delegado com a de um juiz menor de causas penais. O procedimento do inquérito policial tem um quê de estigmatizador para os investigados, como se lhes abrisse, no só contato com a delegacia e na recorrente exposição aos meios de comunicação social, os portões do inferno. Sua integridade física e sua reputação parecem não valer muita coisa. É comum delegados darem publicamente suas versões dos fatos apurados sem prévio escrutínio de outros atores do processo e sem preocupação com a disclosure da esfera privada dos envolvidos. Provas sigilosas de crimes contra o sistema financeiro, evasão e lavagem de capitais e corrupção são não raramente repassadas para certa imprensa ávida por escândalos capazes de minar a legitimidade de administradores e a confiança nos governantes. Comportam-se alguns delegados como se dispusessem sobre a prova, que possuiria existência autárquica, desvinculada da persecução em juízo. É frequente apontarem para a ineficiência da Justiça penal, causa da impunidade de criminosos, enquanto eles, os delegados, sim, saberiam apontar os culpados e dar-lhes o tratamento público que merecem como delinquentes, “meliantes”. Trata-se de discurso legitimador da antecipação da pena pelo procedimento investigatório.
De outra parte, o Ministério Público não chega a a tangenciar a integridade física dos investigados, até porque não dispõe de meios para tanto. Mas promove por vezes seleção do caso persecutório, dando preferência ao que lhe ofereça maior exposição midiática e ao que traduza maior risco para atores da política e da economia. Essa frequente atuação à la carte faz parte da tendência ao “corporativismo de risco”, a buscar valorização da carreira pelo temor provocado a esses atores e à sociedade como um todo. Diferentemente da polícia, entretanto, o Ministério Público dispõe de vários mecanismos de controle externo, como seu Conselho Nacional ou o Judiciário, que podem, querendo, mitigar os efeitos da atuação de risco. No mais, o Ministério Público tem recrutamento mais rigoroso, que oferece, de um modo geral, candidatos mais qualificados para ingresso em seus quadros. Ainda assim, não deixa de ser afetado, como todo o serviço público, pelo fenômeno do concurseirismo: os novos procuradores e promotores são, em geral, jovens com excelente formação jurídica, mas que são muito exigentes quanto ao que esperam da carreira e reagem com acentuada agressividade quando são frustrados em suas demandas. Estas dizem respeito à remuneração, às vantagens, ao prestígio e ao poder que dele decorre.
A competição entre as corporações dos delegados de polícia e do Ministério Público está direcionada a esses mesmos fatores: remuneração e vantagens e, claro, prestígio e poder, pois estes últimos favorecem a qualificação dos primeiros. A disputa pelo poder investigatório, presente na campanha da PEC 37, em última análise é parte dessa competição e não traduz nenhuma preocupação com a eficiência do Estado. Investigar ou não investigar é poder ou não poder expor a governança e a sociedade a riscos e, portanto, é cacifar-se ou não se cacifar para demandas corporativas. Os controvertidos argumentos técnicos em favor da investigação pelo Ministério Público ou em favor da exclusividade da Polícia nessa tarefa são, por isso, de consistência relativa e não devem ser aceitos pelo seu valor de face. Na verdade, revelam apenas a condição precária da atividade investigatória criminal no Brasil, independentemente de quem queira assumir seu protagonismo.
Por essa razão, ao reverberar a rejeição pela PEC 37, o movimento das ruas se deixou apropriar por um dos lados do conflito corporativo, talvez sem se dar conta. Deixou-se de cobrar o que realmente importa na investigação criminal: a segurança jurídica, o respeito pelos direitos do investigado, o fim da violência policial e o fim de disputas corporativistas que diminuem o Estado. A investigação criminal controlada, balizada por princípios que preservam a dignidade humana e a presunção de inocência, é o que falta no Brasil e pode ser perfeitamente realizada pelo Ministério Público ou por uma polícia tecnicamente preparada e respeitosa à cidadania, tanto faz. A disputa intercorporativa é que está no lugar errado e atrapalha o jurisdicionado e a sociedade. E esta só se resolve com o fim das disparidades remuneratórias e de vantagens no serviço público e não com a transferência de uma competência estatal para um ou outro órgão.
Na verdade, a bandeira que deveria ser empunhada pelas ruas é a da organização do sistema de ganhos na administração pública para lhe conferir maior eficiência. Carece o Brasil, há tempos, de uma matriz lógica de vencimentos que estabeleça uma relação justa das remunerações entre as carreiras. Rigorosamente, em se estabelecendo a paridade de ganhos entre Ministério Público, advocacia pública, Defensoria Pública, magistratura e a carreira policial, desapareceriam rapidamente as disputas intercorporativas que fragmentam e, por isso, enfraquecem a ação do poder público. A remuneração destas carreiras deveria, ademais, guardar alguma proporcionalidade com a de outras, à base de critérios de complexidade e risco da função desempenhada. Não faz sentido que um embaixador, no final da carreira diplomática, ganhe menos do que um jovem recém ingresso na carreira do Ministério Público. Ou que um professor titular em universidade pública receba mensalmente quase a metade desse jovem. São essas disparidades que dão ensejo à ação de risco, privilegiando aqueles servidores que, com sua atuação funcional, têm potencial de criar maior risco à governabilidade. Um Estado moderno e democrático não pode conviver com essa disputa corporativa de seu monopólio de violência, independentemente de quem detenha esta ou aquela atribuição de agir.

* Subprocurador-geral da República, atualmente exercendo o cargo de corregedor-geral do Ministério Público Federal. É professor adjunto da Universidade de Brasília, doutor em Direito pela Ruhr-Universität Bochum (Alemanha) e mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela University of Essex (Inglaterra).

Favorita de Paulo Bernardo junta ratos e a bandeira vermelha - Viomundo - O que você não vê na mídia

Favorita de Paulo Bernardo junta ratos e a bandeira vermelha - Viomundo - O que você não vê na mídia
Revista para a qual o ministro Paulo Bernardo recentemente deu entrevista atacando petistas, o que provocou protesto do Forum Nacional pela Democratização da Mídia.
Do Rodrigo Vianna, no Escrevinhador:
Tempo da “gestão técnica” fica pra trás: Helena e Bernardo viram peça de museu
publicada sábado, 29/06/2013 às 17:08 e atualizada sábado, 29/06/2013 às 18:26
Ninguém acha que é possível dirigir o Brasil como se fosse um grêmio estudantil ou uma associação de moradores.
Quem dirige o país, no Executivo, não pode tudo. Há que se respeitar a famosa “correlação de forças”. Isso é evidente.
Mas é evidente também que aqueles que ocupam o centro do governo (ainda mais se representam forças que historicamente lutaram por mudanças estruturais do Brasil) têm a obrigação de lutar para que a correlação de forças se altere e permita mais e mais reformas.
O governo Dilma, nesse sentido, é um equívoco completo. Concentrada em derrubar os juros e enfrentar os setores financeiros (associados ao monopólio midiático e à classe média tradicional, esses setores compõem o principal núcleo opositor ao governo petista), Dilma abriu mão de qualquer mexida na Comunicação. Abriu mão de disputar hegemonia e de lutar para mudar a correlação de forças. Nessa e em outras áreas.
A “Ley de Medios” foi enterrada. Bernardo (amigo das teles) e Helena (amigona da Globo) mandaram recados: tudo deve ficar como está na área da Comunicação. Dilma começou o governo preparando omeletes na Ana Maria Braga. Foi ao convescote da família Frias (dona da Folha) e ainda lançou a frase brilhante: “controle da Comunicação só se for o controle remoto”.
Agora, está aí o resultado. A velha mídia transformou as manifestações de rua (que eram contra aumento de ônibus e contra a violência policial) numa grande “festa cívica” cujo alvo era (e é)  Dilma. A pesquisa DataFolha (por mais que desconfiemos do instituto da família Frias) é a demonstração de que a mídia quebrou os ovos e prepara-se pra transformar o governo Dilma num omelete: bom/ótimo recuaram de 57% para 30%.
Sinto-me à vontade para falar porque comentei nesse mesmo tom quando Dilma tinha 70% ou 80% de popularidade. Naquele tempo, trancada no palácio com marqueteiros e ministros medrosos, Dilma acreditou (?!) que tudo era uma questão de “gestão técnica”.
Aqui trecho do que escrevi em setembro de 2012, em “A Ilusão de um acordo com a mídia”:
A turma que cuida da Comunicação no governo Dilma parece dividir-se em duas: uma tem medo da Globo e da Abril, a outra quer garantir empregos na Globo e Abril quando terminar o mandato. Dilma segue popular. Mas a base tradicional lulista está ressabiada. A velha mídia e os tucanos perceberam a possibilidade de abrir uma cunha entre Dilma e o lulismo. A estratégia é simples: poupa-se Dilma agora, concentra-se todo o ódio no PT e em Lula. Com PT e Lula fracos, ficará mais fácil derrotar Dilma logo à frente.
A presidente, pessimamente aconselhada na área de Comunicações, parece acreditar na possibilidade de uma “bandeira branca” com a mídia. Não percebe que ali está o coração da oposição.
O primeiro texto sobre a escolha “centrista” de Dilma escrevi em fevereiro de 2011, logo que o governo começou. PT rumo ao centro e oposição na UTI:
Dilma capturou a simpatia (real? duradoura?) de setores da mídia que estiveram fechados com Serra durante a campanha. Faz o mesmo em relação à política internacional (menos “terceiro-mundista” do que Lula, como comemora a “Folha” em editorial nessa sexta-feira). E já há sinais de que o governo pode abandonar a proximidade estratégica que mantinha com movimentos como o MST.
As Rebeliões de Junho – ainda sem um desfecho claro – colocam Dilma e esse PT dominado pelo pragmatismo numa encruzilhada. Os tempos dos acertos de bastidor acabaram. A era dos Vacareza e Bernardos já era. Agora, é guerra  aberta. E a disputa está nas ruas.
Sob a batuta da velha mídia, que pauta ruas e redes dominadas pela classe média, o Plebiscito da Dilma pode levar à vitória de bandeiras que interessam aos conservadores: voto distrital e rejeição do financiamento público de campanha. Podem apostar: Globo, Veja e classe média vão berrar nas telas e nas ruas que voto em lista e financiamento público são chavismo!
Dilma fará o que? Vai preparar um omelete com Ana Maria? Vai mandar o Bernardo falar na Veja?
Helena e Bernardo são os condutores de uma política que inundou com dinheiro público a empresa de comunicação que é acusada de sonegação milionária. Mesma empresa que, se pudesse, transformaria Dilma e Lula em dois omeletes.
A atual conjuntura mostra um governo relativamente fragilizado. Verdade que governadores tucanos e lideranças como Aécio não parecem ser a alternativa em 2014. Mas há outras. O conservadorismo é matreiro. E conta com aliados fortes no campo internacional. Os Estados Unidos estão loucos para botar o Brasil no velho trilho.
Se o país caminhar para a confrontação e abrir-se uma temporada de “caça ao lulismo”, Serra vem aí. Podem apostar. Ele é o “anti-Lula”. Desgastado, sem apoio interno no PSDB – mas com bons amigos na mídia, nos bancos e no exterior – obteve 45% dos votos.
Do outro lado, há Lula e um patrimônio político ainda importante. Mas vai falar através de quais canais? Qual controle remoto Dilma e Lula pretendem usar agora?
Para a esquerda, não há saída a não ser a radicalização do quadro político. Isso não significa jogar ao mar o “centro”. Mas significa ter disposição para luta aberta. É preciso isolar a direita e o conservadorismo. Paralisada e apegada às tentativas de acordos, Dilma será engolida pelos “profissionais”. Se o governo e o lulismo sairem da toca para o confronto, correm também risco de derrota. Mas não há outra escolha.
Inação e acordos de gabinete = derrota certa da centro-esquerda em 2014.
Mobilização e Política com “P” maiúsculo = uma chance para nova vitória da esquerda em 2014.
Essa nova vitória, se vier, terá que ser fruto de um novo acordo de forças, que reflita o novo momento do país. Será outra esquerda, com outra composição. Outro governo. É preciso lançar ao mar as Helenas, os Bernardos e os gatos gordos do petismo.
Os tempos são outros. Não está escrito em lugar nenhum (muito menos nessa pesquisa do DataFolha)  que o lulismo estará derrotado em 2014. Mas, para ganhar, terá que ser outro lulismo. E terá que ser outra a esquerda.
A direita, meus amigos, vem babando. E ela não costuma fazer omeletes na cozinha do inimigo quando ganha a parada.

Carta Maior - Política - Uma breve história da luta da grande mídia contra os interesses nacionais

Carta Maior - Política - Uma breve história da luta da grande mídia contra os interesses nacionais

Em 1957, uma CPI da Câmara dos Deputados, comprovou que “O Estado de São Paulo”, “O Globo” e “Correio da Manhã” foram remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a nacionalização do petróleo. Em momentos cruciais para o país se inclinaram para o golpismo e a traição aos interesses nacionais: contra Getúlio, a Petrobrás, JK, contra Jango, apoiando a ditadura, Collor, FHC e suas privatizações, atacando Lula. Por Leandro Severo.

Em 1941, enquanto milhões de homens e mulheres derramavam seu sangue pela liberdade nos campos da Europa e da União Soviética, a elite dos círculos financeiros dos Estados Unidos já traçava seus planos para o pós-guerra. Como afirmou Nelson Rockefeller, filho do magnata do petróleo John D. Rockefeller, em memorando que apresentava sua visão ao presidente Roosevelt: “Independente do resultado da guerra, com uma vitória alemã ou aliada, os Estados Unidos devem proteger sua posição internacional através do uso de meios econômicos que sejam competitivamente eficazes...” (COLBY, p.127, 1998). Seu objetivo: o domínio do comércio mundial, através da ocupação dos mercados e da posse das principais fontes de matéria-prima. Anos mais tarde o ex-secretário de imprensa do Congresso americano, Gerald Colby, sentenciava sobre Rockefeller: “no esforço para extrair os recursos mais estratégicos da América Latina com menores custos, ele não poupava meios” (COLBY, p.181, 1998).

Neste mesmo ano, Henry Luce, editor e proprietário de um complexo de comunicações que tinha entre seus títulos as revistas Time, Life e Fortune, convocou os norte-americanos a “aceitar de todo o coração nosso dever e oportunidade, como a nação mais poderosa do mundo, o pleno impacto de nossa influência para objetivos que consideremos convenientes e por meios que julguemos apropriados” (SCHILLER, p.11, 1976). Ele percebeu, com clareza, que a união do poder econômico com o controle da informação seria a questão central para a formação da opinião pública, a nova essência do poder nacional e internacional.

Evidentemente para que os planos de ocupação econômica pelas corporações americanas fossem alcançados havia uma batalha a ser vencida: Como usurpar a independência de nações que lutaram por seus direitos? Como justificar uma postura imperialista do país que realizou a primeira insurreição anticolonial?

A resposta a esta pergunta foi dada com rigor pelo historiador Herbert Schiller: “Existe um poderoso sistema de comunicações para assegurar nas áreas penetradas, não uma submissão rancorosa, mas sim uma lealdade de braços abertos, identificando a presença americana com a liberdade – liberdade de comércio, liberdade de palavra e liberdade de empresa. Em suma, a florescente cadeia dominante da economia e das finanças americanas utiliza os meios de comunicação para sua defesa e entrincheiramento onde quer que já esteja instalada e para sua expansão até lugares onde espera tornar-se ativa” (SCHILLER, p.13, 1976).

Foi exatamente ao que seu setor de comunicações se dedicou. Estava com as costas quentes, já que as agências de publicidade americanas cuidavam das marcas destinadas a substituir as concorrentes europeias arrasadas pela guerra. O setor industrial dos EUA havia alcançado um vertiginoso aumento de 450% em seu lucro líquido no período 1940-1945, turbinado pelos contratos de guerra e subsídios governamentais. Com esta plataforma invadiram a América Latina e o mundo.

Com o suporte do coordenador de Assuntos Interamericanos (CIIA), Nelson Rockefeller, mais de mil e duzentos donos de jornais latinos recebiam, de forma subsidiada, toneladas de papel de imprensa, transportada por navios americanos. Além disso, milhões de dólares em anúncios publicitários das maiores corporações eram seletivamente distribuídos. É claro que o papel e a publicidade não vinham sozinhos, estavam acompanhados de uma verdadeira enxurrada de matérias, reportagens, entrevistas e releases preparadas pela divisão de imprensa do Departamento de Estado dos EUA.

A vontade de conquistar as novas “colônias” e ocupar novos territórios como haviam feito no século anterior, no velho oeste, não tinha limites. No Brasil, circulava desde 1942, a revista Seleções (do Reader’s Digest), trazida por Robert Lund, de Nova York. A revista, bem como outras publicações estrangeiras, pagavam os devidos direitos aduaneiros por se tratarem de produtos importados, mas solicitou, e foi atendida pelo procurador da República, Temístocles Cavalcânti, o direito de ser editada e distribuída no Brasil, com o argumento de ser uma revista sem implicações políticas e limitada a publicar conteúdos culturais e científicos. Assim começou a tragédia.

Logo chegou o grupo Vision Inc., também de Nova York, com as revistas Dirigente Industrial, Dirigente Rural, Dirigente Construtor e muitos outros títulos que vinham repletos de anúncios das corporações industriais. Um fato bastante ilustrativo foi o da revista brasileira Cruzeiro Internacional, concorrente da Life International, que apesar de possuir grande circulação, nunca foi brindada com anúncios, enquanto a concorrente americana anunciava produtos que, muitas vezes, nem sequer estavam à venda no Brasil.

Ficava claro que os critérios até então estabelecidos para o mercado publicitário, como tempo de circulação efetiva, eficiência de mensagem e comprovação de tiragem, de nada adiantavam. O que estava em jogo era muito maior.

Um papel importantíssimo na ocupação dos novos mercados foi desempenhado pelas agências de publicidade americanas. McCann-Erickson e J. Warter Thompson eram as principais e tinham seu trabalho coordenado diretamente pelo Departamento de Estado. Para se ter uma ideia a McCann-Erickson , nos anos 60, possuía 70 escritórios e empregava 4619 pessoas, em 37 países, já a J. Warter Thompson tinha 1110 funcionários, somente na sede de Londres. Os Estados Unidos tinham 46 agências atuando no exterior, com 382 filiais. Destas 21 agências em sociedade com britânicos, 20 com alemães ocidentais e 12 com franceses. No Brasil atuavam 15 agências, todas elas com instruções absolutamente claras de quem patrocinar.

No início dos anos 50, Henry Luce, do grupo Time-Life, já estava luxuosamente instalado em sua nova sede de 70 andares na área mais nobre de Manhattan, negócio imobiliário que fechou com Nelson Rockefeller e seu amigo Adolf Berle, embaixador americano no Brasil na época do primeiro golpe contra o presidente Getúlio Vargas. Luce mantinha fortes relações com os irmãos Cesar e Victor Civita, ítalo-americanos nascidos em Nova Iorque. Cesar foi para a Argentina em 1941 onde montou a Editorial Abril, como representante da companhia Walt Disney, já Victor, em 1950, chega ao Brasil e organiza a Editora Abril. Neste mesmo período seu filho, Roberto Civita, faz um estágio de um ano e meio na revista Time, sob a tutela de Luce e logo retorna para ajudar o pai.

Poucos anos depois, o mercado editorial brasileiro está plenamente ocupado por centenas de publicações que cantavam em prosa e verso o american way of life. Somente a Abril, financiada amplamente pelas grandes empresas americanas, edita diversas revistas: Claudia, Quatro Rodas, Capricho, Intervalo, Manequim, Transporte Moderno, Máquinas e Metais, Química e Derivados, Contigo, Noiva, Mickey, Pato Donald, Zé Carioca, Almanaque Tio Patinhas, a Bíblia Mais Bela do Mundo, além de diversos livros escolares.

Em 1957, uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, comprova que “O Estado de São Paulo”, “O Globo” e “Correio da Manhã” foram remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a nacionalização do petróleo.

Em 1962, o grupo Time-Life encontra seu parceiro ideal para entrar de vez no principal ramo das comunicações, a Televisão. A recém-fundada TV Globo, de Roberto Marinho. Era uma estranha sociedade. O capital da Rede Globo era de 600 milhões de cruzeiros, pouco mais de 200 mil dólares, ao câmbio da época. O aporte dado “por empréstimo” pela Time-Life era de seis milhões de dólares e a empresa tinha um capital dez mil vezes maior.

Como denunciou o deputado João Calmon, presidente da Abert (Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão): “Trata-se de uma competição irresistível, porque além de receber oito bilhões de cruzeiros em doze meses, uma média de 700 milhões por mês, a TV Globo recebe do Grupo Time-Life três filmes de longa metragem por dia – por dia, repito... Só um ‘package’, um pacote de três filmes diários durante o ano todo, custa na melhor das hipóteses, dois milhões de dólares” (HERZ, p.220, 2009).

O Brasil e o mundo estão em efervescência. A tensão é crescente com revoluções vitoriosas na China e em Cuba. A luta pela independência e soberania das nações cresce em todos continentes e os EUA colocam em marcha golpes militares por todo o planeta. A Guerra Fria está em um ponto agudo.

É nesse quadro que a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Congresso dos EUA, em abril de 1964, no relatório “Winning the Cold War. The O.S. Ideological Offensive” define:

“Por muitos anos os poderes militar e econômico, utilizados separadamente ou em conjunto, serviram de pilares da diplomacia. Atualmente ainda desempenham esta função, mas o recente aumento da influência das massas populares sobre os governos, associado a uma maior consciência por parte dos líderes no que se refere às aspirações do povo, devido às revoluções concomitantes do século XX, criou uma nova dimensão para as operações de política externa. Certos objetivos dessa política podem ser colimados tratando-se diretamente com o povo dos países estrangeiros, em vez de tratar com seus governos. Através do uso de modernos instrumentos e técnicas de comunicação, pode-se hoje em dia atingir grupos numerosos ou influentes nas populações nacionais – para informá-los, influenciar-lhes as atitudes e, às vezes, talvez, até mesmo motivá-los para uma determinada linha de ação. Esses grupos, por sua vez, são capazes de exercer pressões notáveis e até mesmo decisivas sobre seus governos” (SCHILLER, p.23, 1976).

A ordem estava dada: “informar”, influenciar e motivar. A rede está montada, o financiamento definido.

O jornalista e grande nacionalista, Genival Rabelo, exatamente nesta hora, denuncia no jornal Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro: “Há, por trás do grupo (Abril), recursos econômicos de que não dispõem as editoras nacionais, porém muito mais importante do que isso está o apoio maciço que a indústria e as agências de publicidade americanas darão ao próximo lançamento do Sr. Victor Civita, a exemplo do que já fizeram com as suas 18 publicações em circulação, bem como as revistas do grupo norte-americano Vision Inc.” (RABELO, p.38, 1966)

Mas é necessário mais. É preciso enfraquecer, calar e quebrar tudo que seja contrário aos interesses dos monopólios, tudo que possa prejudicar os interesses das corporações. A General Eletric, General Motors, Ford, Standard Oil, DuPont, IBM, Dow Chemical, Monsanto, Motorola, Xerox, Jonhson & Jonhson e seus bancos J. P. Morgan, Citibank, Chase Manhattan precisam estar seguros para praticar sua concorrência desleal, para remeter lucros sem controle, para desnacionalizar as riquezas do país se apossando das reservas minerais.

Várias são as declarações, nesta época, que deixam claro qual o caminho traçado pelos EUA. Nas palavras de Robert Sarnoff, presidente da RCA – Radio Corporation of America – “a informação se tornará um artigo de primeira necessidade equivalente a energia no mundo econômico e haverá de funcionar como uma forma de moeda no comércio mundial, convertível em bens e serviços em toda parte” (SCHILLER, p.18, 1976). Já a Comissão Federal de Comunicações (FCC), em informe conjunto dos Ministérios do Exterior, Justiça e Defesa, afirmava: “as telecomunicações evoluíram de suporte essencial de nossas atividades internacionais para ser também um instrumento de política externa” (SCHILLER, p.24, 1976).

É esclarecedor o pensamento do delegado dos Estados Unidos nas Nações Unidas, vice-ministro das Relações Exteriores, George W. Ball, em pronunciamento na Associação Comercial de Nova Iorque:

“Somente nos últimos vinte anos é que a empresa multinacional conseguiu plenamente seus direitos. Atualmente, os limites entre comércio e indústria nacionais e estrangeiros já não são muito claros em muitas empresas. Poucas coisas de maior esperança para o futuro do que a crescente determinação do empresariado americano de não mais considerar fronteiras nacionais como demarcação do horizonte de sua atividade empresarial” (SCHILLER, p.27, 1976).

A ação desencadeada pelos interesses externos já havia produzido a falência de muitos órgãos de imprensa nacionais e, por outro lado, despertado a consciência de muitos brasileiros de como os monopólios utilizam seu poder de pressão e de chantagem. Em 1963, o publicitário e jornalista Marcus Pereira afirmava em debate na TV Tupi, em São Paulo: “Em última análise, a questão envolve a velha e romântica tese da liberdade de imprensa, tão velha como a própria imprensa. Acontece que a imprensa precisa sobreviver, e, para isso, depende do anunciante. Quando esse anunciante é anônimo, pequeno e disperso não pode exercer pressão, por razões óbvias. É o caso das seções de ‘classificados’ dos jornais. Mas poucos jornais têm ‘classificados’ em quantidade expressiva. A maioria dos jornais e a totalidade das revistas vivem da publicidade comercial e industrial, dos chamados grandes anunciantes. Acho que posso parar por aqui, porque até para os menos afoitos já adivinharam a conclusão” (RABELO, p.56, 1966).

Não é difícil perceber o quanto a submissão aos interesses econômicos estrangeiros levou a dita “grande mídia” brasileira a se afastar da nação. A se tornar, ao longo dos anos, em uma peça chave da política do Imperialismo. Em praticamente todos os principais momentos da vida nacional se inclinaram para o golpismo e a traição. Já no primeiro golpe contra Getúlio, depois, contra sua eleição, contra sua posse, contra a criação da Petrobrás, contra a eleição de Juscelino, contra João Goulart, contra as reformas de base, apoiando a Ditadura, apoiando a política econômica de Collor, apoiando Fernando Henrique e suas privatizações, atacando Lula.

Hoje, ela novamente tem lado: o das concessões de estradas, portos e aeroportos, o dos leilões de privatização do petróleo e da necessidade da elevação das taxas de juros, do controle do déficit público com evidentes restrições aos investimentos governamentais, ou seja, da aceitação de um neoliberalismo tardio.

Porque atuam desta forma? Genival Rabelo deu a resposta: “Um industrial inteligente desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro me fez outro dia, esta observação, em forma de desafio: ‘Dou-lhe um doce, se nos últimos cinco anos você pegar uma edição de O Globo que não estampe na primeira página uma notícia qualquer da vida americana, dos feitos americanos, da indústria americana, do desenvolvimento científico americano, das vitórias e bombardeios americanos. A coisa é tão ostensiva que, muita vez, sem ter o que publicar sobre os Estados Unidos na primeira página, estando o espaço reservado para esse fim, o secretário do jornal abre manchete para a volta às aulas na cidade de Tampa, Miami, Los Angeles, Chicago ou Nova Iorque. Você não encontra a volta às aulas em Paris, Nice, Marselha, ou outra cidade qualquer da França, na primeira pagina de O Globo, porque, de fato, isso não interessa a ninguém. Logo, não pode deixar de haver dólar por trás de tudo isso...’ Outro amigo presente, no momento, e sendo homem de publicidade concluiu, deslumbrado com seu próprio achado: ‘É por isso que O Globo não aceita anúncio para a primeira página. Ela já está vendida. É isso. É isso!’. ‘E muito bem vendida, meu caro – arrematou o industrial – A peso de ouro’ ” (RABELO, p.258, 1966).

(*) Delegado à Conferência Nacional de Comunicação, Secretário Municipal de Comunicação em São Carlos entre 2007 e 2012 e membro do Partido Pátria Livre.

Referências:

COLBY, G; DENNETT, C. Seja feita a vossa vontade: a conquista da Amazônia, Nelson Rockefeller e o evangelismo na idade do Petróleo. Tradução: Jamari França. Rio de Janeiro: Record, 1998.

HERZ, D. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Dom Quixote, 2009. Coleção Poder, Mídia e Direitos Humanos.

RABELO, G. O Capital Estrangeiro na Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

SCHILLER, H. I. O Império norte-americano das comunicações. Tradução: Tereza Lúcia Halliday Petrópolis: Vozes, 1976.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

G1 - Governo holandês estuda fechar prisões devido à falta de criminosos - notícias em Planeta Bizarro


27/06/2013 09h29 - Atualizado em 27/06/2013 09h32

Governo holandês estuda fechar prisões devido à falta de criminosos

Secretário de Estado anunciou fechamento de 19 cadeias no país.
Baixa criminalidade e uso de tornozeleiras deixou celas vazias.


O governo holandês está enfrentando protestos da população após anunciar que irá fechar 19 prisões no país, como forma de economizar 271 milhões de euros do orçamento devido à falta de criminosos no país.
De acordo com a emissora de TV holandesa “NOS”, o secretário de Estado Fred Teeven foi criticado inicialmente ao sugerir o fechamento de 26 cadeias, o que representaria um corte de 340 milhões de euros mas, ao mesmo tempo, o desaparecimento de 3.400 empregos. Em vez disso, 2.000 funcionários seriam dispensados.
Uma das razões da medida anunciada pelo Estado é a diminuição da taxa de criminalidade e a utilização de tornozeleiras com rastreadores em vez de deixar os presos encarcerados, o que deixou muitas das celas vazias. A oposição está tentando reverter a medida, afirmando que o equipamento “não é alternativa à prisão”.
A falta de criminosos na Holanda foi muito discutida pela mídia internacional pela primeira vez em 2009, quando o governo inicialmente anunciou o fechamento de 8 unidades prisionais, e, diante das demissões que seriam feitas, estava estudando a possibilidade de importar 500 criminosos da Bélgica, para que possa manter um contingente nas prisões.

Ninguém mandou você perguntar

jornalenoticias.com.br/zebeto | Blog do Zé Beto

A jornalista Ruth Bolognese recebeu este texto de Teresa Urban, o último que ela escreveu antes falecer ontem à noite. É uma reflexão sobre os acontecimentos destes dias.


“Olá Ruth, estou sem falar há dez dias, não por perplexidade mas por ordens médicas. O silêncio, neste barulho todo, me obrigou a pensar mais do que agir e foi uma experiência muito nova para mim. Montar um quebra-cabeças destes é difícil, amiga, porque a primeira coisa que descobri é que nem mesmo falamos a mesma língua (hoje li em algum lugar que não tem tecla SAP para isso). Abrimos um fosso tão grande entre o que chamamos de povo brasileiro e as elites (governo, politicos, ricos, intelectuais, jornalistas, esquerdistas, nós) e agora estão em nossa frente, serpenteando pelas ruas das cidades, anunciando sua existência.”
“Bom, quanto tempo faz que a gente não se pergunta como as pessoas se sentem nas cidades massacrantes, nos ônibus entupidos, na falta de respeito de motoristas com pedestres, de motociclistas com motoristas, de professor com aluno, de aluno com professor, de jovem com velho, de velho com jovem, de meninos de rua com gente de bem, de trabalhadores endividados pelo consumo fácil, de falta de amor, de médicos gelados como pedra, de gente entediada, de tráfico, de meninos mortos na periferia, de prisões lotadas, de crimes impunes…longa lista.
Lembra, Ruth, como foi o êxodo rural dos anos 70? Perderam-se as raízes. as cidades viraram amontoados humanos de um nível crescente de hostilidade, mas a gente vai levando.

Vizinhos, comunidade, amigos, partido, Estado que protege os mais fracos??? bobajada, mano velho, vamos tocando, tem time de futebol. Tenho pensado muito em algumas palavras: pertencimento e desgarrados
Bem, deu no que deu, não somos um país, somos um monte de “eu”, cada um com seu cartaz, seu facebook e nada que os ligue.
Pode ser que um monte de eu se sinta pertencendo a alguma coisa, assim junto na rua…
A crise é de representatividade? é, mas não tão simples que uma reforma partidária resolva.
Lembrei muito de uma cena antiga, quando contestávamos a instalação da Renault nos mananciais e alguém perguntou quem representava a empresa naquela discussão. E um velhinho sem dentes, paletó de mangas curta que não conseguiam esconder os rotos punhos da camisa, levantou o braço e disse: eu represento a Renault. Nunca esqueci disso porque não entendi qual a crença que levou aquele homenzinho a fazer isso (ninguém mandou, ele estava muito sozinho ali), mas acho que foi um momento de ousadia incrivel.
Dizer eu me represento é mais ousado ainda e muito mais perigoso, Ruth. Ninguém representa ninguém naquela multidão, talvez depois, na foto no facebook, troquem suas representatividades.
Chegamos a isso por negligência e prepotência e agora é um trabalho danado de grande voltar a pensar em coisas pequenas para fazer contato com os alienígenas. Quem sabe aquele dedinho do ET de Spilberg tocando o dedo do menino ajude…
Agora, o que é mesmo ruim nesta história é o que a brava imprensa brasileira fez: criou uma nova espécie, sem nenhum estudo, nehuma base científica, sem nenhuma pergunta: homo sapiens vandalus lamentavilis. Ruth,que vergonha tenho de ser jornalista. Quem são, afinal, aqueles meninos que não temem a polícia, que devolvem as bombas, que chutam tudo com fúria, que saem das lojas saqueadas com sacolas e somem na escuridão? Quem são, quantos são, onde vivem, de onde surgiram? São brasileiros ou só são brasileiros os que serpenteiam sem rumo?
São os dentes da fera, Ruth, só os dentes. O resto, a gente não conhece.
Enquanto continuarem dividindo o país entre manifestantes e vândalos ou, como ontem na OTV, uma repórter mais perdidinha dizia, protestantes e fanáticos, não vai dar para entender o que de fato acontece.
Outro pior é a legitimização e o aplauso à repressão policial.
Não sei se você viu, mas ontem havia uma galera na frente do Palácio Iguaçu (pra Curitiba, bastante gente, umas 10 mil pessoas?) quietos, sem nada que dizer, às vezes cantavam algo tipo “sou brasileiro com muito orgulho” exigiam caras e cartazes para a câmara de TV, andavam de um lado para o outro e só, só, só. Não sei porque estavam ali. Passaram reto pela Câmara, pela Prefeitura, estavam ao lado da Assembléia Legislativa mas pararam na frente do Palácio às escuras. Ninguém para falar, nem por eles nem para eles nem com eles. Foi uma cena muito surreal, que durou tempo, debaixo de chuva e frio.
De repente, do nada, o Palácio do Governo começa a vomitar uma enfurecida tropa de choque que sai jogando bomba, atirando bala de borracha sem mais.
Joãozinho estava lá, Thiago estava lá, Dani, filha de Clovis, estava lá. E mais uma galera de meninos que só estavam lá. Pelo tanto de luz de celular, era pra mostrar depois no face. Só então, na correria do depois, que os dentes surgiram na escuridão e começaram a morder a propriedade, pública ou privada, não importava.
Bom, Ruth, quando vi aquilo – polícia, cachorros, cavalos, bombas e os meninos correndo em desespero, chutando e quebrando tudo -, depois de muito, mas muito tempo na minha vida marvada, chorei.”

Ou tomamos a frente, ou saímos pelos fundos

Ontem resisti à tentação de dar este título a um dos posts que escrevi.
Mas se existe alguma coisa que aprendi na vida sobre escrever é a prestar atenção ao que nos brota espontaneamente da cabeça, sem muitas elaborações.
À noite, depois de checar e rechecar informações, cumpri o penoso dever de informar que não haverá Constituinte exclusiva para fazer a reforma política. As razões jurídicas podem ser boas; as políticas foram péssimas e, potencialmente, desastrosas.
Péssimo, primeiro, porque coloca em risco e limita a necessidade nacional de remover as distorções que, junto com as deformações da mídia, tem sido o maior obstáculo  aos avanços de uma política de desenvolvimento e de justiça social em nosso país.
Em ambos os campos, mantivemos todas as práticas tradicionais – e conservadoras – de relacionamento.
De um lado, recusamos a polêmica com a mídia convencional que – embora deva ser respeitada – deve estar longe de constituir o canal único de comunicação entre Governo e povo. Se jornal nenhum ou apenas a  tevê bastam para que ambos se comuniquem, muito menos ainda uma mídia oligopolizada e hostil – ao ponto de uma  afirmar que é ela própria a única oposição no Brasil – cumprirá este papel.
olho1Marqueteiros e assessores de imprensa – e quem fala já trabalhou nos dois papéis – são auxiliares circunstanciais, extremamente úteis na forma de dizer, mas não substituem, nos líderes, convicções e conteúdos. Menos ainda a luta política que se trava a médio e longo prazo para mudar o Brasil.
Mudar o Brasil não se fará com espasmos de comunicação direta, com consequentes mobilizações esporádicas, ambos restritos aos períodos de campanhas eleitorais.
Exige que o governante, o líder, esteja -com todas as formas a seu alcance – falando com a população e, ao lado dela, travando a polêmica sobre cada política pública e cada embate político que sua adoção exige.
De outro lado, deixamos nos manietar pela necessidade – e é necessidade – da formação de uma ampla base parlamentar, como se isso bastasse para conduzir as mudanças no parlamento. Não é, porque, imensa, a base é amorfa, flácida, renitente, chantagista e sólida como uma geléia.
Nela, perdemos nossa identidade e levamos ao desânimo e à exaustão os que permanecem firmes, que passam a ser vistos como radicais e dissolventes. Dizemos à vanguarda: juntem-se ao atraso e não aborreçam!
A pretensão à unanimidade, para não reproduzir a frase célebre de Nélson Rodrigues, é uma armadilha perigosa.
Para sermos aceitos por todos é preciso sermos nada e  não sermos o que somos: transformadores.
olho2Pior ainda, é precária, porque entregamos aos nossos adversários o “poder” de nos legitimar – paradoxalmente, porque isso veio justamente do confronto vencido com eles – e eles, cedo ou tarde, nos tirarão a legitimidade.
A história é pródiga em exemplos.
Jango recuperou seus poderes presidenciais em janeiro de 1963, num plebiscito onde teve 92% dos votos. Menos de 15 meses depois foi derrubado por mídia, militares e classes médias, diante de um povo atônito, desmobilizado – ou tarde demais mobilizado – por não compreender porque o programa reformista não se definia no Congresso, depois de ter tirado deste e entregue ao Presidente, o poder conferido pelo voto – e por tantos votos.
Lula, consagrado em 2002, tratado como unanimidade nos primeiros anos – em boa parte graças à política de compromisso expressa na tal “Carta aos Brasileiros”  - balançou em 2005 com a CPI dos Correios e o escândalo no qual a mídia endeusou uma figura da estirpe de Roberto Jefferson. Salvou-o, nas eleições de 2006, o discurso nacionalista tão recusado antes como “arcaico”, que permitiu despertar no povo o horror à entrega do país, que jazia inexpresso por anos de políticas neoliberais.
O que consagrou Lula e conduziu Dilma ao Governo, senão o significado intrínseco a ambas as figuras, o operário e a combatente, como capazes de efetivar mudanças, a maior delas a elevação dos salários e a inclusão de imensas camadas do povo brasileiro no mundo do consumo, que é o direito moderno da cidadania?
Mas, a seguir, aceitamos placidamente o discurso de nossos adversários e, talvez agora, nossos algozes.
Deixamos, na busca da unanimidade, a “faxina” ser o centro de nossa imagem, quando a honradez de nossos propósitos é que se constitui no cerne de nosso sentido. A governante menos tolerante e impiedosa com a corrupção que este país já teve é, por conta da necessidade de a todos agradar, lançada no vórtice de uma generalizada falta de ética e compromisso popular de políticos e governantes da “base aliada”, onde até mesmo os que não são assim sentem a necessidade de abrandar-se e “não chacoalhar” o status quo.
Mas isso é reflexão e reflexão só tem sentido quando norteia a ação. Somos militantes, não personagens do reino da quinta-essência de Rabelais, que nos dediquemos a coisas diletantes como medir o salto das pulgas.
Para podermos prosseguir neste grande e generoso projeto de mudanças na vida brasileira, para seguirmos mudando o Brasil, precisamos mudar, também.
Não podemos esquecer que dissemos ao povo que não tínhamos medo da felicidade, assim como não podemos ter medo das ruas, embora esteja mais do que evidente a presença de pessoas e conteúdos de direita e de provocação.
É preciso corresponder ao que despertamos.
Não basta, no plebiscito, nos debatermos por questões técnicas – embora com conteúdo político fortíssimo – como a de voto distrital ou financiamento de campanhas.
É preciso de uma “cara” para o que significamos.
Essa cara é o enxugamento da hipertrofia de nosso poder Legislativo, gerada justamente pela ditadura que, por essa via, diluir e corromper a representação política.
A rigor, o regime autoritário “distritalizou” o voto proporcional e fez crescer o paroquialismo e o fisiologismo do “vou trazer verbas para nossa cidade”, como sendo essa a missão do parlamentar e não a representação de ideias e conviçcões. Até nos partidos, internamente, isso gerou “feudos” e distorções.
A população entende isso claramente e não foi outra coisa que tornou célebre, a ponto de inspirar música, os “300 picaretas” de que Lula falou, em 1993:
“Há no congresso uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns trezentos picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”.
A reação do Congresso foi violenta e conseguiram mesmo censurar a execução da música nas rádios. Mas não conseguiram, nem antes nem agora, tirar das ruas o sentimento de que Lula tinha razão.
Lula tinha razão e só ele pode personificar, diante do povo brasileiro, o sentido prático de uma reforma política. Um congresso mais enxuto e de ideias, que não se perca em mordomias, paroquialismo e fisiologismo e cumpra sua missão de expressar o desejo de mudança da população em todos os dias, e não apenas, como agora, conduzido sob vara pelas ruas.
Só ele pode fazer o que Dilma não pode, até pela sua condição de Chefe de Estado, fazer.
Ou lutaremos, como ele propôs, como leões, ou sairemos como coelhos assustados e atônitos.
Perdidos no tecnicismo ou em constitucionalismos vagos, a mídia conservadora vai pautar o debate e impor as soluções que lhe garantam, mais até do que agora, o controle do poder Legislativo.
E, de uma e de outro, continuaremos refém, por mais que o povo brasileiro nos dê, pelo voto, a sua confiança.
Porque, num instante, essas duas forças conservadoras nos retirarão desta posição, se não travarmos luta nesses campos e acharmos que governar é gerir bem, apenas.
Não é, é preciso travar a luta política.
A qualquer preço, como é o exemplo mais dramático o Getúlio de 54, que exorcizou o golpe, por 10 anos.
Ou seremos devorados, massacrados, aniquilados por anos, como fomos em 1964.
A escolha é entre lutar ou morrer, ninguém se iluda.
Por: Fernando Brito

domingo, 23 de junho de 2013

O Brasil e sua influência no mundo — Rede Brasil Atual

O Brasil e sua influência no mundo — Rede Brasil Atual
por Mauro Santayana publicado 23/06/2013 08:10, última modificação 22/06/2013 20:02
Em um dos seus discursos, na pregação democrática que conduziu à transição, Tancredo Neves disse que a construção da nacionalidade se deve mais ao povo do que às elites. Os ricos têm seus bens, algumas vezes até mesmo fora do país. Os pobres só têm o patrimônio comum da nação, com seus heróis e seus símbolos. É em razão disso que os trabalhadores, de modo geral, quando ascendem ao poder, mediante as poucas oportunidades que surgem, contribuem para o crescimento do país. Nada mais expressivo, nessa constatação, do que o exemplo de Lula. Ele pode encerrar a sua vida política hoje, se quiser: o que fez, no exercício do poder, já o consagra na História.
Mas o Brasil tem seus competidores e inimigos externos – além dos inimigos internos. Não se sabe exatamente quais são os piores. A leitura dos grandes jornais brasileiros e o acompanhamento dos principais programas de televisão levam as pessoas desatentas a imaginar que nos encontramos no pior dos mundos. É certo que não podemos levantar um muro sanitário ao longo de nossas fronteiras, de forma a impedir a repercussão interna das crises econômicas, temos ocupado na economia mundial uma posição sólida, com presença crescente em todas as regiões do planeta.
Uma de nossas grandes vantagens é a amplitude do mercado interno. As políticas compensatórias nos permitiram o aumento do consumo, primeiro, de alimentos e, em seguida, de bens duráveis, o que repercutiu no crescimento do emprego, da massa salarial e da poupança, com o dinamismo geral da economia. Tivemos o cuidado de não expor demasiadamente a economia ao comércio internacional, de forma a manter, no teto confortável de 12% do PIB, o valor de nossas exportações. Não somos, como outras nações, assim tão dependentes do mercado externo.
Os esforços nacionais, na formação de saldos no balanço de pagamentos, nos transformaram no terceiro maior país credor dos Estados Unidos – depois da China e do Japão – e o maior credor no mundo ocidental. Em março deste ano, segundo informações oficiais do Tesouro norte-americano, eles nos deviam US$ 258,6 bilhões, US$ 5 bilhões a mais do que no fim do ano passado.
Nos últimos meses, os Estados Unidos têm empurrado o México a tentar confronto inútil com o Brasil, na disputa de influência na América Latina. Há uma enorme diferença entre o Brasil e o México, na divisão internacional do trabalho. O México é a etapa final de maquiagem de produtos das multinacionais norte-americanas e de terceiros países, destinados aos Estados Unidos e aos outros países do Nafta, o tratado de livre-comércio firmado em 1991 entre as três nações da América do Norte, para onde se dirigem 90% das exportações. O Brasil, é certo, exporta menos que o México, mas exporta para todos os continentes, e bens realmente produzidos em nosso território – e não simplesmente aqui maquiados.
Todos esses êxitos, somados, refletem-se em nossa posição política no mundo, e estimulam o patriotismo, mas é preciso ter cautelas. Não podemos fazer disso instrumento de orgulho, sobretudo em nossas relações com os vizinhos. Se quisermos influir no continente, devemos não apregoar a superioridade territorial nem os resultados econômicos. A América do Sul só será poderosa se for a soma entre iguais, não obstante as suas dimensões geográficas e políticas – e esse, que poderia ser o caminho natural, é trecho difícil de ser percorrido. A diplomacia brasileira, que vem obtendo êxitos, como a eleição do embaixador Roberto Azevêdo para o posto de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, terá de redobrar a sua prudência.

Jurista afirma que oposição à PEC 37 virou 'pura demagogia' — Rede Brasil Atual

Jurista afirma que oposição à PEC 37 virou 'pura demagogia' — Rede Brasil Atual

São Paulo – A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, de 2011, que propõe limitar o poder de investigação criminal às polícias, privando o Ministério Público da atividade, é tema de ato marcado para hoje (22), às 15h, no vão livre do Museu de Arte de São Paulo, na Avenida Paulista, em São Paulo. Cartazes com dizeres “contra a PEC da corrupção” e “ PEC 37, a PEC da impunidade” apareceram nas marchas das últimas semanas no país, embora muitos manifestantes não soubessem explicar de que se trata a proposta do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA).
A onda de reivindicações contra a PEC 37, alegando que sua aprovação tornaria impunes crimes de corrupção no país, é "pura demagogia", segundo o professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo Pedro Serrano. “Existe a questão da impunidade, mas em relação ao governo estadual. Em relação ao âmbito federal não vai mudar nada. Quem investiga nesse âmbito é a Polícia Federal, que tem feito isso com evidente autonomia e independência, em casos inclusive que envolvem o governo federal, como a operação Satiagraha, a Castelo de Areia, e o próprio mensalão.”
A necessidade de uma reforma estrutural do sistema de investigação criminal é reivindicada por juristas e especialistas, de acordo com o professor. “Estão fazendo uma mudança pontual no sistema. A PEC não muda todo o sistema, muda um pequeno aspecto e, na prática, restringe a capacidade de investigação de crimes do âmbito estadual. É uma grande emenda em favor dos governos estaduais e dos secretários de estado.”
A grande difusão, principalmente pelas redes sociais, de argumentos contra a PEC, que levantam as bandeiras genéricas do “Basta da corrupção” e de “Políticos ladrões” é preocupante, segundo Serrano. “Isso se difundiu pelos argumentos ruins, não pelos adequados. Essa parte da juventude não entendeu, talvez, que a política é a forma pacífica de solução dos problemas sociais. Ou há política ou há luta armada na rua. A democracia é sobretudo um regime que visa à opção de paz social.”
Esta semana, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, entrou em acordo com líderes partidários da Câmara para adiar a votação em plenário da PEC. A ideia agora é debater por mais tempo o assunto e buscar uma proposta de consenso.

Mais estrutura

Para Serrano, a PEC 37 é muito restrita para solucionar problemas nas investigações sobre impunidade e corrupção. “Ao contrário de boa parte de setores da esquerda, que são a favor da PEC, eu sou contra, porque ela é uma PEC pontual, não reforma todo o sistema. A ideia de que só a policia deve investigar está correta, desde que ela tenha autonomia”, afirma. “Mas sobra um problema: e no caso em que a policia não tem autonomia e independência para investigar? Quando, por exemplo, a própria polícia comete um crime ou quando o governo do estado, mandante da polícia, está envolvido?”, questiona.
O professor ressalta que a estrutura de investigação criminal nos estados é bastante precária devido às condições de trabalho das polícias, que são dependentes dos governos, diferente da Polícia Federal, que, segundo ele, goza de muita autonomia. “O governo Lula promoveu efetivamente a autonomia da Polícia Federal. São profissionais bem remunerados e que têm normas que estabelecem autonomia investigatória em relação ao centro do comando do executivo.”
Serrano apontou também que as polícias estaduais são mal-remuneradas. “A realidade é que não há investigação no âmbito estadual. O Ministério Público é único resto de esperança de que os crimes do governo do estado sejam investigados. E se for acabar com a competência dele, acabou.”
Os delegados de polícia, de acordo com Serrano, devem ser melhor remunerados, com salários iguais aos de juízes e promotores. "O Ministério Público tem irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade no cargo. A polícia não. Delegados podem ser transferidos, policiais podem sofrer represálias e não subir de cargos, além de que estão sempre sujeitos ao governador."
Ele sugere que as polícias tenham as mesmas condições de trabalho que os promotores públicos e juízes, o que garantiria maior independência em relação aos governos. "A elas tem de ser oferecido também estabilidade e irredutibilidade de vencimentos. Na hora que você tiver esse tipo de estrutura aí dá pra se discutir o conteúdo da PEC 37, quando houver autonomia concreta da polícia.”

Carta Maior - Laurindo Lalo Leal Filho - A TV organiza a massa

Carta Maior - Laurindo Lalo Leal Filho - A TV organiza a massa

A mudança da grade de programação, com a troca da novela pelas manifestações “ao vivo”, na última quinta (20), é ainda mais emblemática. Sinalizou para o telespectador que algo de muito grave estava ocorrendo e ele deveria ficar “ligado na Globo” para “entender” a situação.

(*) Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual.

"Este não foi um movimento partidário. Dele participaram os setores conscientes da vida política brasileira". (Editorial de O Globo, 2/4/1964)

A TV, chamada de “Príncipe Eletrônico” pelo sociólogo Octavio Ianni, está conduzindo as massa pelas ruas brasileiras. À internet coube o papel de convocar, à TV de conduzir.

Ao perceber que o movimento não tinha direção e poderia assumir bandeiras progressistas, as emissoras de TV, com a Globo à frente, passaram a conduzi-lo.

Nos primeiros dias, para as TVs, eram vândalos que estavam nas ruas e precisavam ser reprimidos. Reproduziam em linguagem popular o que pediam os editoriais da mídia impressa.

Não esperavam, no entanto, que o movimento ganhasse as proporções que ganhou. Longos anos de neoliberalismo exaltando o consumo e o individualismo tiraram de algumas gerações o prazer de fazer política voltada para a solidariedade e a transformação social.

Os partidos que poderiam ser eficientes canais de participação passaram a se preocupar mais com o jogo do poder do que com debate e o esclarecimento político, tão necessário na formação dos jovens.

Tudo isso estava engasgado. O movimento do passe livre serviu de destape. Reprimido com violência como queria a mídia, ele cresceu. Milhões foram às ruas em repúdio ao vandalismo policial daquela quinta-feira (13).

As bandeiras, ao se multiplicarem, diluíram. A história registra o surgimento, nesses momentos, de líderes carismáticos ou de militares bem armados para levar as massas à trágicas aventuras. Alemanha nos anos 1930 e o Brasil em 1964 são apenas dois exemplos.

Em 2013, quem assumiu esse papel foi a TV. Percebendo a grandeza física do movimento, mudou o discurso e passou a exaltar a “beleza” das manifestações. Ofereceu para elas as suas bandeiras voltadas para assediar o poder central.

O grito genérico contra a corrupção ecoa a tentativa de golpe contra o governo Lula em 2005, ensaiado pelos mesmos agentes de hoje. Naquela época o esforço era maior. A TV tinha de convencer a massa a ir para a rua. Em 2013 ela já estava caminhando, era só entregar as bandeiras.

É o que estão fazendo com todo empenho. A exaltação ao povo que “acordou” foi só o começo. O JN, na sexta-feira (14), censurou uma entrevista dada no Rio por uma integrante do Movimento do Passe Livre, Mayara Vivian.

Enquanto ela falava dos ônibus, tudo bem. Mas a parte em que ela defendia a reforma agrária, a reforma política e o fim do latifúndio no Brasil foi cortada pela censura global. Esses temas não fazem parte das bandeiras da família Marinho.

A mudança da grade de programação, com a troca da novela pelas manifestações “ao vivo”, na última quinta (20), é ainda mais emblemática. Sinalizou para o telespectador que algo de muito grave estava ocorrendo e ele deveria ficar “ligado na Globo” para “entender” a situação.

Tanto entenderam que às 20h30 centenas, se não milhares de pessoas, continuavam a sair das estações do Metrô na Avenida Paulista. Iam se juntar aos “apolíticos” que hostilizavam os militantes partidários insuflados por “pitbulls” (jovens parrudos) estrategicamente postados ao longo da avenida. Pela minha cabeça passaram imagens das brigadas nazistas vistas no cinema.

Os cartazes tinham de tudo. Alguém disse que era um “facebook” real. Cada um “postava” na cartolina a sua reivindicação. E a TV até disso se aproveitou.

Na sexta pela manhã, Ana Maria Braga ensinava como as mães deveriam orientar seus filhos na confecção desses cartazes. Como o Movimento pelo Passe Livre já disse que não iria mais convocar novas manifestações, parece que a Globo assumiu o comando. Quando será o próximo ato? Saiba na Globo.

Fustigado nas ruas e nas telas, o governo para responder, tem de se valer da mesma TV que o ataca. Julgou, como julgaram outros governos, que isso seria possível e por isso não constituiu canais alternativos de rádio e TV capazes de equilibrar a disputa informativa (a presidente Cristina Kirchner não entrou nessa).

Sem falar na regulamentação dos meios eletrônicos cujo projeto formulado ao final do governo Lula está engavetado. Se houvesse sido enviado ao Congresso e aprovado, outras vozes estariam no ar. Teríamos mais chance de evitar o golpe anunciado.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Carta Maior - Boaventura de Sousa Santos - O preço do progresso

Carta Maior - Boaventura de Sousa Santos - O preço do progresso

Enquanto perante as recentes manifestações na Turquia foi imediata a leitura sobre as "duas Turquias", no caso do Brasil foi mais difícil reconhecer a existência de "dois Brasis". Mas ela aí está aos olhos de todos. A dificuldade em reconhecê-la reside na própria natureza do "outro Brasil", um Brasil furtivo a análises simplistas.

Com a eleição da Presidente Dilma Rousseff, o Brasil quis acelerar o passo para se tornar uma potência global. Muitas das iniciativas nesse sentido vinham de trás mas tiveram um novo impulso: Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente, Rio +20, em 2012, Campeonato do Mundo de Futebol em 2014, Jogos Olímpicos em 2016, luta por lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, papel ativo no crescente protagonismo das "economias emergentes", os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), nomeação de José Graziano da Silva para Diretor-Geral da Organização da Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em 2012, e de Roberto Azevedo para Diretor-Geral Organização Mundial de Comércio, a partir de 2013, uma política agressiva de exploração dos recursos naturais, tanto no Brasil como em África, nomeadamente em Moçambique, favorecimento da grande agricultura industrial sobretudo para a produção de soja, agro-combustíveis e a criação de gado.

Beneficiando-se de uma boa imagem pública internacional granjeada pelo Presidente Lula e as suas políticas de inclusão social, este Brasil desenvolvimentista impôs-se ao mundo como uma potência de tipo novo, benévola e inclusiva. Não podia, pois, ser maior a surpresa internacional perante as manifestações que na última semana levaram para a rua centenas de milhares de pessoas nas principais cidades do país. Enquanto perante as recentes manifestações na Turquia foi imediata a leitura sobre as "duas Turquias", no caso do Brasil foi mais difícil reconhecer a existência de "dois Brasis". Mas ela aí está aos olhos de todos. A dificuldade em reconhecê-la reside na própria natureza do "outro Brasil", um Brasil furtivo a análises simplistas. Esse Brasil é feito de três narrativas e temporalidades.

A primeira é a narrativa da exclusão social (um dos países mais desiguais do mundo), das oligarquias latifundiárias, do caciquismo violento, de elites politicas restritas e racistas, uma narrativa que remonta à colónia e se tem reproduzido sobre formas sempre mutantes até hoje. A segunda narrativa é a da reivindicação da democracia participativa que remonta aos últimos 25 anos e teve os seus pontos mais altos no processo constituinte que conduziu à Constituição de 1988, nos orçamentos participativos sobre políticas urbanas em centenas de municípios, no impeachment do Presidente Collor de Mello em 1992, na criação de conselhos de cidadãos nas principais áreas de políticas públicas especialmente na saúde e educação aos diferentes níveis da ação estatal (municipal, estadual e federal).

A terceira narrativa tem apenas dez anos de idade e diz respeito às vastas políticas de inclusão social adotadas pelo Presidente Lula da Silva a partir de 2003 e que levaram a uma significativa redução da pobreza, à criação de uma classe média com elevado pendor consumista, ao reconhecimento da discriminação racial contra a população afrodescendente e indígena e às políticas de ação afirmativa e à ampliação do reconhecimento de territórios e quilombolas e indígenas.

O que aconteceu desde que a Presidente Dilma assumiu funções foi a desaceleração ou mesmo estancamento das duas últimas narrativas. E como em política não há vazio, o espaço que elas foram deixando de baldio foi sendo aproveitado pela primeira e mais antiga narrativa que ganhou novo vigor sob as novas roupagens do desenvolvimento capitalista todo o custo, e as novas (e velhas) formas de corrupção. As formas de democracia participativa foram cooptadas, neutralizadas no domínio das grandes infraestruturas e megaprojetos e deixaram de motivar as gerações mais novas, orfãs de vida familiar e comunitária integradora, deslumbradas pelo novo consumismo ou obcecadas pelo desejo dele.

As políticas de inclusão social esgotaram-se e deixaram de corresponder às expectativas de quem se sentia merecedor de mais e melhor. A qualidade de vida urbana piorou em nome dos eventos de prestígio internacional que absorveram os investimentos que deviam melhorar transportes, educação e serviços públicos em geral . O racismo mostrou a sua persistência no tecido social e nas forças policiais. Aumentou o assassinato de líderes indígenas e camponeses, demonizados pelo poder político como "obstáculos ao desenvolvimento" apenas por lutarem pelas suas terras e modos de vida, contra o agronegócio e os megaprojetos de mineração e hidrelétricos (como a barragem de Belo Monte, destinada a fornecer energia barata à indústria extrativa).

A Presidente Dilma foi o termómetro desta mudança insidiosa. Assumiu uma atitude de indisfarçável hostilidade aos movimentos sociais e aos povos indígenas, uma mudança drástica em relação ao seu antecessor. Lutou contra a corrupção mas deixou para os parceiros políticos mais conservadores as agendas que considerou menos importantes. Foi assim que a Comissão de Direitos Humanos, historicamente comprometida com os direitos das minorias, foi entregue a um pastor evangélico homofóbico e promove uma proposta legislativa conhecida como “cura gay”. As manifestações revelam que, longe de ter sido o país que acordou, foi a Presidente quem acordou.

Com os olhos postos na experiência internacional e também nas eleições presidenciais de 2014, a Presidente Dilma tornou claro que as respostas repressivas só agudizam os conflitos e isolam os governos. No mesmo sentido, os presidentes de câmara de nove cidades capitais já decidiram baixar o preço dos transportes. É apenas um começo. Para ele ser consistente é necessário que as duas narrativas (democracia participativa e inclusão social intercultural) retomem o dinamismo que já tiveram. Se assim for, o Brasil estará a mostrar ao mundo que só merece a pena pagar o preço do progresso, aprofundando a democracia, redistribuindo a riqueza criada e reconhecendo a diferença cultural e política daqueles para quem progresso sem dignidade é retrocesso.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

A falácia da ‘alta’ carga tributária do Brasil | Diário do Centro do Mundo

A falácia da ‘alta’ carga tributária do Brasil | Diário do Centro do Mundo
Por trás da campanha antifisco das empresas de mídia se esconde a vontade de pagar ainda menos impostos.

Estava na Folha, num editorial recente.
A carga tributária brasileira é alta. Cerca de 35% do PIB. Esta tem sido a base de incessantes campanhas de jornais e revistas sobre o assim chamado “Custo Brasil”.
Tirada a hipocrisia cínica, a pregação da mídia contra o “Custo Brasil” é uma tentativa de pagar (ainda) menos impostos e achatar direitos trabalhistas.
Notemos. A maior parte das grandes empresas jornalísticas já se dedica ao chamado ‘planejamento fiscal’. Isto quer dizer: encontrar brechas na legislação tributária para pagar menos do que deveriam.
A própria Folha já faz tempo adotou a tática de tratar juridicamente muitos jornalistas – em geral os de maior salário – como PJs, pessoas jurídicas. Assim, recolhe menos imposto. Uma amiga minha que foi ombudsman era PJ, e uma vez me fez a lista dos ilustre articulistas da Folha que também eram.
A Globo faz o mesmo. O ilibado Merval Pereira, um imortal tão empenhado na vida terrena na melhora dos costumes do país, talvez pudesse esclarecer sua situação na Globo – e, transparentemente, dizer quanto paga, em porcentual sobre o que recebe.
A Receita Federal cobra uma dívida bilionária em impostos das Organizações Globo, mas lamentavelmente a disputa jurídica se trava na mais completa escuridão. Que a Globo esconda a cobrança se entende, mas que a Receita Federal não coloque transparência num caso de alto interesse público para mim é incompreensível.
A única vez em que vi uma reprovação clara em João Roberto Marinho, acionista e editor da Globo, foi quando chegou a ele que a Época fazia uma reportagem sobre o modelo escandinavo. Como diretor editorial da Editora Globo, a Época respondia a mim. O projeto foi rapidamente abortado.

Voltemos ao queixume do editorial da Folha.
Como já vimos, a carga tributária do Brasil é de 35%. Agora olhemos dois opostos. A carga mais baixa, entre os 60 países que compõem a prestigiada OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, é a do México: 20%. As taxas mais altas são as da Escandinávia: em redor de 50%.
Queremos ser o que quando crescer: México ou Escandinávia?
O dinheiro do imposto, lembremos, constrói estradas, portos, aeroportos, hospitais, escolas públicas etc. Permite que a sociedade tenha acesso a saúde pública de bom nível, e as crianças – mesmo as mais humildes — a bom ensino.
Os herdeiros da Globo – os filhos dos irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto – estudaram nas melhores escolas privadas e depois, pelas mãos do tutor Jorge Nóbrega, completaram seu preparo com cursos no exterior.
A Globo fala exaustivamente em meritocracia e em educação. Mas como filhos de famílias simples podem competir com os filhos dos irmãos Marinhos? Não estou falando no dinheiro, em si – mas na educação pública miserável que temos no Brasil.
Na Escandinávia, a meritocracia é para valer. Acesso a educação de bom nível todos têm. E a taxa de herança é alta o suficiente para mitigar as grandes vantagens dos herdeiros de fortunas. O mérito efetivo é de quem criou a fortuna, não de quem a herdou. A meritocracia deve ser entendida sob uma ótima justa e ampla, ou é apenas uma falácia para perpetuar iniquidades.
Recentemente o site da Exame publicou um ranking dos 20 países mais prósperos de 2012 elaborado pela instituição inglesa Legatum Institute. Foram usados oito critérios para medir o sucesso das nações: economia, empreendedorismo e oportunidades, governança, educação, saúde, segurança e sensação de segurança pessoa, liberdade pessoal e capital social. A Escandinávia ficou simplesmente com o ouro, a prata e o bronze: Noruega (1ª), Dinamarca (2ª) e Suécia (3ª).
Se quisermos ser o México, é só atender aos insistentes apelos das grandes companhias de mídia. Se quisermos ser a Escandinávia, o caminho é mais árduo. Lá, em meados do século passado, se estabeleceu um consenso segundo o qual impostos altos são o preço – afinal barato – para que se tenha uma sociedade harmoniosa. E próspera: a qualidade da educação gera mão de obra de alto nível para tocar as empresas e um funcionalismo público excepcional. O final de tudo isso se reflete em felicidade: repare que em todas as listas que medem a satisfação das pessoas de um país a Escandinávia domina as posições no topo.
O sistema nórdico produz as pessoas mais felizes do mundo.
A Escandinávia é um sonho muito distante? Olhemos então para a China. À medida que o país foi se desenvolvendo economicamente, a carga tributária também cresceu. Ou não haveria recursos para fazer o extraordinário trabalho na infraestrutura – trens, estradas, portos, aeroportos etc – que a China vem empreendendo para dar suporte ao velocíssimo crescimento econômico.
Hoje, a taxa tributária da China está na faixa de 35%, a mesma do Brasil. E crescendo. Com sua campanha pelo atraso e pela iniquidade, os donos da empresa de mídia acabam fazendo o papel não de barões – mas de coronéis que se agarram a seus privilégios e mamatas indefensáveis.
Leia mais: A concentração na mídia é um mal para a democracia
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