sábado, 11 de junho de 2016

Os jornais diante de um gorila cibernético de uma mega tonelada -

Os jornais diante de um gorila cibernético de uma mega tonelada - Observatório da Imprensa -



REDES SOCIAIS > O algoritmo Facebook

Os jornais diante de um gorila cibernético de uma mega tonelada

Por John Naughton em 24/05/2016 na edição 904
Muitos anos atrás, o teórico político Steven Lukes publicou um livro influente – Power: A Radical View
, no qual argumentava que o poder sempre vinha em três variedades: a
faculdade de obrigar as pessoas a fazerem o que não querem fazer; a
capacidade de fazer elas pararem de fazer o que querem fazer; e o poder
de formar a maneira pela qual elas pensam. Este último é o tipo de poder
exercido pelos nossos meios de comunicação.


A mídia pode dar forma à pauta do público (e, portanto, política)
selecionando as notícias que as pessoas leem, ouvem e veem; e podem dar
forma às maneiras pelas quais as notícias são apresentadas. A “terceira
dimensão” do poder de Lukes é aquilo que é produzido, na Grã-Bretanha,
por veículos como o programa Today, da Radio 4, e os jornais The Sun e Daily Mail. E esse poder é concreto: é por esse motivo que todos os governos britânicos dos últimos anos sempre tiveram tanto medo do Daily Mail.


Facebook, o panóptico da era digital / extraido do blog Joelle L / via Creative Commons
Facebook, o panóptico da era digital / extraido do blog Joelle L / via Creative Commons
Mas como o nosso ecossistema de mídia mudou com o impacto da
internet, surgiram novos corretores de poder. Durante muito tempo, o Google
foi uma espécia de gorila de 350 quilos neste setor porque o seu
predomínio sobre as buscas determinava o que as pessoas podiam encontrar
no inimaginável terreno baldio do ciberespaço. E a busca podia ser – e
era – personalizada porque os algoritmos do Google podiam
descobrir aquilo que provavelmente mais interessava a cada usuário e,
portanto, que tipo de informação seria mais relevante para ele ou para
ela. Portanto, de uma maneira imperceptível mas inexorável, nós passamos
a viver naquilo que Eli Pariser chamou uma “bolha de filtro”.


Antes da internet, nosso problema com a informação era a sua
escassez. Atualmente, nosso problema é uma abundância impossível de
administrar. Agora, portanto, os escassos recursos com que contamos são a
atenção e o tempo, e é sobre eles que estourou uma guerra terrível
entre a mídia tradicional e as novas empresas baseadas na internet. O
“consumo” (uma palavra horrível, mas muito usada) da velha mídia está
decaindo, enquanto a mídia online vem conseguindo cada vez mais a
atenção e o tempo das pessoas.


No momento, os maiores ladrões são o YouTube e o Facebook. O YouTube conta com um bilhão de usuários, metade dos quais o acessam via dispositivos móveis. Em média, o tempo passado no site é de 40 minutos. O Facebook
agora reivindica contar com 1,65 bilhão de usuários ativos por mês, que
passam, em média, 50 minutos por dia em seus serviços. Portanto, se o Google é um gorila de 350 quilos, o Facebook é um King Kong de uma mega tonelada.


As novas responsabilidades do Facebook


A concorrência pela atenção e pelo tempo é um jogo que os meios de
comunicação tradicionais vêm perdendo. No desespero, eles tentam acalmar
o Facebook e aproveitar a maneira pela qual ele controla a atenção das pessoas. Muitos editores registraram-se, por exemplo, no sistema Instant Articles,
da empresa, que permite que seu conteúdo seja baixado rapidamente nos
dispositivos móveis dos usuários. Mas o que isso significa – como
recentemente destacou Emily Bell [professora e diretora do Tow Center,
da Universidade de Columbia] em sua palestra no programa Humanitas, em Cambridge – é que, na realidade, os jornais subcontrataram a distribuição de seu conteúdo pelo gigante da internet.


Ao fazê-lo, eles entraram numa verdadeira barganha de Fausto. Isso
porque se os editores podem facilmente despachar suas coisas para o
Instant Articles, não podem controlar os usuários do Facebook realmente irão ver. Isso porque os textos que os usuários irão ler são decididos pelo algoritmo do Facebook,
que tenta adivinhar o que cada usuários gostaria de ver (e o que
poderia induzi-los a clicar num anúncio). Portanto, uma vez que o
conteúdo desapareça pelo bucho logarítmico do Facebook adentro, ele se torna uma simples forragem para seus cálculos.


Isso significa que atualmente o Facebook exerce o terceiro tipo de poder de Steven Lukes – o mesmo tipo de poder exercido pelo editor do Daily Mail, Paul Dacre, e pelo editor do programa de rádio Today. Mas quando você questiona – como fez de maneira memorável o professor de Jornalismo George Brock – se Mark Zuckerberg e seus sátrapas compreendem que passaram a ter responsabilidades editoriais, eles ficam mudos. O Facebook não
é um editor, explicam eles, e sim, uma simples “plataforma”. E, além
disso, nenhum ser humano está envolvido na seleção de textos
jornalísticos para os usuários: tudo é feito por algoritmos e, portanto,
é neutro. Em outras palavras: nada a ver conosco; vamos em frente.


Isso é bobagem, pelo menos no que se refere aos tipos de algoritmos de que estamos falando aqui (uma rede do sistema nervoso é outra discussão).
Qualquer algoritmo que tenha que fazer opções tem critérios que foram
especificados por quem o projetou. E esses critérios são expressões de
valores humanos. Os engenheiros podem achar que eles são “neutros”, mas a
experiência já nos mostrou que eles são ingênuos em termos de política,
economia e ideologia. Se o Facebook quer se tornar um canal de
notícias, então tem que reconhecer que passou para uma esfera diferente e
adquiriu novas responsabilidades. E os editores que o absorvem deveriam
lembrar-se da definição de Churchill para acalmar-se: consiste no
processo de ser simpático a um crocodilo na esperança de ser o último
que ele comerá.


***


John Naughton, é articulista do jornal The Guardian


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