Entrevista Marcio Pochmann
Futuro está bloqueado pela ditadura do curtoprazismo
PARA ECONOMISTA LIGADO AO PT, PAÍS NÃO AGUENTA RECESSÃO PROLONGADA E MEDIDAS DE AJUSTE DEVERIAM SER GRADUAIS
ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULO
"Por quanto tempo a população sustentará medidas que apontam para o rebaixamento de seu padrão de vida?".
Quem faz o alerta é o economista Marcio Pochmann, 53, presidente da
Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. Para ele, o ajuste do governo é um
equívoco, reforça o baixo dinamismo da economia e ameaça direitos
conquistados.
Ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada),
Pochmann diz que a agenda de futuro do país está sendo bloqueada pela
"ditadura do curtoprazismo", lógica do mercado financeiro.
Contra essa corrente, ele e dezenas de intelectuais lançaram, na semana
passada, um documento com sugestões de mudanças políticas e econômicas:
"Por um Brasil Justo e Democrático".
Nesta entrevista, ele avalia que o governo pode dar uma virada à esquerda e encampar as ideias do texto.
Folha - Qual é o foco do documento "Por um Brasil Justo e Democrático"?
Marcio Pochmann - É olhar o futuro. O Brasil se enfraqueceu do
ponto de vista produtivo. Nosso projeto é de reindustrialização
nacional. No início dos anos 1980, desenvolvimentistas fizeram o
documento "Esperança e Mudança", com um projeto para o Brasil, que
estava em recessão por três anos (1981-83). Foi nossa referência.
Por que o governo deu uma guinada e adotou ajuste que, diz o documento, segue a lógica do mercado financeiro?
A nova equipe econômica convenceu a presidente de que era mais
importante adotar uma terapia de choque, que, diziam, teria efeitos
negativos, mas de curto prazo. Fizeram choques fiscal, monetário,
cambial e de preços. Tudo no mesmo momento. Isso alterou dramaticamente
as expectativas e jogou a economia numa recessão. O impacto foi talvez
surpreendente para a equipe econômica.
Surpresa? A recessão não foi deliberadamente fabricada?
As questões principais não estão resolvidas. Qual o projeto pós-ajuste? A
lógica do ajuste é um fim em si mesmo. Não fixa pontes para o futuro.
Está queimando pontes com o presente e passado. As sugestões que ganham
força são de corte em despesas obrigatórias, estabelecidas como direitos
e conquistas. A oposição, que não tem projeto para o futuro, diz que a
Constituição não cabe no PIB.
Como o senhor rebate essa afirmação?
Temos uma despesa que não gera nenhum ganho e é improdutiva, que é a com
os juros da dívida. Eles são campeões do mundo para uma dívida
relativamente baixa em relação ao PIB. Defendemos finanças públicas
saudáveis. As opções que estão sendo tomadas não levam a isso.
O ajuste não era necessário?
Medidas deveriam ter sido tomadas de forma gradual. O choque
desorganizou a capacidade de o governo liderar os investimentos.
Precisamos reindustrializar. A agenda que é a ponte para o futuro vai
sendo bloqueada pela ditadura do curtoprazismo. Estamos na lógica do
mercado financeiro, especulativo.
O empresariado está muito contrariado com o ajuste?
Não estão satisfeitos. É insustentável uma recessão prolongada. A se
manter o quadro, os protestos contra a recessão vão crescer, como
cresceram nos anos 1980, quando um grupo de trabalhadores derrubou as
grades do Palácio dos Bandeirantes. Temos agravamento porque as pessoas
percebem a piora, o rebaixamento do padrão de vida. Por quanto tempo o
povo vai sustentar medidas que apontam para o rebaixamento de seu padrão
de vida? É um caldo de cultura que favorece situações políticas que não
sabemos muito bem.
O sr. considera a hipótese de o governo encampar as ideias do documento e dar uma virada à esquerda?
Sim. Estamos no início de um governo que tem quatro anos pela frente. A
maioria hoje é muito frágil e a mudança ministerial vai no sentido de
recompor uma maioria política para sustentar o governo para os próximos
anos.
A mudança ministerial pode significar uma virada à esquerda? Não é o que parece.
A recomposição da maioria pode apontar para um caminho à esquerda.
Juscelino Kubitschek foi eleito e não tinha maioria nas esferas
institucionais –tinha só um terço dos votos no Congresso. E foi
construir a maioria fora dessas esferas. Fez o programa de metas fora do
governo e o executa fora da administração pública tradicional, cria
grupos executivos. Esse movimento lhe permitiu reconstruir as bases no
congresso.
O documento afirma que são os pobres que pagam a conta do social. Por quê?
Os pobres pagam mais impostos proporcionalmente do que os ricos. Para os
pobres foi criado o Bolsa Família. Mas para a classe média e os ricos
que podem declarar o Imposto de Renda há abatimento com gastos privados
em instrução. Dá mais do que o Bolsa Família atual.
Há uma 'Bolsa Rico'?
Se houvesse um esforço concentrado só na questão da sonegação, não
precisaria do ajuste. Sonegação, subsídios, desonerações: o Estado
brasileiro é muito corajoso para cobrar imposto de pobre e paternalista
para cobrar imposto de rico. Quem mais paga imposto não reclama e quem
menos paga, reclama.
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