domingo, 19 de junho de 2016

A liquidação do neoliberalismo — CartaCapital

A liquidação do neoliberalismo — CartaCapital



Por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo.
O nacionalismo xenófobo
de Donald Trump nos Estados Unidos, o referendo sobre a permanência do
Reino Unido na União Europeia, a tensão entre a Alemanha e a política
monetária do senhor Mario Draghi
na Zona do Euro, o Japão à beira da recessão e a desaceleração chinesa
são sintomas dos achaques e estertores que acometem o arranjo
geoeconômico erigido nos últimos 40 anos. 
Desde o fim dos anos 1970, a
reestruturação do capitalismo, ora em risco, envolveu mudanças profundas
no modo de operação das empresas, na integração dos mercados e,
sobretudo, nas relações entre o poder da finança e a soberania do
Estado. 
O verdadeiro sentido da globalização é o acirramento da concorrência entre
empresas, trabalhadores e nações, inserida em uma estrutura financeira
global monetariamente hierarquizada, comandada pelo poder do dólar. 
Sob os auspícios do capital financeiro e
de um sistema monetário internacional capenga, ocorreu a brutal
centralização do controle das decisões de produção, localização e
utilização dos lucros em um núcleo reduzido de grandes empresas e
instituições financeiras à escala mundial. A centralização do controle
impulsionou e foi impulsionada pela fragmentação espacial da produção. 
A convergência entre a centralização do
controle pela finança, a fragmentação espacial da produção e a
centralização do capital financeiro alterou profundamente a estratégia
da grande empresa. 
Até os anos 1960 do século XX, a
Revolução dos Gerentes estava comprometida com a obsessão pelo
crescimento da grande empresa no longo prazo. Dotada de uma estrutura
burocrática hierarquizada, a grande corporação abrigava com segurança os
blue collars no chão de fábrica e, nos escritórios, acomodava a classe média white collar em bons empregos e saudáveis remunerações.
Naqueles tempos, a
cada 12 dólares gastos na compra de máquinas ou construção de novas
fábricas, apenas 1 dólar era despendido com os dividendos pagos aos
acionistas. Nas décadas seguintes, a proporção começou a se inverter:
mais dividendos, menos investimento nas fábricas e na contratação de
trabalhadores.
A associação de interesses entre gestores
e acionistas estimulou a compra das ações das próprias empresas com o
propósito de valorizá-las e favorecer a distribuição de dividendos. 
A isso se juntam a febre das fusões e
aquisições, o planejamento tributário nos paraísos fiscais, o afogadilho
das demonstrações trimestrais de resultados e as aflições das
tesourarias de empresas e bancos, açoitadas com o guante da marcação a mercado. 
A migração das empresas para as regiões
onde prevalecem relações mais favoráveis entre produtividade, câmbio e
salários desatou a “arbitragem” com os custos salariais e estimulou a 
flexibilização das relações de trabalho, na verdade a desqualificação e
eliminação de trabalhadores impostas pelo avanço das tecnologias da
informação e da automação na indústria e nos serviços. A evolução do
regime do “precariato” constituiu relações trabalhistas que se
desenvolvem sob as práticas da flexibilidade do horário.      
A flexibilização das relações trabalhistas
não só subordinou o crescimento da renda das famílias ao aumento das
horas trabalhadas, como aprisionou definitivamente os gastos de consumo
ao endividamento.
O circuito de formação da renda na economia como um todo começa a falhar.
O desemprego e a queda dos rendimentos dos trabalhadores reduzem o
gasto das empresas no pagamento de salários e também desestimulam a
aquisição de meios de produção de outras empresas.
Em seu livro The Road To Recovery, o economista
Andrew Smithers demonstra que, no período de 1981 a 2009, o
investimento das empresas privadas calculado sobre o PIB caiu 3 pontos
porcentuais nas economias desenvolvidas. O investimento deixou de
apresentar o comportamento cíclico de outros tempos em que os gastos com
Capex acompanhavam as flutuações da economia. 
Assim, a grande empresa contemporânea
move a economia capitalista na direção da concentração da riqueza e da
renda. Enredada nas armadilhas da acumulação financeira e enfiada no
pântano da liquidez curto-prazista, empurra a economia global para a
estagnação secular, falhando com grande escândalo em sua capacidade de
gerar empregos. Um curto-circuito nas cadeias de geração e de
apropriação do valor.
As evidências indicam que a dinâmica da
economia mundial aponta mudanças estruturais que descortinam uma nova
fase, edificada entre tropelias e contradições. O ranger de dentes levou
o FMI a questionar, neste mês, as ideias e princípios do neoliberalismo econômico
O artigo “Neoliberalism: Oversold?”
aborda especificamente os efeitos de duas políticas inscritas na agenda
da globalização neoliberal, a remoção das restrições ao movimento de
capitais (liberalização das contas de capital) e a consolidação fiscal
(“austeridade” para reduzir déficits fiscais e o nível da dívida).
O estudo afirma que alguns influxos de
capitais, como investimento direto estrangeiro, parecem impulsionar o
crescimento no longo prazo, mas o impacto de investimentos de portfólio
e, especialmente, de influxos de aplicações especulativas de curto prazo
não estimula o crescimento e muito menos garante um financiamento
estável do balanço de pagamentos. 
A ocorrência, desde 1980, de
aproximadamente 150 convulsões com influxos de capitais em mais de 50
mercados emergentes credencia a reivindicação do economista de Harvard
Dani Rodrik de que esses “dificilmente são efeitos ou defeitos
secundários nos fluxos de capital internacional, eles são a história
principal”. 
Segundo o estudo, as políticas de
austeridade não só geram substanciais custos ao bem-estar pelos canais
da oferta, como deprimem a demanda e o emprego. A noção de que a
consolidação do orçamento pode ser expansionista (isto é, aumenta o
crescimento e o emprego), por elevar a confiança do setor privado e o
investimento, não se confirmou na prática.
Episódios de consolidação fiscal foram
seguidos por reduções mais do que expansões no crescimento. Na média, a
consolidação de 1% do PIB eleva a taxa de desemprego em 0,6% no longo
prazo, e o Coeficiente de Gini (concentração de renda) em 1,5% dentro de
cinco anos. O estudo conclui que os benefícios das políticas da agenda
neoliberal aparentemente foram um pouco exagerados.
No aguardo de dias melhores e prestes a
ser banido de quase todas as economias do globo, o neoliberalismo
procura exílio em um país tropical com vista para o Atlântico.

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