A operação cênica do Tribunal de Contas da União, encerrada minutos
antes de começar o "Jornal Nacional", merece entrar para a história dos
escândalos políticos-midiáticos. Um órgão de assessoria parlamentar que
se passa por corte para, em dizeres altissonantes, condenar
unanimemente, e em rede de TV, a presidente da República por
"desgovernança fiscal". Pode ser que o impeachment não prospere nunca,
mas do ponto de vista ideológico Dilma Rousseff foi impedida na noite de
quarta (7).
Os fundamentos objetivos da condenação, no entanto, passam batidos.
Desculpe-me o leitor por obrigá-lo a assunto tão árido, porém não há
outro modo de abordar o tema. Tomarei apenas um exemplo, referente às
supostas "pedaladas fiscais", para indicar como as evidências são
fracas.
Vazado em linguagem cifrada, o voto do relator busca fixar a ideia de
que em 2014 a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) teria sido burlada de
maneira criminosa por meio das pedaladas. Como prova, menciona-se a
páginas tantas que as contas relativas à Bolsa Família, ao Seguro
Desemprego e ao Abono Salarial, gerenciadas pela Caixa Econômica Federal
(CEF), teriam ficado negativas em 59% dos dias daquele ano.
O TCU considera que, ao deixar no vermelho o saldo dos referidos
pagamentos, a União estaria usando dinheiro emprestado da CEF, o que
seria proibido pela LRF. Com efeito, produzida, entre outras coisas,
para conter o uso dos bancos públicos, ela proíbe que o Estado receba
crédito de casa bancária por ele controlada.
Ocorre que a resposta do Advogado-Geral da União, neste particular, foi
precisa. Na defesa oral apresentada perante os ministros, Luís Inácio
Adams lembrou que, ao final de 2014, o Tesouro tinha a receber da CEF
141 milhões de reais. Onde já se viu tomador de empréstimo receber em
lugar de pagar dívida contraída?
A charada se resolve se pensarmos que não houve empréstimo algum. Os
ministérios têm um contrato de serviço com a CEF, que administra as
sobrecitadas contas. Nos dias em que ela fica negativa, produz-se um
haver em favor do banco, quando positiva, em favor do Tesouro,
procedendo-se a um ajuste entre uns e outros. No caso de 2014, quem
devia era a Caixa e não a presidente. Onde o crime, então?
A imprensa, se quiser prestar um serviço à democracia, tem a obrigação
de destrinchar o que está contido nas milhares de páginas oficiais
escritas sobre o caso. Diferentemente dos episódios de corrupção, tudo
está à mostra e pode-se chegar a conclusões claras.
Ao governo cabe promover ampla campanha de esclarecimento. Se não o
fizer, deixará o principal argumento pró-impeachment tomar conta do
público por mera repetição.
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