sábado, 10 de outubro de 2015

Dólar, o passado e o presente

Dólar, o passado e o presente — CartaCapital



Dólar, o passado e o presente

Nos últimos 35 anos, o Brasil balançou três vezes ao ritmo
das crises cambiais

por Luiz Gonzaga Belluzzo



publicado
09/10/2015 03h14








Os jornalões e os comentaristas da
“mídia eletrônica” emitem lancinantes advertências a respeito do curso
do dólar. Descontados os efeitos sobre a inflação e o adiamento das
viagens para Miami, nossos especialistas estão preocupados com as
consequências da disparada do dólar sobre a dívida contratada pelas empresas e bancos brasileiros em moeda americana ou em euros.
Nos últimos 35 anos, o Brasil balançou
três vezes ao ritmo das crises cambiais. Primeiro, a crise da dívida
externa do início dos anos 1980. Sem reservas, em 1981, a queda do PIB
foi de 4,3%. Depois, o colapso do câmbio semifixo de 1999. As reservas
caíram de 59 bilhões de dólares em 1996 para 35,5 bilhões em 1999, com
direito a um empréstimo de 40 bilhões do FMI. Finalmente, o colapso da
confiança de 2015, provocado pelas avaliações catastrofistas dos
funcionários dos mercados financeiros, a despeito dos 376 bilhões de
dólares em reservas.
Antes e depois da crise financeira global,
a dívida externa corporativa dos emergentes cresceu aceleradamente.
Saltou de 4 trilhões de dólares em 2004 para 18 trilhões em 2014. Na
posteridade do colapso do Lehman Brothers, afrontados por rendimentos
modestos que acompanharam a inundação de liquidez nas metrópoles, os
senhores da grana universal encontraram guarida nos emergentes. Ainda
bafejado pelos últimos suspiros dos preços das commodities, sustentados
pela reação chinesa de 2008-2009, o Brasil valeu-se, ademais, do
ingresso de capitais, ainda turbinados pelo otimismo dos mercados.
Recebemos a unção do investment grade.
Com um pé atrás, escrevi, ainda em 2011, no jornal Valor:
é recomendável cautela e modéstia quando o ambiente internacional
transita de uma conjuntura excepcionalmente favorável para outra em que
prevalece a incerteza. A valorização do real e os diferenciais de taxas
de juro reais incentivaram a elevação do endividamento de bancos e
empresas em moeda estrangeira.
O relatório Global Financial Stability do
FMI de setembro de 2015 advertiu, um tanto tardiamente: a festança do
endividamento em moeda estrangeira quase sempre termina na ressaca da
Quarta-Feira Cinzas, castigada pela expiação dos pecados cometidos
contra os balanços de empresas, bancos, governos e famílias. Quando o
pessimismo se instaura, o lixo tóxico vem à tona.
É ilusório supor que o regime de câmbio
flutuante vai resistir à reversão do fluxo de capitais. Ainda pior é
imaginar que uma ulterior elevação da Selic ou a utilização das reservas
no mercado do dólar “pronto” vai frear os desatinos nos mercados
cambiais. Dèja vu de 1998.
As análises convencionais a respeito dos fluxos financeiros internacionais ignoram completamente o papel perturbador da função reserva de valor do
dinheiro na economia “monetária capitalista”. O sistema monetário
internacional de nossos dias está fundado no “privilégio exorbitante” do
país gestor do dinheiro universal.  As turbulências cambiais nos países
de moeda não conversível, com suas graves consequências fiscais e
monetárias domésticas, exibem a assimetria fundamental do sistema
monetário-financeiro global ancorado na função de reserva de valor do
dólar, um perigoso agente da “fuga para a liquidez”. Isso, como é
sabido, submete as demais moedas nacionais às políticas monetárias dos
Estados Unidos, tal como observamos agora às vésperas das reuniões do
Federal Open Market Committee.
Os títulos de riqueza denominados na
moeda não conversível e os carimbados com o selo da moeda-reserva são
substitutos muito imperfeitos. A hierarquia de moedas determina que o
dólar é mais “líquido” do que o peso argentino, o won coreano ou o real
brasileiro.
No mundo da hierarquia de moedas, às políticas econômicas
“internas” pouco resta além de acomodar as relações câmbio/juros para
seduzir os capitais em movimento. Assim, mesmo num ambiente
internacional de taxas de juro negativas, a trajetória da dívida pública
está submetida, em primeiríssima instância, aos prêmios de risco
exigidos pelos investidores para manter, mesmo em “situações de
estabilidade”, suas carteiras carregadas com papéis denominados na moeda
“emergente” não conversível.
Em tais condições, os juros reais mais
elevados impõem a obtenção de superávits fiscais permanentes. Veja o
leitor a combinação perversa: as taxas de juro reais mais elevadas do
que as praticadas no resto do mundo impõem uma política fiscal
restritiva para acomodar as expectativas dos mercados a respeito da
“solvência” da dívida soberana. Tudo muito natural.

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