domingo, 19 de junho de 2016

Por trás dos salários da EBC, por Paulo Moreira Leite | GGN

Por trás dos salários da EBC, por Paulo Moreira Leite | GGN



 
Paulo Moreira Leite
 
Mais uma vez, meu nome é mencionado
entre jornalistas que foram contratados com “salários altos” para
trabalhar na EBC. Desta vez, quem escreve é a Folha de S. Paulo.  
 
Basta olhar os números de meu contrato
anual – disponibilizados oficialmente para toda pessoa interessada –
para entender o absurdo dessa afirmação. Não preciso falar pelos demais
profissionais mencionados no jornal. Citado nominalmente, falo por mim.
 
Claro que, como cidadão brasileiro,
devo admitir que tenho um salário altíssimo, comparado com a média do
país. Mas, como sabe toda pessoa com algum reconhecimento de recursos
humanos, os vencimentos de um profissional podem ser considerados altos,
ou baixos, em comparação com aquilo que ele foi capaz de receber ao
longo de sua vida profissional anterior. Por essa razão, muitos
trabalhadores, quando recebem uma oferta de emprego com salário muito
inferior, preferem não formalizar o vínculo, para não “manchar a
carteira,” o que poderia impedir ganhos melhores no futuro.  
 
Aplicando esse critério, em vigor em
empresas de comunicação onde exerci um papel executivo, cabe reconhecer
que minha remuneração como apresentador e editor chefe do programa
Espaço Público, chamado ainda a fazer comentários cada vez mais
frequentes nos telejornais da TV Brasil, era inferior ao que recebi na
maior parte de meus empregos nos últimos quinze anos.
 
Era menor do que meus vencimentos como
diretor da sucursal da Istoé em Brasília, que ocupei entre 2013 e 2014.
Também era mais baixa do que recebia em qualquer uma das funções que
exerci na revista Época, onde fui editor, chefe da sucursal de Brasília
e, em outro período na empresa, em outro regime de trabalho, diretor de
redação. Também é inferior aos meus vencimentos no Diário de S. Paulo,
onde fui diretor de redação. Fazendo as correções necessárias em função
da inflação, também é inferior ao que recebia como redator chefe da
VEJA.
 
Cabe notar, ainda, que na TV Brasil eu
era pessoa jurídica. Não tinha FGTS, plano de saúde, nem 13º, nem tive
direito a aviso prévio, quando meu contrato foi suspenso numa decisão
unilateral e arbitrária, do interventor Laerte Rimoli, em boa hora
afastado pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.
 
Pode-se explicar a divulgação de uma
informação errada como mais uma demonstração de leviandade, prática
condenável do jornalismo que atira primeiro para perguntar depois. Mas
não é só isso, evidentemente. Até porque, para se falar seriamente sobre
salários altos, baixos, ou na média, seria preciso ir ao mercado e
apurar aquilo que se paga por funções equivalentes nas emissoras
privadas, se possível com referências nominais, o que ficaria um pouco
chato, em alguns casos até engraçado,  né?
 
Na verdade, a falácia dos “altos
salários” pagos pela EBC cumpre uma função ideológica. Ajuda a construir
a lenda negativa em torno de uma emissora que se quer acusar de
desperdiçar recursos públicos e de oferecer mordomias para as chamadas
estrelas “pró-PT.” Também ajuda a colocar uma dúvida sobre o real
compromisso desses profissionais com os pontos-de-vista que defendem. Os
mesmos veículos que não questionam as óbvias preferencias
politico-partidárias da maioria de nossos comentaristas, em qualquer
emissora, tentam colocar sob suspeita toda opinião favorável  a um
governo que venceu quatro eleições presidenciais consecutivas, por uma
larga margem de votos.
 
Com a criação artificial de um aspecto
mercenário, digamos assim, tenta-se desqualificar a outra parte e
evitar o debate que interessa – sobre o papel cultural e político da TV
Brasil. Este é o ponto central.
 
Bobagem imaginar que o governo
interino esteja preocupado com a TV Brasil por razões econômicas, ainda
que em determinados aspectos elas sejam reais. Tampouco está às voltas
com elevadas questões culturais ou complexos temas de semiótica.
 
O problema aqui é uma emissora que
desafina o coro dos contentes, cumprindo a função necessária de
apresentar uma alternativa a um pensamento escandalosamente único que,
só admite alterações na cor da gravata dos apresentadores ou no penteado
das comentaristas. O fato dessa melodia ser sustentada com recursos
públicos -- que também pagam a conta de boa parte das receitas das
emissoras privadas -- torna tudo ainda mais irritante e aceitável.
Mostra que o monopolio privado da comunicação, que tem uma preferência
ideológica nítida, pode ser questionado, ainda que através de uma
pequena brecha.
 
Nas pressões contra a TV Brasil, o que
se quer é uma sociedade unidimensional, onde se busca criminalizar o
conflito de ideias para que possa ser silenciado. Por isso os programas
que davam identidade a TV Brasil foram retirados do ar sem mais demora.
 
Querem que o público vá se acostumando, entendeu? Se não tiver jeito, fecha-se a TV Brasil.
 
Num país onde o monopólio da
comunicação é condenado pela Constituição, o jornalismo da TV Brasil
merece apoio e sustentação pelo papel que desempenhou nos últimos meses.
Serviu de indispensável contraponto político para um país que
ingressava num dos momentos mais dramáticos de sua história, enquanto a
cobertura convencional descrevia os acontecimentos em tom de apoteose
cívica.
 
A reação do público que antecedeu o
retorno de Ricardo Melo à presidência da EBC foi a melhor demonstração
de reconhecimento pelo que se fez. Embora não faltassem críticas
internas e externas ao trabalho – estamos numa democracia, certo? – é
sempre bom ter um pouco de humildade nessas horas. Afinal, basta a
leitura dos jornais de hoje, de ontem, de anteontem para reconhecer que
estamos longe de um capítulo final nessa tormentosa aventura contra a
democracia iniciada pelas forças que insistem em ignorar a soberania
popular e o resultado das urnas.

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