Querem minar a credibilidade de Lula para depois prendê-lo, diz Carvalho
Gilberto Carvalho, 64, ex-chefe de gabinete de Lula e ex-ministro de Dilma Rousseff, reage fortemente aos pedidos de quebra de sigilo
de sua família por investigadores da Operação Zelotes e acusa uma
espécie de complô para "desmoralizar" e "prender" o ex-presidente da
República.
Em entrevista à Folha, o petista afirmou que seu partido tem de reconhecer os erros cometidos no passado, mas não pode ser alvo de perseguição.
*
Folha - O sr. foi chamado a prestar depoimento na PF...Gilberto Carvalho - Considero natural que, tendo vivido 10 anos
na vida pública, minha vida possa ser investigada. O que não pode é o
atropelamento dos direitos individuais. Fiz parte de um governo que
conseguiu estabelecer uma autonomia dos procedimentos da Polícia
Federal. Tenho orgulho de termos contribuído para o aumento da
transparência mesmo que o nosso partido seja, hoje, por erros que nós
cometemos, vítima desse processo, mas isso é natural.
O que não pode, em defesa da democracia, é o atropelamento dos direitos
individuais, e é isso que está em jogo. E tenho uma longa vida pública e
já me habituei a enfrentar, mas ver os seus filhos expostos desse modo é
um golpe duro.
Fala de vazamento de informações sigilosas?
Exatamente. Critico o cidadão da Receita Federal que recomenda a quebra
de sigilo bancário e fiscal dos meus familiares sem que contra mim haja
nenhum indício real, efetivo, de que eu tenha sido beneficiário de
qualquer propina ou ação dessas pessoas que estão presas hoje. É uma
leviandade e uma exposição desnecessária. Não condeno a investigação,
condeno a irresponsabilidade dessas pessoas.
Como foi a tramitação no governo das medidas provisórias hoje investigadas?
Estávamos em 2008, 2009, no meio da crise internacional, e foram tomadas
uma série de medidas para estimular a produção e o consumo. Havia uma
proposta do setor automobilístico para que se editasse uma MP para
estimular o desenvolvimento econômico em diversas regiões. Essa MP foi
construída com diversos setores empresariais, entre eles a Anfavea, que
naturalmente tinha interesse.
Só quem não conhece, quem ignora o processo de tramitação de uma MP,
pode dar crédito a essa picaretagem que esses caras fizeram de vender
uma influência que eles não tinham e nem poderiam ter. Dizer que eu e
ministros tenhamos influenciado ou obtido vantagem é de uma ignorância
alarmante. Me estranha muito que um servidor público da Receita Federal,
que sabe desse processo, se deixe levar por esse tipo de procedimento.
Não tinha acesso a essas discussões?
Eu fazia o filtro das pessoas que vinham falar com o presidente Lula.
Esse senhor Mauro Marcondes, que já tinha um conhecimento com presidente
Lula no tempo da negociação das greves do ABC, porque ele representava
na época uma das empresas automobilísticas, se apresentou no gabinete
com o cartão da Anfavea, vice-presidente, uma entidade nacional
reconhecida. E foi nessa condição que ele foi recebido defendendo a
importância dessa MP como representante do setor. Isso era a coisa mais
comum do mundo. O presidente Lula cansou de receber presidentes de
empresas sempre no intuito de estimular economia.
O sr. participou de algum conluio, como aponta a PF, ou recebeu alguma vantagem?
Nunca participei de conluio nenhum. Nunca esse senhor apareceu para mim
para fazer qualquer proposta nem tratar de nenhuma oferta. Até porque,
no meu papel de chefe de gabinete, eu não acompanhava as audiências em
sua imensa maioria. Esse senhor nunca me ofereceu qualquer beneficio
pecuniário.
Aliás, nos 12 anos de Planalto, nunca passei por esse constrangimento.
Tenho orgulho de não ter enriquecido neste período. Espero que o mesmo
tratamento dado a mim se dê àqueles que são os verdadeiros alvos da
Operação Zelotes, grandes empresas brasileiras, redes de comunicação no
Brasil. Só espero que a Zelotes não sirva apenas para construir esse
circo político.
Que circo?
Se a Operação Zelotes tiver apenas esse foco, não passará tristemente de
um circo político. Agora, com relação ao presidente Lula, é muito
estranho que essa sanha toda se volte contra ele e sua família. Já é o
segundo filho dele alvo sem os devidos cuidados, sem uma investigação
preliminar adequada, não interpretativa.
É muito importante, para o bem desse novo processo que nós estamos
fazendo no Brasil de passar o país a limpo, que as autoridades ajam com
responsabilidade. Porque essa irresponsabilidade acaba levando a um
descrédito e fazendo com que as investigações se transformem muito mais
em perseguição política do que em averiguação real.
E sua relação com Mauro Marcondes?
Eu o atendi a primeira vez no gabinete [de Lula]. Mais tarde, quando
essa MP estava vencendo, ele me procurou já como ministro da
Secretaria-Geral pedindo que eu o ajudasse no debate, na intervenção,
junto ao gabinete presidencial em relação à renovação dessa MP, que era
importante. Disse a ele que o máximo que poderia fazer era abrir uma
possibilidade de levar esse debate para o lugar adequado, que era a
Fazenda.
Acabei nem falando com Guido [Mantega, ministro da época]. Morreu aí
também essa história. No gabinete do presidente Lula não houve nunca,
nos oito anos dele, nenhum tipo de procedimento dessa natureza.
Que conexão faz entre Zelotes, Lava Jato e crise política?
A Lava Jato é um processo necessário para o país para a descoberta de
falcatruas que estavam acontecendo. O problema é ferir princípios
constitucionais e sagrados princípios de defesa quando se busca combater
a corrupção. Não se pode transformar juízes em personagens de destaque
midiático porque isso efetivamente corrompe o processo. E toda vez que
se transforma o combate à corrupção na perseguição a um só partido,
também há um prejuízo ao combate.
Por que a Lava Jato, em toda delação premiada, não levantou sequer uma
questão do financiamento das campanhas de outros políticos? Onde estão
as informações do financiamento da campanha do senhor Aécio Neves, que
recebeu mais dinheiro dessas empresa da Lava Jato do que Dilma Rousseff?
Por que isso não vem a público?
A PF diz que só investiga desvio de verba pública federal.
Quero fazer a seguinte pergunta a esses senhores. O dinheiro que saiu
das empresas públicas eram marcados, essas notas para Dilma, essas para o
Aécio? Ou as empresas fazem então uma separação de que o dinheiro
obtido da Petrobras vai para Dilma e o dinheiro obtido de maneira
correta vai para o Aécio?
Isso é uma palhaçada. Eles não perguntam para os delatores essa questão.
O alvo é só um, é o PT, é o presidente Lula. Eles querem desmoralizar o
presidente Lula para depois realizarem a prisão dele e o tirarem fora
de 2018, é disso que se trata. A tática está definida, está clara. É a
tentativa de ir aos poucos minando o partido, a credibilidade do
presidente Lula, para depois levá-lo a um processo de condenação e
prisão.
Se o país não tiver consciência disso, nós seremos conduzidos a um
processo que vai enganar todo mundo. Em nome do combate à corrupção, os
grandes corruptores continuarão soltos e impunes, mas grande parte vai
continuar praticando o mesmo assalto aos cofres públicos, como fizeram
no Brasil no caso da privataria [privatizações da era tucana], da emenda
da reeleição [de Fernando Henrique Cardoso].
Por essa análise, juízes, delegados e procuradores atuariam todos com esse propósito?
É muito mais complexo que isso. É evidente que há contradições no seio
de qualquer instituição. O que quero afirmar é que nitidamente
transparece uma intenção muito clara neste momento de dar prioridade a
todos os temas que dizem respeito à desmoralização do PT e do presidente
Lula. Eu sempre digo o seguinte: o meu partido errou e tem que
reconhecer e pagar por isso. Não tenho problema de pagarmos preços
duríssimos desde que, de fato, se deem passos no sentido de um combate
efetivo à corrupção.
O que me espanta e me dói é ver gente como o ministro do Supremo Gilmar
Mendes e próceres do PSDB que denunciam a corrupção mas defendem com
unhas e dentes o principal instrumento indutor da corrupção que é o
financiamento empresarial de campanha. É uma hipocrisia. Se passar a
Lava Jato, com tudo o que ela está provocando, e o PT pagar o seu preço,
e todos esses mecanismos continuarem, a nação terá perdido muito.
O PT diz que o ministro da Justiça não controla a PF. Deveria controlar?
Eu não partilho dessas críticas. Tenho orgulho de que nenhum dos nossos
ministros controlaram a PF. O PT não pode ter medo de ser investigado,
porque nós tomamos essa iniciativa, que não havia no governo Fernando
Henrique, quero deixar claro. O chefe da Polícia Federal no governo FHC
era uma pessoa estreitamente ligada ao PSDB. Não podemos querer quebrar
uma virtude nossa. Então que não partilho sinceramente dessa crítica.
O Zé Eduardo Cardozo, a meu juízo, zela para uma condução republicana.
Por isso seria de se esperar dos investigadores e da própria Receita
Federal um comportamento consequente disso. Minha insurgência é contra
dados serem publicados de maneira irresponsável e citações nos
relatórios sem base fundamentada. Não defendo sua demissão.
Por essa linha, o PT está certo ao presumir a inocência do presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
O grande cuidado que temos de tomar sempre é não sermos contraditórios,
defender a presunção de inocência da gente e não dos nossos adversários.
Temos razões de sobra para desejar que a justiça se faça o quanto antes
em relação ao Eduardo Cunha pelas provas que têm surgido, mas concordo
com a posição do PT enquanto a denúncia não for aceita. O que não pode
ser confundido com nenhum tipo de negociação de tentar trocar uma
atitude moderada em relação a ele pelo não andamento do impeachment,
isso seria, além de indigno, de uma ignorância enorme, porque não
acredito que o senhor Eduardo Cunha tenha condições de a gente fazer
qualquer acordo dessa natureza, não prosperaria.
Uma coisa é uma atitude institucional em relação a ele como presidente
da Câmara, outra coisa é qualquer acordo de troca, o que seria de
redonda burrice, porque não acredito que ele honraria qualquer
compromisso. Acho que ele não tem condição de deflagrar um impeachment
porque não tem nenhum pedido sustentado em mínimas condições adequadas.
Segundo que, politicamente, ele perdeu qualquer credibilidade para
conduzir qualquer processo. Se eu fosse o presidente da Câmara teria
pedido afastamento do cargo porque ele sabe o que ele fez e os dados que
estão aparecendo, muito concretos, a cada dia derrotam a tese dele.
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