A história marcará o Ministério Público como quem trouxe o terror institucional
Roberto Tardelli
Tempos de horrores e de morte do estado Democrático de Direito. Tempos sombrios, eu era criança quando surgiu o AI-5 e já era um promotor de justiça quando ele se foi, sem deixar – imaginávamos – saudades.
Deixou saudades e deixou marcas. Uma delas é o pacote anticorrupção do Ministério Público Federal, que, dentre outras vergonhas contemporâneas, cria a Comissão para recebimento de denúncias de corrupção, uma espécie de Gestapo, para acossar em nome da moralidade.
Está inaugurada a República dos Delatores – ou então a República dos Reportantes – e estão mais do que lançadas as bases para o país mais perigoso do mundo para se viver. Está feito o serviço sujo a que nem os militares se sujeitaram.
Brasil, o País do Medo. O País da Comissão que vai desmoralizar, constranger, achacar, pressionar, anular, humilhar, expor os inconvenientes. No mais sombrio período stalinista, havia essas comissões no Partido Comunista, que se espalharam pelos países do leste europeu. Era a submissão ou a exclusão, as opções que essas comissões davam.
A Ditadura chegou nos braços do Ministério Público. Chegou nas mãos de quem tem o compromisso constitucionalmente posto de lutar pela democracia. Veio nas mãos do Ministério Público, que fique claro isso, que fique claro que as pessoas que saíram ingenuamente às ruas pedindo adesão a um abaixo-assinado que não compreendiam foram enganadas, foram traídas.
Elas queriam apenas que alguém combatesse a corrupção que nos inferniza – ou que nos foi posto goela abaixo que nos inferniza mais que o fosso da desigualdade econômica – e obtiveram uma tirania, uma ditadura em que não mais existe um ditador, personalista e egocêntrico, mas incontáveis pequenos tiranos, egóicos e narcísicos, que vão destilar arbítrio por onde passarem.
Não serão todos os promotores nem todos os procuradores, apenas os mais proeminentes, apenas o que se acham cheios de brilho, apenas os que vão comandar os destinos do Ministério Público, explicita ou nas sombras da floresta obscura do Poder.
Os que não suportarem serão perseguidos; antes, serão desmoralizados. Depois, perseguidos, serão punidos; a ira santa irá queimá-los nos corredores. A fúria purificadora dos samurais irá estimular a deduragem, o denuncismo, irá estimular que se poderá ganhar uma grana a mais, que para ganhar uma grana a mais, bastará denunciar, bastará denunciar como se estivesse em uma pescaria, uma hora o peixe da recompensa pelo dedurismo vai chegar e o carro será trocado. É uma canalhice jurídica sem tamanho.
O dedo-duro recebe nome de ficção científica: reportante. Vale repetir, esse será o mau caráter do Séc. XXI, protegido por lei, o primeiro canalha a ser protegido por lei, o reportante, o canalha intocável, intangível, superior aos que não foram canalhas. A canalhice será virtuosa, se for em nome do Bem; se os canalhas se proliferarem, todos reportarão todos e quem quiser um esparadrapo em um posto de saúde haverá de suplicar de joelhos por isso.
Digo aliviado: não mais pertenço aos quadros da Instituição que traiu o país, o povo, a democracia, que conspirou contra a democracia, que trouxe o terror de estado, o medo institucional, que transformou esse país em um lugar em que canalhas serão celebrados como heróis.
Os indesejáveis e os inconvenientes vão sentir a perseguição
Não haverá privacidade, intimidade a ser respeitada, eis que o interesse público será superior a tudo isso e o telefone será a corda que envolverá o pescoço e a tecnologia, maravilhosa para libertar, será usada para oprimir. O Grande Irmão está na aristocracia do serviço público.
O amigo, a amiga está se divertindo com a delação premiada, que todos os dias anima o Jornal Nacional e alimenta a VEJA? Pois bem, a maioria de vocês nem faz idéia do que seja, nunca viu essa banda tocar, mas gosta e se deleita vendo gente ser presa, político é tudo ladrão.
O que você não sabe é que a delação é um acordo, um negócio, que pode ser extremamente lucrativo se for feito com uma dose mínima de pragmatismo bilateral.
Esse acordo, my friends, é feito sem que se conheçam as tratativas, muito embora versem sobre dinheiro público, ninguém, salvo os diretamente envolvidos, sabem o que rola nas conversas, o que é prometido, o que é incluído e o que é tirado. A prisão é um horror e a delação é a chave da cadeia. Não há nenhum registro de como se operam essas delações, essas conversas. O nome disso é Justiça Negocial, isso, a Justiça vira uma mercadoria a ser transacionada, vendida, trocada, vira um carrinho usado, posto num feirão de domingo.
O Ministério Público é o dono do armazém, onde se barganham informações, penas, em outro nome legal prá coisa, plea bargain, que nos habituamos a ver nos filmes americanos e que se tornou a pior experiência jurisdicional do mundo ocidental. Por quê? Porque nossos Bravos Rapazes Americanos são líderes em prisões e nem por isso diminuiu-se a criminalidade por lá.
Parece um pesadelo. Não é. Aos amigos e amigas, digo honestamente que a democracia sofreu o mais duro golpe dos últimos trinta anos, ou mais até. Democracia que amanhecerá bem menor, amanhecerá quase morta, olhando pra gente, com o olho que sobrou, pedindo socorro. Socorro.
O estado, desgraçadamente, é muito grave
Roberto Tardelli é Advogado Sócio da Banca Tardelli, Giacon e Conway. Procurador de Justiça do MPSP Aposentado.
domingo, 27 de novembro de 2016
País derrete
País derrete e presidente ocupa-se com apartamento que nem sequer existe - 27/11/2016 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo
País derrete e presidente ocupa-se com apartamento que nem sequer existe
É ao menos original, para não dizer que é cômico. O país derrete, com as atividades econômicas se desmilinguindo, o desemprego crescendo, cai até a renda dos ricos, a maior empresa do país é vendida em fatias, pouco falta para trocarem de donos os trilhões do pré-sal –e o presidente da República passa a semana ocupando-se com um apartamento que nem existe. Ou só existe no tráfico de influência de um (ex)ministro e na advocacia administrativa do próprio presidente.
Se Dilma foi processada por crime de responsabilidade, como quiseram os derrotados nas urnas, Michel Temer é passível de processo, no mínimo, por crime de irresponsabilidade. É o que explica a pressa de Aécio Neves e Fernando Henrique para cobri-lo com uma falsa inocência. "Isso [a ação de Geddel] não atinge Temer nem de longe", diz Aécio, que na presidência da Câmara foi o autor de algumas das benesses mais indecentes desfrutadas pelos deputados.
Fernando Henrique define os atos de Geddel e de Temer como "coisas pequenas". Comparados à entrega, por ele, do Sistema de Vigilância da Amazônia à multinacional Raytheon, ou confrontados com as privatizações que manipulou até pessoalmente (e com gravação), de fato as ordinarices atuais são "coisas pequenas". Mas se "o importante é não perder o rumo", só isso, Temer, Geddel, Moreira e outros não o perderam. Nem desviam o país do rumo desastroso, único que lhe podem dar com sua incompetência e leviandade.
O comprometimento de Michel Temer com a manobra de Geddel não precisaria ser mais explícito. Sua acusação a Marcelo Calero, de que "a decisão do Iphan criou dificuldades ao [seu] gabinete" porque "Geddel está bastante irritado", diz o que desejava de Calero: a ilegalidade de uma licença incabível, para não "criar dificuldades" ao gabinete e, portanto, ao próprio Michel. Apresentar a ilegalidade como a forma correta de conduta, quando está em causa um interesse contrário à responsabilidade e à lei, é um comprometimento inequívoco com o interesse e com o tráfico de influência que o impulsiona.
Tem a mesma clareza a igualdade de ideia, e até de palavras, que Calero ouviu de Temer, de Eliseu Padilha e do secretário de Assuntos Jurídicos, Gustavo Rocha, em ocasiões diferentes. Todos lhe falaram em "construir uma saída", mandando "o processo para a AGU", a Advocacia-Geral da União. Lá, como disse Temer a Calero, "a ministra Grace Mendonça tem uma solução". A igualdade demonstra a combinação de uma estratégia para afinal impor a ilegalidade. Fosse por já terem a concordância de Grace Mendonça, como sugere a afirmação de Temer, fosse por a verem como maleável.
Michel Temer não poderia mesmo ser "atingido nem de longe". Está chafurdado na manobra de Geddel, a quem buscou servir em autêntica advocacia administrativa em nível presidencial. Corrupção, nada menos.
PINGA FOGO
1) Desde 1987 ficou demonstrado, aqui na Folha, que a construção do metrô no Rio é superfaturada. Agora, depois de 13 meses de investigação, o Tribunal de Contas do Estado do Rio concluiu que a Linha 4, obra do governo Cabral apressada para a Olimpíada, foi superfaturada em R$ 2,4 bilhões. Logo, em 1/4 do seu custo.
2) Por seis a um, Anthony Garotinho foi liberado pelo Tribunal Superior Eleitoral até de prisão domiciliar.
De um ponto de vista acima do resultado pessoal, há grave problema institucional em sua prisão: se existirem, são mínimas as dúvidas de que Garotinho foi vitima de represália de um delegado da PF e é provável que também de um juiz. No início do mês, o delegado Paulo Cassiano foi objeto de uma representação do ex-governador à Corregedoria da PF, por abuso de autoridade e violência em Campos. O juiz Glaucenir Silva decretou a prisão pedida pelo delegado, sem base para essa decisão. O projeto sobre abuso de autoridade deve ser votado nos próximos dias, caso Sergio Moro e um batalhão de procuradores federais não conseguirem impedi-lo. E, para o bem dos cidadãos em geral, é difícil que consigam.
3) Sinuoso relator das "dez medidas contra corrupção" – todas pretendidas pela Lava Jato, mas nem todas pela democracia–, o deputado Onyx Lorenzoni diz, a propósito do projeto: "Rezo para que o plenário da Câmara não faça bobagem". Entende-se: ele quer exclusividade.
País derrete e presidente ocupa-se com apartamento que nem sequer existe
É ao menos original, para não dizer que é cômico. O país derrete, com as atividades econômicas se desmilinguindo, o desemprego crescendo, cai até a renda dos ricos, a maior empresa do país é vendida em fatias, pouco falta para trocarem de donos os trilhões do pré-sal –e o presidente da República passa a semana ocupando-se com um apartamento que nem existe. Ou só existe no tráfico de influência de um (ex)ministro e na advocacia administrativa do próprio presidente.
Se Dilma foi processada por crime de responsabilidade, como quiseram os derrotados nas urnas, Michel Temer é passível de processo, no mínimo, por crime de irresponsabilidade. É o que explica a pressa de Aécio Neves e Fernando Henrique para cobri-lo com uma falsa inocência. "Isso [a ação de Geddel] não atinge Temer nem de longe", diz Aécio, que na presidência da Câmara foi o autor de algumas das benesses mais indecentes desfrutadas pelos deputados.
Fernando Henrique define os atos de Geddel e de Temer como "coisas pequenas". Comparados à entrega, por ele, do Sistema de Vigilância da Amazônia à multinacional Raytheon, ou confrontados com as privatizações que manipulou até pessoalmente (e com gravação), de fato as ordinarices atuais são "coisas pequenas". Mas se "o importante é não perder o rumo", só isso, Temer, Geddel, Moreira e outros não o perderam. Nem desviam o país do rumo desastroso, único que lhe podem dar com sua incompetência e leviandade.
O comprometimento de Michel Temer com a manobra de Geddel não precisaria ser mais explícito. Sua acusação a Marcelo Calero, de que "a decisão do Iphan criou dificuldades ao [seu] gabinete" porque "Geddel está bastante irritado", diz o que desejava de Calero: a ilegalidade de uma licença incabível, para não "criar dificuldades" ao gabinete e, portanto, ao próprio Michel. Apresentar a ilegalidade como a forma correta de conduta, quando está em causa um interesse contrário à responsabilidade e à lei, é um comprometimento inequívoco com o interesse e com o tráfico de influência que o impulsiona.
Tem a mesma clareza a igualdade de ideia, e até de palavras, que Calero ouviu de Temer, de Eliseu Padilha e do secretário de Assuntos Jurídicos, Gustavo Rocha, em ocasiões diferentes. Todos lhe falaram em "construir uma saída", mandando "o processo para a AGU", a Advocacia-Geral da União. Lá, como disse Temer a Calero, "a ministra Grace Mendonça tem uma solução". A igualdade demonstra a combinação de uma estratégia para afinal impor a ilegalidade. Fosse por já terem a concordância de Grace Mendonça, como sugere a afirmação de Temer, fosse por a verem como maleável.
Michel Temer não poderia mesmo ser "atingido nem de longe". Está chafurdado na manobra de Geddel, a quem buscou servir em autêntica advocacia administrativa em nível presidencial. Corrupção, nada menos.
PINGA FOGO
1) Desde 1987 ficou demonstrado, aqui na Folha, que a construção do metrô no Rio é superfaturada. Agora, depois de 13 meses de investigação, o Tribunal de Contas do Estado do Rio concluiu que a Linha 4, obra do governo Cabral apressada para a Olimpíada, foi superfaturada em R$ 2,4 bilhões. Logo, em 1/4 do seu custo.
2) Por seis a um, Anthony Garotinho foi liberado pelo Tribunal Superior Eleitoral até de prisão domiciliar.
De um ponto de vista acima do resultado pessoal, há grave problema institucional em sua prisão: se existirem, são mínimas as dúvidas de que Garotinho foi vitima de represália de um delegado da PF e é provável que também de um juiz. No início do mês, o delegado Paulo Cassiano foi objeto de uma representação do ex-governador à Corregedoria da PF, por abuso de autoridade e violência em Campos. O juiz Glaucenir Silva decretou a prisão pedida pelo delegado, sem base para essa decisão. O projeto sobre abuso de autoridade deve ser votado nos próximos dias, caso Sergio Moro e um batalhão de procuradores federais não conseguirem impedi-lo. E, para o bem dos cidadãos em geral, é difícil que consigam.
3) Sinuoso relator das "dez medidas contra corrupção" – todas pretendidas pela Lava Jato, mas nem todas pela democracia–, o deputado Onyx Lorenzoni diz, a propósito do projeto: "Rezo para que o plenário da Câmara não faça bobagem". Entende-se: ele quer exclusividade.
sábado, 26 de novembro de 2016
Interesse dos EUA por Cuba nasce com a independência da ilha, no século 19 - 26/11/2016 - Mundo - Folha de S.Paulo
Interesse dos EUA por Cuba nasce com a independência da ilha, no século 19 - 26/11/2016 - Mundo - Folha de S.Paulo
SÉRGIO DÁVILA
Em março do ano passado, o presidente Barack Obama visitou Cuba, onde foi recebido por Rául Castro, o ápice da reaproximação liderada pelo norte-americano que começou em 2014 e colocou fim a mais de cinco décadas de isolamento entre os dois países.
Nos meses anteriores e seguintes à visita histórica, o democrata tomou medidas para enfraquecer o que se convencionou chamar de embargo –uma série de leis de cunho econômico aprovadas entre 1960 e 1996 e que só podem ser suspensas por autorização do Legislativo, hoje nas mãos dos republicanos.
Obama lançou mão de ordens executivas, que independem da aprovação do Congresso, e de outros mecanismos legais. Ele contava ser sucedido por sua companheira de partido, Hillary Clinton, o que não aconteceu.
A sua política em relação à ilha foi uma guinada em relação a seu antecessor. Em 2006, o republicano George W. Bush aprovou pacote de US$ 80 milhões que seriam gastos na tentativa de enfraquecer o regime de Cuba.
Fidel, 90
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22.out.1962/AFP
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O dinheiro era destinado a grupos dissidentes e ao reforço da propaganda política anticastrista feita pela rádio e TV Martí. Num eufemismo "neocon", o grupo de trabalho do Departamento de Estado que cuidou da iniciativa era chamado de "Comissão Norte-Americana para a Assistência de uma Cuba Livre".
Tinha dezenas de funcionários e um coordenador, Caleb McCarry, que Jon Lee Anderson, da revista "New Yorker", chamou de "o Paul Bremer nomeado para Cuba", numa referência ao desastrado procônsul que atuou nos meses seguintes à invasão do Iraque. Em entrevista à Folha, McCarry não quis definir seu papel exato na transição à democracia. "O protagonista é o povo cubano", disse.
Depende de a quais cubanos ele se referia. Como a lei castrista proibia que seus cidadãos recebessem dinheiro do governo dos EUA, a ajuda ia para grupos baseados em Miami e em Washington.
Em novembro daquele ano, a Controladoria americana descobriu que parte da verba liberada de 1996 a 2005, US$ 76 milhões, foi gasta na compra de malhas de cashmere, chocolates Godiva, casacos de couro e videogames.
PARA A PLATEIA
Quando Fidel Castro dizia que os "imperialistas ianques" queriam transformar Cuba no 51° Estado norte-americano, não estava (apenas) jogando para a plateia.
Em 1820, John C. Calhoun, então vice-presidente dos EUA, recebeu carta com o seguinte teor: "Cuba é a adição mais interessante que pode ser feita ao nosso sistema de Estados; os EUA devem, na primeira oportunidade, tomar Cuba". Quem a assinava era Thomas Jefferson.
Desde então, com cashmere ou porrete, o país tentou por algumas vezes seguir a recomendação de seu terceiro presidente (1801-1809). A tentativa de anexação física ou psicológica se deu por meios econômicos, políticos ou ideológicos –algumas vezes, pela mistura tensa dos três.
Antes dos US$ 80 milhões de Bush ou dos US$ 76 milhões dos chocolates Godiva, houve ofertas mais generosas. Em 1854, uma manobra frustrada negociava com o governo espanhol a compra de sua então colônia por US$ 130 milhões (US$ 3,6 bilhões de hoje). Em 1897, subiu para US$ 300 milhões (US$ 8,5 bi de hoje). A recusa levou à Guerra Hispano-Americana.
Quatro anos depois, com a retirada militar norte-americana do país, Cuba seria finalmente livre –com exceção de um pedaço de terra na baía de Guantánamo, 116 km² de propriedade do cidadão norte-americano Tomás Estrada Palma, que, embora de soberania cubana, foi cedido para "controle e jurisdição dos EUA". Desde 2001, o local é a polêmica prisão militar para suspeitos de terrorismo.
Palma (1835-1908) se tornaria o primeiro presidente de Cuba. Do primeiro dia de seu mandato, em 31 de dezembro de 1901, à queda do ditador Fulgêncio Batista, em 1° de janeiro de 1959, os países teriam uma relação próspera pelo menos para um dos lados, com os EUA sufocando escaramuças e tentativas de rebelião nas primeiras décadas de independência, dominando a economia e fechando os olhos para a ponte que o crime organizado criou entre Miami e Havana.
Até que Fidel Castro assumiu o poder. A princípio, a Casa Branca reconheceu o governo revolucionário, já em 7 de janeiro de 1959. A relação começou tensa, mas não mais que a atual com a Venezuela, por exemplo. Foi se deteriorando com a aproximação com a então URSS.
Em 26 de setembro de 1960, o cubano faria seu famoso discurso na Assembleia Geral da ONU em que explicitaria a tomada de lado de seu país entre os dois protagonistas da Guerra Fria. A primeira da série de medidas que seriam conhecidas como embargo norte-americano começaria no mês seguinte; as relações diplomáticas foram rompidas em janeiro de 1961.
Fidel virava figura admirada internacionalmente, o comandante de um pequeno país que, ao se alinhar com uma, ousava desafiar a outra superpotência de então.
Morreu sem saber qual será a política do próximo presidente dos EUA. Como sobre vários outros assuntos, o republicano Donald Trump deu declarações erráticas durante a campanha. Ora chamou a política atual em relação à ilha de "acordo fraco", ora disse que parte dela era "ok".
50 verdades sobre Fidel Castro
Salim Lamrani | Paris - 01/01/2014 - 06h00
O líder histórico da Revolução Cubana marcou para sempre a história de seu país e da América Latina, transformando a ilha em símbolo de dignidade e de resistência
1. Procedente de uma família de sete filhos, Fidel Castro nasceu no dia 13 de agosto de 1926 em Birán, na atual província de Holguín, da união entre Ángel Castro Argiz, rico proprietário de terras espanhol oriundo da Galícia, e Lina Ruz González, cubana.
2. Aos sete anos, ele se muda para a cidade de Santiago de Cuba e vive na casa de uma professora encarregada de educá-lo. Ela o abandona à própria sorte. “Conheci a fome”, lembraria Fidel Castro e “minha família tinha sido enganada”. Um ano depois, ele entra no colégio religioso dos Irmãos de la Salle, em janeiro de 1935, como interno. Deixa a instituição para ir para o colégio Dolores, aos 11 anos, em janeiro de 1938, depois de se rebelar contra o autoritarismo de um professor. Segue sua escolaridade com os jesuítas no Colégio de Belém em Havana, de 1942 a 1945. Depois de uma graduação brilhante, seu professor, o padre Armando Llorente, escreve no anuário da instituição: “Distinguiu-se em todas as matérias relacionadas às letras. Excepcional e congregante, foi um verdadeiro atleta, defendendo sempre com valor e orgulho a bandeira do colégio. Soube ganhar a admiração e o carinho de todos. Cursará a carreira de Direito e não duvidamos de que encherá de páginas brilhantes o livro de sua vida.”
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3. Apesar de se exiliar em Miami, em 1961, por causa das tensões entre o governo revolucionário e a Igreja Católica cubana, o padre Llorente sempre guardou uma lembrança nostálgica de seu antigo aluno. “Me dizem: ‘o senhor sempre fala bem de Fidel’. Eu falo do Fidel que eu conheci. Inclusive, [ele] uma vez salvou a minha vida e essas coisas não podem ser esquecidas nunca”. Fidel Castro se jogou na água para salvar seu professor, levado pela correnteza.
4. Em 1945, Fidel Castro entra na Universidade de Havana, onde cursa a graduação de Direito. Eleito delegado da Faculdade de Direito, participa ativamente das manifestações contra a corrupção do governo do presidente Ramón Grau San Martín. Não vacila, tampouco, em denunciar publicamente gangues vinculadas às autoridades políticas. Max Lesnik, então secretário-geral da Juventude Ortodoxa e colega de Fidel Castro, lembra-se desse episódio: “O comitê 30 de setembro [criado para lutar contra as gangues] fez o acordo de apresentar a denúncia contra o governo e os gângsteres no plenário da Federação Estudantil [Universitária]. No salão, mais de 300 alunos de diversas faculdades se apresentaram para escutar Fidel quando alguém [...] gritou: ‘Aquele que falar o que não deve, falará pela última vez’. Estava claro que a ameaça era contra o orador da vez. Fidel se levantou de sua cadeira e, com passo lento e firme, se encaminhou ao centro do amplo salão, [...] e começou a ler uma lista oficial com os nomes e todos e de cada um dos membros das gangues e dos dirigentes da FEU que haviam sido premiados com suculentas ‘garrafas’ [cargos] nos distintos ministérios da administração pública.”
5. Em 1947, aos 22 anos, Fidel Castro participa, com Juan Bosch, futuro presidente da República Dominicana, de uma tentativa de desembarque da [expedição de] Cayo Confites para derrubar o ditador Rafael Trujilo, então apoiado pelos Estados Unidos.
6. Um anos depois, em 1948, participa do Bogotazo, revolta popular desatada pelo assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, líder político progressista, candidato às eleições presidenciais da Colômbia.
7. Graduado em Direito em 1950, Fidel Castro atua como advogado até 1952 e defende as pessoas humildes, antes de se lançar na política.
8. Fidel Castro nunca militou no Partido Socialista Popular (PSP), partido comunista da Cuba pré-revolucionária. Era membro do Partido do Povo Cubano, também chamado Partido Ortodoxo, fundado em 1947 por Eduardo Chibás. O programa do Partido Ortodoxo de Chibás é progressista e se baseia em vários pilares: soberania nacional, independência econômica pela diversificação da produção agrícola, supressão do latifúndio, desenvolvimento da indústria, nacionalização dos serviços públicos, luta contra a corrupção e justiça social por meio da defesa dos trabalhadores. Fidel Castro reivindica seu pertencimento ao pensamento “martiano” (de José Martí), chibasista (de Chibás) e anti-imperialista. Orador de grande talento, se apresenta às eleições parlamentárias como candidato do Partido do Povo Cubano em 1952.
9. No dia 10 de março de 1952, a três meses das eleições presidenciais, o general Fulgencio Batista rompe a ordem constitucional e derruba o governo de Carlos Prío Socarrás. Consegue o apoio imediato dos Estados Unidos, que reconhecem oficialmente a nova ditadura militar.
10. O advogado Fidel Castro apresenta uma denúncia contra Batista por romper a ordem constitucional: “Se existem tribunais, Batista deve ser castigado, e se Batista não é castigado [...], como poderá depois este tribunal julgar um cidadão qualquer por motim ou rebeldia contra esse regime ilegal, produto da traição impune?”. O Tribunal Supremo, sob as ordens do novo regime, recusa a demanda.
11. No dia 26 de julho de 1953, Fidel Castro se coloca à frente de uma expedição de 131 homens e ataca o quartel Moncada na cidade de Santiago, segunda maior fortaleza militar do país, assim como o quartel Carlos Manuel de Céspedes, na cidade de Bayamo. O objetivo era tomar o controle da cidade – berço histórico de todas as revoluções – e lançar um chamado pela rebelião em todo o país para derrubar o ditador Batista.
12. A operação é um fracasso e 55 combatentes são assassinados depois de brutalmente torturados pelos militares. De fato, apenas seis deles morreram em combate. Alguns conseguiram escapar graças ao apoio da população.
13. Fidel Castro, capturado alguns dias depois, deve a vida ao sargento Pedro Sarría, que se negou a seguir as ordens de seus superiores e executar o líder de Moncada. “Não disparem! Não disparem! Não se deve matar as ideias!”, exclamou para seus soldados.
14. Durante sua histórica alegação, intitulada “A História me Absolverá”, Fidel Castro, encarregado de sua própria defesa, denuncia os crimes de Batista e a miséria na qual se encontra o povo cubano, e apresenta seu programa para uma Cuba livre, baseado na soberania nacional, na independência econômica e na justiça social.
15. Condenado a 15 anos de prisão, Fidel Castro é liberado em 1955, depois da anistia que o regime de Batista lhe concedeu. Funda o Movimento 26 de Julho (M 26-7) e declara seu projeto de seguir lutando contra a ditadura antes de se exilar no México.
16. Fidel Castro organiza ali a expedição do Granma com um médico chamado Ernesto Guevara. Não foi muito trabalhoso para Fidel Castro convencer o jovem argentino, que recordava: “O conheci em uma dessas frias noites do México e lembro-me de que nossa primeira discussão foi sobre política internacional. Poucas horas depois, na mesma noite — de madrugada — eu era um de seus futuros expedicionários.”
17. Em agosto de 1955, Fidel Castro publica o Primeiro Manifesto do Movimento 26 de Julho, que retoma os pontos essenciais de “A História me Absolverá”. Trata de reforma agrária, da proibição do latifúndio, de reformas econômicas e sociais a favor dos deserdados, da industrialização da nação, da construção de habitações, da diminuição dos aluguéis, da nacionalização dos serviços públicos de telefone, gás e eletricidade, de educação e da cultura para todos, da reforma fiscal e da reorganização da administração pública para lutar contra a corrupção.
18. Em outubro de 1955, para reunir os fundos necessários para a expedição, Fidel Castro realiza uma turnê pelos Estados Unidos e se reúne com os exilados cubanos. O FBI vigia de perto os clubes patrióticos M 26-7 fundados em diferentes cidades.
19. No dia 2 de dezembro de 1956, Fidel Castro embarca no porto de Tuxpán, no México, a bordo do barco Granma, com capacidade para 25 pessoas. Os revolucionários são 82 no total e navegam rumo a Cuba com o objetivo de desatar um guerra de guerrilhas nas montanhas de Sierra Maestra.
20. A travessia se transforma em pesadelo por causa das condições climáticas. Um expedicionário cai ao mar. Juan Almeida, membro do grupo e futuro comandante da Revolução, lembra-se do episódio: “Fidel nos disse o seguinte: ‘Daqui não nos vamos até que o salvemos’. Isso comoveu as pessoas e animou a combatividade. Pensamos: ‘com esse homem não há abandonados’. O salvamos, correndo o risco de perder a expedição.”
21. Depois de uma travessia de sete dias, em vez dos cinco previstos, no dia 2 de dezembro de 1956 a tropa desembarca “no pior pântano jamais visto”, segundo Raúl Castro. Os tiros da aviação cubana a dispersam e 2 mil soldados de Batista, que esperavam os revolucionários, a perseguem.
22. Alguns dias depois, em Cinco Palmas, Fidel Castro volta a se encontrar com seu irmão Raúl e com outros 10 expedicionários. “Agora sim ganhamos a guerra”, declara o líder do M 26-7 a seus homens. Começa a guerra de guerrilhas que duraria 25 meses.
23. Em fevereiro de 1957, a entrevista com Fidel Castro realizada por Herbert Matthews, do New York Times, permite que a opinião pública estadunidense e mundial descubra a existência de uma guerrilha em Cuba. Batista confessaria mais tarde, em suas memórias, que graças a esse golpe jornalístico, “Castro começava a ser um personagem lendário”. Matthews suavizou, entretanto, a importância de sua entrevista. “Nenhuma publicidade, por mais sensacional que fosse, poderia ter tido efeito se Fidel Castro não fosse precisamente o homem que eu descrevi.”
24. Apesar das declarações oficiais de neutralidade no conflito cubano, os Estados Unidos concedem seu apoio político, econômico e militar a Batista e se opõem a Fidel Castro até os últimos instantes. No dia 23 de dezembro de 1958, a uma semana do triunfo da Revolução, enquanto o Exército de Fulgencio Batista se encontra em plena debandada, apesar de sua superioridade em armas e homens, acontece a 392ª reunião do Conselho de Segurança Nacional [dos Estados Unidos], com a presença do presidente [Dwight D.] Eisenhower. Allen Dulles, então diretor da CIA, expressa claramente a posição dos Estados Unidos. “Temos de impedir a vitória de Castro.”
25. Apesar do apoio dos Estados Unidos, de seus 20 mil soldados e da superioridade material, Batista não pôde vencer uma guerrilha composta de 300 homens armados durante a ofensiva final do verão de 1958, que mobilizou mais de 10 mil pessoas. Essa “vitória estratégica” revela, então, a genialidade militar de Fidel Castro, que havia antecipado e derrotado a operação Fim de Fidel lançada por Batista.
26. No dia 1 de janeiro de 1959, cinco anos, cinco meses e cinco dias depois do ataque ao quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, triunfou a Revolução Cubana.
27. Durante a formação do governo revolucionário, em janeiro de 1959, Fidel Castro é nomeado ministro das Forças Armadas. Não ocupa a Presidência, ocupada pelo juiz Manuel Urrutia, nem o posto de primeiro-ministro, entregue ao advogado José Miró Cardona.
28. Em fevereiro de 1959, o primeiro-ministro Cardona, que se opõe às reformas econômicas e sociais que considera demasiadamente radicais (projeto de reforma agrária), apresenta sua demissão. Manuel Urrutia chama Fidel Castro para ocupar o cargo.
29. Em julho de 1959, frente à oposição do presidente Urrutia, que recusa novas reformas, Fidel Castro renuncia a seu cargo de primeiro-ministro. Imensas manifestações populares têm início em Cuba, exigindo a saída de Urrutia e o retorno de Fidel Castro. O novo presidente da República, Osvaldo Dorticós, volta a nomeá-lo primeiro-ministro.
30. Os Estados Unidos se mostram imediatamente hostis à Fidel Castro ao acolher com braços abertos os dignitários do antigo regime, incluindo vários criminosos de guerra que tinham roubado as reservas do Tesouro cubano, levando 424 milhões de dólares.
31. Não obstante, desde o princípio, Fidel Castro declara sua vontade de manter boas relações com Washington. Entretanto, durante sua primeira visita aos Estados Unidos, em abril de 1959, o presidente Eisenhower se nega a recebê-lo e prefere ir jogar golfe. John F. Kennedy lamentaria o ocorrido: “Fidel Castro é parte do legado de Bolívar. Deveríamos ter dado ao fogoso e jovem rebelde uma mais calorosa acolhida em sua hora de triunfo”.
32. A partir de outubro de 1959, pilotos procedentes dos Estados Unidos bombardeiam Cuba e voltam para a Flórida sem serem perturbados pelas autoridades. No dia 21 de outubro de 1959, lançam uma bomba sobre Havana que provoca duas mortes e fere 45 pessoas. O responsável pelo crime, Pedro Luis Díaz Lanza, volta a Miami sem ser perturbado pela justiça e Washington se nega a extraditá-lo para Cuba.
33. Fidel Castro se aproxima de Moscou somente em fevereiro de 1960 e apenas adquire armas soviéticas depois de os Estados Unidos rejeitarem fornecer o arsenal necessário para a sua defesa. Washington também pressiona o Canadá e as nações europeias solicitadas por Cuba com a finalidade de obrigar o país a se dirigir ao bloco socialista e assim justificar sua política hostil em relação a Havana.
34. Em março de 1960, a administração Eisenhower toma a decisão formal de depor Fidel Castro. No total, o líder da Revolução Cubana sofreria nada menos que 637 tentativas de assassinato.
35. Em março de 1960, a sabotagem, comandada pela CIA, do barco francês La Coubre, carregado de armas no porto de Havana, provoca mais de cem mortes. Em seu discurso em homenagem às vítimas, Fidel Castro lança o lema: “Pátria ou morte”, inspirado no [lema] da Revolução Francesa, “Liberdade, igualdade, fraternidade ou morte.”
36. No dia 16 de abril de 1961, depois dos bombardeios dos principais aeroportos do país pela CIA, prelúdio da invasão da Baía dos Porcos, Fidel Castro declara o caráter “socialista” da Revolução.
37. Durante a invasão da Baía dos Porcos por 1400 exilados financiados pela CIA, Fidel Castro faz parte da primeira linha de combate. Infringe uma severa derrota aos Estados Unidos e esmaga os invasores em 66 horas. Sua popularidade chega ao topo em todo o mundo.
38. Durante a crise dos mísseis, em outubro de 1962, o general soviético Alexey Dementiexv estava ao lado de Fidel Castro. Conta suas lembranças: “Passei junto a Fidel Castro os momentos mais impressionantes de minha vida. Estive a maior parte do tempo a seu lado. Houve um instante em que considerávamos próximo o ataque militar dos Estados Unidos e Fidel tomou a decisão de colocar todos os meios em [estado] de alerta. Em poucas horas, o povo estava em posição de combate. Era impressionante a fé de Fidel em seu povo, e de seu povo, e de nós, os soviéticos, nele. Fidel é, sem discussão, um dos gênios políticos e militares deste século.”
39. Em outubro de 1965, cria-se o Partido Comunista de Cuba (PCC), substituindo o Partido Unido da Revolução Socialista (PURS), surgido em 1962 (que substituiu as Organizações Revolucionárias Integradas — ORI —, criadas em 1961). Fidel Castro é nomeado primeiro-secretário.
40. Em 1975, Fidel Castro é eleito pela primeira vez para a Presidência da República depois da adoção da nova Constituição. Seria reeleito até 2006.
41. Em 1988, a mais de 20 mil quilômetros de distância, Fidel Castro dirige de Havana a batalha de Cuito Cuanavale em Angola, na qual as tropas cubanas e angolanas infringem uma retumbante derrota às forças armadas sul-africanas que invadiram Angola e que ocupavam a Namíbia. O historiadora Piero Gleijeses, professor da Universidade John Hopkins, de Washington, escreve a respeito: “Apesar de todos os esforços de Washington [aliado ao regime do apartheid] para impedir-lhe, Cuba mudou o rumo da história da África Austral [...]. A proeza dos cubanos no campo de batalha e seu virtuosismo à mesa de negociações foram decisivos para obrigar a África do Sul a aceitar a independência da Namíbia. Sua exitosa defesa de Cuito foi o prelúdio de uma campanha que obrigou a SADF [Força de Defesa Sul-Africana, as então Forças Armadas oficiais da África do Sul, por sua sigla em inglês] a sair de Angola. Essa vitória repercutiu para além da Namíbia.”
42. Observador lúcido da Perestroika, Fidel Castro declara ao povo em um discurso premonitório do dia 26 de julho de 1989, que, no caso do desaparecimento da União Soviética, Cuba deveria resistir e prosseguir na via do socialismo. “Se amanhã ou qualquer outro dia despertássemos com a notícia de que se criou uma grande guerra civil na URSS, ou até se despertássemos com a notícia de que a URSS se desintegrou [...], Cuba e a Revolução Cubana seguiriam lutando e seguiriam resistindo.”
43. Em 1994, em pleno Período Especial, conhece Hugo Chávez, com quem estabelece uma forte amizade, que duraria até a morte dele, em 2013. Segundo Fidel Castro, o presidente venezuelano foi o “melhor amigo que o povo cubano teve”. Ambos estabelecem uma colaboração estratégica com a criação, em 2005, da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, que agrupa atualmente oito países da América Latina e do Caribe.
44. Em 1998, Fidel Castro recebe a visita do papa João Paulo II em Havana. Ele pede que “o mundo se abra para Cuba e que Cuba se abra para o mundo”.
45. Em 2002, o ex-presidente dos Estados Unidos James Carter realiza uma visita histórica a Cuba. Faz uma intervenção ao vivo pela televisão: “Não vim aqui interferir nos assuntos internos de Cuba, mas estender uma mão de amizade ao povo cubano e oferecer uma visão de futuro aos nossos países e às Américas. [...] Quero que cheguemos a ser amigos e nos respeitemos uns aos outros [...]. Devido ao fato de os Estados Unidos serem a nação mais poderosa, somos nós que devemos dar o primeiro passo.”
46. Em julho de 2006, depois de uma grave doença intestinal, Fidel Castro renuncia ao poder. Conforme a Constituição, é sucedido pelo vice-presidente, Raúl Castro.
47. Em fevereiro de 2008, Fidel Castro renuncia definitivamente a qualquer mandato executivo. Consagra-se, então, à redação de suas memórias e publica regularmente artigos sob o título “reflexões.”
48. Arthur Schlesinger Jr., historiador e assessor especial do presidente Kennedy, evocou a questão do culto à pessoa [de Fidel] depois de uma permanência em Cuba em 2001. “Fidel Castro não incentiva o culto à [sua] pessoa. É difícil encontrar um cartaz ou até um cartão postal de Castro em qualquer lugar de Havana. O ícone da Revolução de Fidel, visível em todos os lugares, é Che Guevara.”
49. Gabriel García Márquez, escritor colombiano e Prêmio Nobel de literatura, é amigo íntimo de Fidel Castro. Esboçou um retrato dele e ressalta “a confiança absoluta que desperta no contato direto. Seu poder é de sedução. Busca os problemas onde eles estão. Sua paciência é invencível. Sua disciplina é de ferro. A força de sua imaginação o empurra até os limites do imprevisto.”
50. O triunfo da Revolução Cubana no dia 1 de janeiro de 1959, dirigida por Fidel Castro, é o acontecimento mais relevante da História da América Latina do século XX. Fidel Castro continuará sendo uma das figuras mais controversas do século XX. Entretanto, até seus mais ferrenhos detratores reconhecem que fez de Cuba uma nação soberana e independente, respeitada no cenário internacional, com inegáveis conquistas sociais nos campos da educação, saúde, cultura, esporte e solidariedade internacional. Ficará para sempre como o símbolo da dignidade nacional que sempre se colocou do lado do oprimidos e que deu seu apoio a todos os povos que lutavam por sua emancipação.
*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com prólogo de Eduardo Galeano.
SÉRGIO DÁVILA
Em março do ano passado, o presidente Barack Obama visitou Cuba, onde foi recebido por Rául Castro, o ápice da reaproximação liderada pelo norte-americano que começou em 2014 e colocou fim a mais de cinco décadas de isolamento entre os dois países.
Nos meses anteriores e seguintes à visita histórica, o democrata tomou medidas para enfraquecer o que se convencionou chamar de embargo –uma série de leis de cunho econômico aprovadas entre 1960 e 1996 e que só podem ser suspensas por autorização do Legislativo, hoje nas mãos dos republicanos.
Obama lançou mão de ordens executivas, que independem da aprovação do Congresso, e de outros mecanismos legais. Ele contava ser sucedido por sua companheira de partido, Hillary Clinton, o que não aconteceu.
A sua política em relação à ilha foi uma guinada em relação a seu antecessor. Em 2006, o republicano George W. Bush aprovou pacote de US$ 80 milhões que seriam gastos na tentativa de enfraquecer o regime de Cuba.
Fidel, 90
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22.out.1962/AFP
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O dinheiro era destinado a grupos dissidentes e ao reforço da propaganda política anticastrista feita pela rádio e TV Martí. Num eufemismo "neocon", o grupo de trabalho do Departamento de Estado que cuidou da iniciativa era chamado de "Comissão Norte-Americana para a Assistência de uma Cuba Livre".
Tinha dezenas de funcionários e um coordenador, Caleb McCarry, que Jon Lee Anderson, da revista "New Yorker", chamou de "o Paul Bremer nomeado para Cuba", numa referência ao desastrado procônsul que atuou nos meses seguintes à invasão do Iraque. Em entrevista à Folha, McCarry não quis definir seu papel exato na transição à democracia. "O protagonista é o povo cubano", disse.
Depende de a quais cubanos ele se referia. Como a lei castrista proibia que seus cidadãos recebessem dinheiro do governo dos EUA, a ajuda ia para grupos baseados em Miami e em Washington.
Em novembro daquele ano, a Controladoria americana descobriu que parte da verba liberada de 1996 a 2005, US$ 76 milhões, foi gasta na compra de malhas de cashmere, chocolates Godiva, casacos de couro e videogames.
PARA A PLATEIA
Quando Fidel Castro dizia que os "imperialistas ianques" queriam transformar Cuba no 51° Estado norte-americano, não estava (apenas) jogando para a plateia.
Em 1820, John C. Calhoun, então vice-presidente dos EUA, recebeu carta com o seguinte teor: "Cuba é a adição mais interessante que pode ser feita ao nosso sistema de Estados; os EUA devem, na primeira oportunidade, tomar Cuba". Quem a assinava era Thomas Jefferson.
Desde então, com cashmere ou porrete, o país tentou por algumas vezes seguir a recomendação de seu terceiro presidente (1801-1809). A tentativa de anexação física ou psicológica se deu por meios econômicos, políticos ou ideológicos –algumas vezes, pela mistura tensa dos três.
Antes dos US$ 80 milhões de Bush ou dos US$ 76 milhões dos chocolates Godiva, houve ofertas mais generosas. Em 1854, uma manobra frustrada negociava com o governo espanhol a compra de sua então colônia por US$ 130 milhões (US$ 3,6 bilhões de hoje). Em 1897, subiu para US$ 300 milhões (US$ 8,5 bi de hoje). A recusa levou à Guerra Hispano-Americana.
Quatro anos depois, com a retirada militar norte-americana do país, Cuba seria finalmente livre –com exceção de um pedaço de terra na baía de Guantánamo, 116 km² de propriedade do cidadão norte-americano Tomás Estrada Palma, que, embora de soberania cubana, foi cedido para "controle e jurisdição dos EUA". Desde 2001, o local é a polêmica prisão militar para suspeitos de terrorismo.
Palma (1835-1908) se tornaria o primeiro presidente de Cuba. Do primeiro dia de seu mandato, em 31 de dezembro de 1901, à queda do ditador Fulgêncio Batista, em 1° de janeiro de 1959, os países teriam uma relação próspera pelo menos para um dos lados, com os EUA sufocando escaramuças e tentativas de rebelião nas primeiras décadas de independência, dominando a economia e fechando os olhos para a ponte que o crime organizado criou entre Miami e Havana.
Até que Fidel Castro assumiu o poder. A princípio, a Casa Branca reconheceu o governo revolucionário, já em 7 de janeiro de 1959. A relação começou tensa, mas não mais que a atual com a Venezuela, por exemplo. Foi se deteriorando com a aproximação com a então URSS.
Em 26 de setembro de 1960, o cubano faria seu famoso discurso na Assembleia Geral da ONU em que explicitaria a tomada de lado de seu país entre os dois protagonistas da Guerra Fria. A primeira da série de medidas que seriam conhecidas como embargo norte-americano começaria no mês seguinte; as relações diplomáticas foram rompidas em janeiro de 1961.
Fidel virava figura admirada internacionalmente, o comandante de um pequeno país que, ao se alinhar com uma, ousava desafiar a outra superpotência de então.
Morreu sem saber qual será a política do próximo presidente dos EUA. Como sobre vários outros assuntos, o republicano Donald Trump deu declarações erráticas durante a campanha. Ora chamou a política atual em relação à ilha de "acordo fraco", ora disse que parte dela era "ok".
50 verdades sobre Fidel Castro
Salim Lamrani | Paris - 01/01/2014 - 06h00
O líder histórico da Revolução Cubana marcou para sempre a história de seu país e da América Latina, transformando a ilha em símbolo de dignidade e de resistência
1. Procedente de uma família de sete filhos, Fidel Castro nasceu no dia 13 de agosto de 1926 em Birán, na atual província de Holguín, da união entre Ángel Castro Argiz, rico proprietário de terras espanhol oriundo da Galícia, e Lina Ruz González, cubana.
2. Aos sete anos, ele se muda para a cidade de Santiago de Cuba e vive na casa de uma professora encarregada de educá-lo. Ela o abandona à própria sorte. “Conheci a fome”, lembraria Fidel Castro e “minha família tinha sido enganada”. Um ano depois, ele entra no colégio religioso dos Irmãos de la Salle, em janeiro de 1935, como interno. Deixa a instituição para ir para o colégio Dolores, aos 11 anos, em janeiro de 1938, depois de se rebelar contra o autoritarismo de um professor. Segue sua escolaridade com os jesuítas no Colégio de Belém em Havana, de 1942 a 1945. Depois de uma graduação brilhante, seu professor, o padre Armando Llorente, escreve no anuário da instituição: “Distinguiu-se em todas as matérias relacionadas às letras. Excepcional e congregante, foi um verdadeiro atleta, defendendo sempre com valor e orgulho a bandeira do colégio. Soube ganhar a admiração e o carinho de todos. Cursará a carreira de Direito e não duvidamos de que encherá de páginas brilhantes o livro de sua vida.”
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3. Apesar de se exiliar em Miami, em 1961, por causa das tensões entre o governo revolucionário e a Igreja Católica cubana, o padre Llorente sempre guardou uma lembrança nostálgica de seu antigo aluno. “Me dizem: ‘o senhor sempre fala bem de Fidel’. Eu falo do Fidel que eu conheci. Inclusive, [ele] uma vez salvou a minha vida e essas coisas não podem ser esquecidas nunca”. Fidel Castro se jogou na água para salvar seu professor, levado pela correnteza.
4. Em 1945, Fidel Castro entra na Universidade de Havana, onde cursa a graduação de Direito. Eleito delegado da Faculdade de Direito, participa ativamente das manifestações contra a corrupção do governo do presidente Ramón Grau San Martín. Não vacila, tampouco, em denunciar publicamente gangues vinculadas às autoridades políticas. Max Lesnik, então secretário-geral da Juventude Ortodoxa e colega de Fidel Castro, lembra-se desse episódio: “O comitê 30 de setembro [criado para lutar contra as gangues] fez o acordo de apresentar a denúncia contra o governo e os gângsteres no plenário da Federação Estudantil [Universitária]. No salão, mais de 300 alunos de diversas faculdades se apresentaram para escutar Fidel quando alguém [...] gritou: ‘Aquele que falar o que não deve, falará pela última vez’. Estava claro que a ameaça era contra o orador da vez. Fidel se levantou de sua cadeira e, com passo lento e firme, se encaminhou ao centro do amplo salão, [...] e começou a ler uma lista oficial com os nomes e todos e de cada um dos membros das gangues e dos dirigentes da FEU que haviam sido premiados com suculentas ‘garrafas’ [cargos] nos distintos ministérios da administração pública.”
5. Em 1947, aos 22 anos, Fidel Castro participa, com Juan Bosch, futuro presidente da República Dominicana, de uma tentativa de desembarque da [expedição de] Cayo Confites para derrubar o ditador Rafael Trujilo, então apoiado pelos Estados Unidos.
6. Um anos depois, em 1948, participa do Bogotazo, revolta popular desatada pelo assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, líder político progressista, candidato às eleições presidenciais da Colômbia.
7. Graduado em Direito em 1950, Fidel Castro atua como advogado até 1952 e defende as pessoas humildes, antes de se lançar na política.
8. Fidel Castro nunca militou no Partido Socialista Popular (PSP), partido comunista da Cuba pré-revolucionária. Era membro do Partido do Povo Cubano, também chamado Partido Ortodoxo, fundado em 1947 por Eduardo Chibás. O programa do Partido Ortodoxo de Chibás é progressista e se baseia em vários pilares: soberania nacional, independência econômica pela diversificação da produção agrícola, supressão do latifúndio, desenvolvimento da indústria, nacionalização dos serviços públicos, luta contra a corrupção e justiça social por meio da defesa dos trabalhadores. Fidel Castro reivindica seu pertencimento ao pensamento “martiano” (de José Martí), chibasista (de Chibás) e anti-imperialista. Orador de grande talento, se apresenta às eleições parlamentárias como candidato do Partido do Povo Cubano em 1952.
9. No dia 10 de março de 1952, a três meses das eleições presidenciais, o general Fulgencio Batista rompe a ordem constitucional e derruba o governo de Carlos Prío Socarrás. Consegue o apoio imediato dos Estados Unidos, que reconhecem oficialmente a nova ditadura militar.
10. O advogado Fidel Castro apresenta uma denúncia contra Batista por romper a ordem constitucional: “Se existem tribunais, Batista deve ser castigado, e se Batista não é castigado [...], como poderá depois este tribunal julgar um cidadão qualquer por motim ou rebeldia contra esse regime ilegal, produto da traição impune?”. O Tribunal Supremo, sob as ordens do novo regime, recusa a demanda.
11. No dia 26 de julho de 1953, Fidel Castro se coloca à frente de uma expedição de 131 homens e ataca o quartel Moncada na cidade de Santiago, segunda maior fortaleza militar do país, assim como o quartel Carlos Manuel de Céspedes, na cidade de Bayamo. O objetivo era tomar o controle da cidade – berço histórico de todas as revoluções – e lançar um chamado pela rebelião em todo o país para derrubar o ditador Batista.
12. A operação é um fracasso e 55 combatentes são assassinados depois de brutalmente torturados pelos militares. De fato, apenas seis deles morreram em combate. Alguns conseguiram escapar graças ao apoio da população.
13. Fidel Castro, capturado alguns dias depois, deve a vida ao sargento Pedro Sarría, que se negou a seguir as ordens de seus superiores e executar o líder de Moncada. “Não disparem! Não disparem! Não se deve matar as ideias!”, exclamou para seus soldados.
14. Durante sua histórica alegação, intitulada “A História me Absolverá”, Fidel Castro, encarregado de sua própria defesa, denuncia os crimes de Batista e a miséria na qual se encontra o povo cubano, e apresenta seu programa para uma Cuba livre, baseado na soberania nacional, na independência econômica e na justiça social.
15. Condenado a 15 anos de prisão, Fidel Castro é liberado em 1955, depois da anistia que o regime de Batista lhe concedeu. Funda o Movimento 26 de Julho (M 26-7) e declara seu projeto de seguir lutando contra a ditadura antes de se exilar no México.
16. Fidel Castro organiza ali a expedição do Granma com um médico chamado Ernesto Guevara. Não foi muito trabalhoso para Fidel Castro convencer o jovem argentino, que recordava: “O conheci em uma dessas frias noites do México e lembro-me de que nossa primeira discussão foi sobre política internacional. Poucas horas depois, na mesma noite — de madrugada — eu era um de seus futuros expedicionários.”
17. Em agosto de 1955, Fidel Castro publica o Primeiro Manifesto do Movimento 26 de Julho, que retoma os pontos essenciais de “A História me Absolverá”. Trata de reforma agrária, da proibição do latifúndio, de reformas econômicas e sociais a favor dos deserdados, da industrialização da nação, da construção de habitações, da diminuição dos aluguéis, da nacionalização dos serviços públicos de telefone, gás e eletricidade, de educação e da cultura para todos, da reforma fiscal e da reorganização da administração pública para lutar contra a corrupção.
18. Em outubro de 1955, para reunir os fundos necessários para a expedição, Fidel Castro realiza uma turnê pelos Estados Unidos e se reúne com os exilados cubanos. O FBI vigia de perto os clubes patrióticos M 26-7 fundados em diferentes cidades.
19. No dia 2 de dezembro de 1956, Fidel Castro embarca no porto de Tuxpán, no México, a bordo do barco Granma, com capacidade para 25 pessoas. Os revolucionários são 82 no total e navegam rumo a Cuba com o objetivo de desatar um guerra de guerrilhas nas montanhas de Sierra Maestra.
20. A travessia se transforma em pesadelo por causa das condições climáticas. Um expedicionário cai ao mar. Juan Almeida, membro do grupo e futuro comandante da Revolução, lembra-se do episódio: “Fidel nos disse o seguinte: ‘Daqui não nos vamos até que o salvemos’. Isso comoveu as pessoas e animou a combatividade. Pensamos: ‘com esse homem não há abandonados’. O salvamos, correndo o risco de perder a expedição.”
21. Depois de uma travessia de sete dias, em vez dos cinco previstos, no dia 2 de dezembro de 1956 a tropa desembarca “no pior pântano jamais visto”, segundo Raúl Castro. Os tiros da aviação cubana a dispersam e 2 mil soldados de Batista, que esperavam os revolucionários, a perseguem.
22. Alguns dias depois, em Cinco Palmas, Fidel Castro volta a se encontrar com seu irmão Raúl e com outros 10 expedicionários. “Agora sim ganhamos a guerra”, declara o líder do M 26-7 a seus homens. Começa a guerra de guerrilhas que duraria 25 meses.
23. Em fevereiro de 1957, a entrevista com Fidel Castro realizada por Herbert Matthews, do New York Times, permite que a opinião pública estadunidense e mundial descubra a existência de uma guerrilha em Cuba. Batista confessaria mais tarde, em suas memórias, que graças a esse golpe jornalístico, “Castro começava a ser um personagem lendário”. Matthews suavizou, entretanto, a importância de sua entrevista. “Nenhuma publicidade, por mais sensacional que fosse, poderia ter tido efeito se Fidel Castro não fosse precisamente o homem que eu descrevi.”
24. Apesar das declarações oficiais de neutralidade no conflito cubano, os Estados Unidos concedem seu apoio político, econômico e militar a Batista e se opõem a Fidel Castro até os últimos instantes. No dia 23 de dezembro de 1958, a uma semana do triunfo da Revolução, enquanto o Exército de Fulgencio Batista se encontra em plena debandada, apesar de sua superioridade em armas e homens, acontece a 392ª reunião do Conselho de Segurança Nacional [dos Estados Unidos], com a presença do presidente [Dwight D.] Eisenhower. Allen Dulles, então diretor da CIA, expressa claramente a posição dos Estados Unidos. “Temos de impedir a vitória de Castro.”
25. Apesar do apoio dos Estados Unidos, de seus 20 mil soldados e da superioridade material, Batista não pôde vencer uma guerrilha composta de 300 homens armados durante a ofensiva final do verão de 1958, que mobilizou mais de 10 mil pessoas. Essa “vitória estratégica” revela, então, a genialidade militar de Fidel Castro, que havia antecipado e derrotado a operação Fim de Fidel lançada por Batista.
26. No dia 1 de janeiro de 1959, cinco anos, cinco meses e cinco dias depois do ataque ao quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, triunfou a Revolução Cubana.
27. Durante a formação do governo revolucionário, em janeiro de 1959, Fidel Castro é nomeado ministro das Forças Armadas. Não ocupa a Presidência, ocupada pelo juiz Manuel Urrutia, nem o posto de primeiro-ministro, entregue ao advogado José Miró Cardona.
28. Em fevereiro de 1959, o primeiro-ministro Cardona, que se opõe às reformas econômicas e sociais que considera demasiadamente radicais (projeto de reforma agrária), apresenta sua demissão. Manuel Urrutia chama Fidel Castro para ocupar o cargo.
29. Em julho de 1959, frente à oposição do presidente Urrutia, que recusa novas reformas, Fidel Castro renuncia a seu cargo de primeiro-ministro. Imensas manifestações populares têm início em Cuba, exigindo a saída de Urrutia e o retorno de Fidel Castro. O novo presidente da República, Osvaldo Dorticós, volta a nomeá-lo primeiro-ministro.
30. Os Estados Unidos se mostram imediatamente hostis à Fidel Castro ao acolher com braços abertos os dignitários do antigo regime, incluindo vários criminosos de guerra que tinham roubado as reservas do Tesouro cubano, levando 424 milhões de dólares.
31. Não obstante, desde o princípio, Fidel Castro declara sua vontade de manter boas relações com Washington. Entretanto, durante sua primeira visita aos Estados Unidos, em abril de 1959, o presidente Eisenhower se nega a recebê-lo e prefere ir jogar golfe. John F. Kennedy lamentaria o ocorrido: “Fidel Castro é parte do legado de Bolívar. Deveríamos ter dado ao fogoso e jovem rebelde uma mais calorosa acolhida em sua hora de triunfo”.
32. A partir de outubro de 1959, pilotos procedentes dos Estados Unidos bombardeiam Cuba e voltam para a Flórida sem serem perturbados pelas autoridades. No dia 21 de outubro de 1959, lançam uma bomba sobre Havana que provoca duas mortes e fere 45 pessoas. O responsável pelo crime, Pedro Luis Díaz Lanza, volta a Miami sem ser perturbado pela justiça e Washington se nega a extraditá-lo para Cuba.
33. Fidel Castro se aproxima de Moscou somente em fevereiro de 1960 e apenas adquire armas soviéticas depois de os Estados Unidos rejeitarem fornecer o arsenal necessário para a sua defesa. Washington também pressiona o Canadá e as nações europeias solicitadas por Cuba com a finalidade de obrigar o país a se dirigir ao bloco socialista e assim justificar sua política hostil em relação a Havana.
34. Em março de 1960, a administração Eisenhower toma a decisão formal de depor Fidel Castro. No total, o líder da Revolução Cubana sofreria nada menos que 637 tentativas de assassinato.
35. Em março de 1960, a sabotagem, comandada pela CIA, do barco francês La Coubre, carregado de armas no porto de Havana, provoca mais de cem mortes. Em seu discurso em homenagem às vítimas, Fidel Castro lança o lema: “Pátria ou morte”, inspirado no [lema] da Revolução Francesa, “Liberdade, igualdade, fraternidade ou morte.”
36. No dia 16 de abril de 1961, depois dos bombardeios dos principais aeroportos do país pela CIA, prelúdio da invasão da Baía dos Porcos, Fidel Castro declara o caráter “socialista” da Revolução.
37. Durante a invasão da Baía dos Porcos por 1400 exilados financiados pela CIA, Fidel Castro faz parte da primeira linha de combate. Infringe uma severa derrota aos Estados Unidos e esmaga os invasores em 66 horas. Sua popularidade chega ao topo em todo o mundo.
38. Durante a crise dos mísseis, em outubro de 1962, o general soviético Alexey Dementiexv estava ao lado de Fidel Castro. Conta suas lembranças: “Passei junto a Fidel Castro os momentos mais impressionantes de minha vida. Estive a maior parte do tempo a seu lado. Houve um instante em que considerávamos próximo o ataque militar dos Estados Unidos e Fidel tomou a decisão de colocar todos os meios em [estado] de alerta. Em poucas horas, o povo estava em posição de combate. Era impressionante a fé de Fidel em seu povo, e de seu povo, e de nós, os soviéticos, nele. Fidel é, sem discussão, um dos gênios políticos e militares deste século.”
39. Em outubro de 1965, cria-se o Partido Comunista de Cuba (PCC), substituindo o Partido Unido da Revolução Socialista (PURS), surgido em 1962 (que substituiu as Organizações Revolucionárias Integradas — ORI —, criadas em 1961). Fidel Castro é nomeado primeiro-secretário.
40. Em 1975, Fidel Castro é eleito pela primeira vez para a Presidência da República depois da adoção da nova Constituição. Seria reeleito até 2006.
41. Em 1988, a mais de 20 mil quilômetros de distância, Fidel Castro dirige de Havana a batalha de Cuito Cuanavale em Angola, na qual as tropas cubanas e angolanas infringem uma retumbante derrota às forças armadas sul-africanas que invadiram Angola e que ocupavam a Namíbia. O historiadora Piero Gleijeses, professor da Universidade John Hopkins, de Washington, escreve a respeito: “Apesar de todos os esforços de Washington [aliado ao regime do apartheid] para impedir-lhe, Cuba mudou o rumo da história da África Austral [...]. A proeza dos cubanos no campo de batalha e seu virtuosismo à mesa de negociações foram decisivos para obrigar a África do Sul a aceitar a independência da Namíbia. Sua exitosa defesa de Cuito foi o prelúdio de uma campanha que obrigou a SADF [Força de Defesa Sul-Africana, as então Forças Armadas oficiais da África do Sul, por sua sigla em inglês] a sair de Angola. Essa vitória repercutiu para além da Namíbia.”
42. Observador lúcido da Perestroika, Fidel Castro declara ao povo em um discurso premonitório do dia 26 de julho de 1989, que, no caso do desaparecimento da União Soviética, Cuba deveria resistir e prosseguir na via do socialismo. “Se amanhã ou qualquer outro dia despertássemos com a notícia de que se criou uma grande guerra civil na URSS, ou até se despertássemos com a notícia de que a URSS se desintegrou [...], Cuba e a Revolução Cubana seguiriam lutando e seguiriam resistindo.”
43. Em 1994, em pleno Período Especial, conhece Hugo Chávez, com quem estabelece uma forte amizade, que duraria até a morte dele, em 2013. Segundo Fidel Castro, o presidente venezuelano foi o “melhor amigo que o povo cubano teve”. Ambos estabelecem uma colaboração estratégica com a criação, em 2005, da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, que agrupa atualmente oito países da América Latina e do Caribe.
44. Em 1998, Fidel Castro recebe a visita do papa João Paulo II em Havana. Ele pede que “o mundo se abra para Cuba e que Cuba se abra para o mundo”.
45. Em 2002, o ex-presidente dos Estados Unidos James Carter realiza uma visita histórica a Cuba. Faz uma intervenção ao vivo pela televisão: “Não vim aqui interferir nos assuntos internos de Cuba, mas estender uma mão de amizade ao povo cubano e oferecer uma visão de futuro aos nossos países e às Américas. [...] Quero que cheguemos a ser amigos e nos respeitemos uns aos outros [...]. Devido ao fato de os Estados Unidos serem a nação mais poderosa, somos nós que devemos dar o primeiro passo.”
46. Em julho de 2006, depois de uma grave doença intestinal, Fidel Castro renuncia ao poder. Conforme a Constituição, é sucedido pelo vice-presidente, Raúl Castro.
47. Em fevereiro de 2008, Fidel Castro renuncia definitivamente a qualquer mandato executivo. Consagra-se, então, à redação de suas memórias e publica regularmente artigos sob o título “reflexões.”
48. Arthur Schlesinger Jr., historiador e assessor especial do presidente Kennedy, evocou a questão do culto à pessoa [de Fidel] depois de uma permanência em Cuba em 2001. “Fidel Castro não incentiva o culto à [sua] pessoa. É difícil encontrar um cartaz ou até um cartão postal de Castro em qualquer lugar de Havana. O ícone da Revolução de Fidel, visível em todos os lugares, é Che Guevara.”
49. Gabriel García Márquez, escritor colombiano e Prêmio Nobel de literatura, é amigo íntimo de Fidel Castro. Esboçou um retrato dele e ressalta “a confiança absoluta que desperta no contato direto. Seu poder é de sedução. Busca os problemas onde eles estão. Sua paciência é invencível. Sua disciplina é de ferro. A força de sua imaginação o empurra até os limites do imprevisto.”
50. O triunfo da Revolução Cubana no dia 1 de janeiro de 1959, dirigida por Fidel Castro, é o acontecimento mais relevante da História da América Latina do século XX. Fidel Castro continuará sendo uma das figuras mais controversas do século XX. Entretanto, até seus mais ferrenhos detratores reconhecem que fez de Cuba uma nação soberana e independente, respeitada no cenário internacional, com inegáveis conquistas sociais nos campos da educação, saúde, cultura, esporte e solidariedade internacional. Ficará para sempre como o símbolo da dignidade nacional que sempre se colocou do lado do oprimidos e que deu seu apoio a todos os povos que lutavam por sua emancipação.
*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com prólogo de Eduardo Galeano.
De charuto envenenado a canetas tóxicas: os incríveis planos dos EUA para matar Fidel - BBC Brasil
De charuto envenenado a canetas tóxicas: os incríveis planos dos EUA para matar Fidel - BBC Brasil
De charuto envenenado a canetas tóxicas: os incríveis planos dos EUA para matar Fidel
De rifles de alta potência até comprimidos envenenados, passando por canetas tóxicas e a contratação de assassinos profissionais, estes foram alguns dos métodos que teriam sido utilizados pelos Estados Unidos na tentativa de se livrar de Fidel Castro, o líder cubano, incômodo à política americana de ampliação da influência que exercia na região.
Nas últimas décadas, as tentativas de assassinato de Fidel vêm sendo objeto de análises e especulações. O fato de algumas dessas tentativas ainda permanecerem sem comprovação só colabora para fortalecer ainda mais a imagem heroica de Fidel, que como líder de uma pequena e frágil república caribenha, se opôs com ferrenha determinação ao vizinho gigante e todo poderoso do norte.
Um dos homens que teve a missão de cuidar da segurança de Fidel Castro durante anos, o ex-chefe do serviço secreto cubano Fabián Escalante, escreveu um livro no qual detalha 634 maneiras usadas pelos adversários de Fidel na esperança de assassiná-lo.
Fidel Castro morre aos 90 anos
'O dia em que acariciei a barba de Fidel e deixei de acreditar nele'
Morre Fidel Castro: 9 frases célebres do polêmico líder da Revolução Cubana
Igualmente, o documentário produzido em 2006 pela TV britânica Channel 4, 638 Ways to Kill Castro (638 Maneiras de Matar Castro, em tradução literal em português) lista casos que vão desde charutos explosivos até mulheres fatais. Entre os que poderiam ter interesse na eliminação de Fidel, o documentário inclui a CIA, o serviço secreto americano, e alguns cubanos que vivem exilados nos Estados Unidos.
Entre os documentos oficiais, destaca-se um dossiê de 1975 preparado por uma comissão do Senado americano. A comissão, apelidada de Comitê Church, diz ter encontrado provas concretas de pelo menos oito complôs envolvendo a CIA para assassinar Fidel Castro, entre os anos 1960 e 1965.
Charutos contaminados
Em seu livro A Obsessão com Castro: Operações Encobertas dos Estados Unidos Contra Cuba, o jornalista americano Don Bohning conta que com a chegada de Fidel ao poder no primeiro dia de 1959, os Estados Unidos começaram sentir que a Guerra Fria estava muito próximo do território americano.
Image copyright Getty Images
Image caption Uma das estratégias consideradas para assassinar o líder cubano incluía o uso de um charuto explosivo
"A Guerra Fria e ameaça comunista não se apresentavam mais de forma abstrata em um lugar distante, estavam às portas dos Estados Unidos", disse Bohning.
Em reação, "os Estados Unidos passaram a promover a desestabilização econômica e política de Cuba, e para tal não hesitaram em recorrer à propagando, manipulação, sabotagem e a tentativas de assassinato para retirar o jovem líder cubano", escreveu Bohning.
O dossiê da comissão do Senado revela que no começo, a estratégia da CIA era apenas desestabilizar Fidel e não assassiná-lo e para tal foram considerados recursos dos mais bizarros. Pensaram em sabotar seus discursos, impregnar um estúdio de TV com substância tóxica que produz efeitos alucinógenos semelhantes aos do LSD, contaminar seus charutos com substâncias desorientadoras e até em colocar sais em seus sapatos que fariam cair-lhe a barba.
Segundo o documento da comissão, foi em 1960 que se registrou o primeiro atentado contra a vida de Fidel patrocinado pela CIA. Um cubano se aproximou da CIA e se ofereceu para ajudar dizendo que poderia se entrar em contato com Raúl Castro, irmão de Fidel. A ideia era organizar um encontro entre os três e organizar "um acidente" que vitimaria Fidel Castro. Pelo feito, o cubano receberia uma recompensa de US$ 10 mil (cerca de R$3,7 mil).
Com tudo acertado, veio uma ordem superior de abortar o atentado que desta forma nunca chegou a ser colocado em prática. Mas as autoridades americanas não desistiriam.
Assassinato de Kennedy
Outros atentados foram sendo considerados: charutos foram envenenados, foi construída uma caneta esferográfica que tinha embutida uma seringa hipodérmica quase invisível e chegaram a ser recrutados assassinos profissionais que operavam no submundo do crime americano.
Um episódio bem conhecido é a mal sucedida iniciativa de derrubada de Fidel Castro feita em 1961. Cerca de mil e quinhentos exilados cubanos treinados e financiados pela CIA tentaram invadir Cuba pela baía dos Porcos, onde foram massacrados pelas tropas fiéis a Fidel.
Image copyright Getty Images
Image caption Maior número de atentados contra a vida de Fidel ocorreu durante os governos de Reagan, Nixon, Johnson e Carter
A invasão da baía dos Porcos acabou por distanciar ainda mais dois países, mas não encerrou de modo algum as tentativas de governos americanos de se livrar de Fidel Castro.
O dossiê do Comitê Church revela também que o então presidente John F. Kennedy deu sua aprovação a um memorando interno que apresentava o projeto batizado de Operação Mangusto cujo objetivo era ajudar Cuba a derrotar o regime comunista.
Bohning conta em seu livro que as tentativas de derrotar Fidel Castro prosseguiram durante a Operação Mangusto ao mesmo tempo em que o governo americano tentava por outros canais restaurar relações normais com Cuba.
Mas o jornalista ressalta que tudo mudou em 1963 com o assassinato do presidente Kennedy.
"Após a morte de Kennedy e a posse de Lyndon Johnson, as atividades clandestinas começaram a diminuir e aos poucos a atenção do governo americano se voltou para outras regiões do planeta, como o Vietnã", acrescentou.
No livro, Bohning diz que "à medida que um confronto com a União Soviética se tornava menos provável, os Estados Unidos perceberam também que ainda estavam muito distantes de seu objetivo de derrotar o regime cubano."
Finalmente, em 1977, o presidente George Ford assinou uma ordem executiva para proibir que qualquer funcionário do governo americano participasse de alguma forma de atentados políticos.
Entretanto, a se tomar pelo conteúdo do documentário do Channel 4, as iniciativas para eliminar Fidel Castro continuaram até bem recentemente.
O filme não só enumera 638 planos de eliminação do líder cubano como também separa esse número por governo de cada presidente americano desde 1959.
38 durante o governo Eisenhower
42 durante o governo Kennedy
72 durante o governo Johnson
184 durante o governo Nixon
64 durante o governo Carter
197 durante o governo Reagan
16 durante o governo Bush (pai)
21 durante o governo Clinton
Muitas iniciativas citadas seguem sem confirmação, porém o que se sabe com toda certeza é que nenhuma delas foi bem sucedida.
De charuto envenenado a canetas tóxicas: os incríveis planos dos EUA para matar Fidel
De rifles de alta potência até comprimidos envenenados, passando por canetas tóxicas e a contratação de assassinos profissionais, estes foram alguns dos métodos que teriam sido utilizados pelos Estados Unidos na tentativa de se livrar de Fidel Castro, o líder cubano, incômodo à política americana de ampliação da influência que exercia na região.
Nas últimas décadas, as tentativas de assassinato de Fidel vêm sendo objeto de análises e especulações. O fato de algumas dessas tentativas ainda permanecerem sem comprovação só colabora para fortalecer ainda mais a imagem heroica de Fidel, que como líder de uma pequena e frágil república caribenha, se opôs com ferrenha determinação ao vizinho gigante e todo poderoso do norte.
Um dos homens que teve a missão de cuidar da segurança de Fidel Castro durante anos, o ex-chefe do serviço secreto cubano Fabián Escalante, escreveu um livro no qual detalha 634 maneiras usadas pelos adversários de Fidel na esperança de assassiná-lo.
Fidel Castro morre aos 90 anos
'O dia em que acariciei a barba de Fidel e deixei de acreditar nele'
Morre Fidel Castro: 9 frases célebres do polêmico líder da Revolução Cubana
Igualmente, o documentário produzido em 2006 pela TV britânica Channel 4, 638 Ways to Kill Castro (638 Maneiras de Matar Castro, em tradução literal em português) lista casos que vão desde charutos explosivos até mulheres fatais. Entre os que poderiam ter interesse na eliminação de Fidel, o documentário inclui a CIA, o serviço secreto americano, e alguns cubanos que vivem exilados nos Estados Unidos.
Entre os documentos oficiais, destaca-se um dossiê de 1975 preparado por uma comissão do Senado americano. A comissão, apelidada de Comitê Church, diz ter encontrado provas concretas de pelo menos oito complôs envolvendo a CIA para assassinar Fidel Castro, entre os anos 1960 e 1965.
Charutos contaminados
Em seu livro A Obsessão com Castro: Operações Encobertas dos Estados Unidos Contra Cuba, o jornalista americano Don Bohning conta que com a chegada de Fidel ao poder no primeiro dia de 1959, os Estados Unidos começaram sentir que a Guerra Fria estava muito próximo do território americano.
Image copyright Getty Images
Image caption Uma das estratégias consideradas para assassinar o líder cubano incluía o uso de um charuto explosivo
"A Guerra Fria e ameaça comunista não se apresentavam mais de forma abstrata em um lugar distante, estavam às portas dos Estados Unidos", disse Bohning.
Em reação, "os Estados Unidos passaram a promover a desestabilização econômica e política de Cuba, e para tal não hesitaram em recorrer à propagando, manipulação, sabotagem e a tentativas de assassinato para retirar o jovem líder cubano", escreveu Bohning.
O dossiê da comissão do Senado revela que no começo, a estratégia da CIA era apenas desestabilizar Fidel e não assassiná-lo e para tal foram considerados recursos dos mais bizarros. Pensaram em sabotar seus discursos, impregnar um estúdio de TV com substância tóxica que produz efeitos alucinógenos semelhantes aos do LSD, contaminar seus charutos com substâncias desorientadoras e até em colocar sais em seus sapatos que fariam cair-lhe a barba.
Segundo o documento da comissão, foi em 1960 que se registrou o primeiro atentado contra a vida de Fidel patrocinado pela CIA. Um cubano se aproximou da CIA e se ofereceu para ajudar dizendo que poderia se entrar em contato com Raúl Castro, irmão de Fidel. A ideia era organizar um encontro entre os três e organizar "um acidente" que vitimaria Fidel Castro. Pelo feito, o cubano receberia uma recompensa de US$ 10 mil (cerca de R$3,7 mil).
Com tudo acertado, veio uma ordem superior de abortar o atentado que desta forma nunca chegou a ser colocado em prática. Mas as autoridades americanas não desistiriam.
Assassinato de Kennedy
Outros atentados foram sendo considerados: charutos foram envenenados, foi construída uma caneta esferográfica que tinha embutida uma seringa hipodérmica quase invisível e chegaram a ser recrutados assassinos profissionais que operavam no submundo do crime americano.
Um episódio bem conhecido é a mal sucedida iniciativa de derrubada de Fidel Castro feita em 1961. Cerca de mil e quinhentos exilados cubanos treinados e financiados pela CIA tentaram invadir Cuba pela baía dos Porcos, onde foram massacrados pelas tropas fiéis a Fidel.
Image copyright Getty Images
Image caption Maior número de atentados contra a vida de Fidel ocorreu durante os governos de Reagan, Nixon, Johnson e Carter
A invasão da baía dos Porcos acabou por distanciar ainda mais dois países, mas não encerrou de modo algum as tentativas de governos americanos de se livrar de Fidel Castro.
O dossiê do Comitê Church revela também que o então presidente John F. Kennedy deu sua aprovação a um memorando interno que apresentava o projeto batizado de Operação Mangusto cujo objetivo era ajudar Cuba a derrotar o regime comunista.
Bohning conta em seu livro que as tentativas de derrotar Fidel Castro prosseguiram durante a Operação Mangusto ao mesmo tempo em que o governo americano tentava por outros canais restaurar relações normais com Cuba.
Mas o jornalista ressalta que tudo mudou em 1963 com o assassinato do presidente Kennedy.
"Após a morte de Kennedy e a posse de Lyndon Johnson, as atividades clandestinas começaram a diminuir e aos poucos a atenção do governo americano se voltou para outras regiões do planeta, como o Vietnã", acrescentou.
No livro, Bohning diz que "à medida que um confronto com a União Soviética se tornava menos provável, os Estados Unidos perceberam também que ainda estavam muito distantes de seu objetivo de derrotar o regime cubano."
Finalmente, em 1977, o presidente George Ford assinou uma ordem executiva para proibir que qualquer funcionário do governo americano participasse de alguma forma de atentados políticos.
Entretanto, a se tomar pelo conteúdo do documentário do Channel 4, as iniciativas para eliminar Fidel Castro continuaram até bem recentemente.
O filme não só enumera 638 planos de eliminação do líder cubano como também separa esse número por governo de cada presidente americano desde 1959.
38 durante o governo Eisenhower
42 durante o governo Kennedy
72 durante o governo Johnson
184 durante o governo Nixon
64 durante o governo Carter
197 durante o governo Reagan
16 durante o governo Bush (pai)
21 durante o governo Clinton
Muitas iniciativas citadas seguem sem confirmação, porém o que se sabe com toda certeza é que nenhuma delas foi bem sucedida.
Baía dos Porcos
Baía dos Porcos, símbolo do fracasso dos EUA em derrotar Fidel Castro - AFP - UOL Notícias
Baía dos Porcos, símbolo do fracasso dos EUA em derrotar Fidel Castro
A invasão da Baía dos Porcos ficou registrada na história como o símbolo do fracasso dos Estados Unidos em suas tentativas de derrotar Fidel Castro, cuja morte foi anunciada neste sábado.
Na ação que Cuba proclamou como "a primeira grande derrota do imperialismo na América Latina", cerca de 1.400 anticastristas armados pelos Estados Unidos desembarcaram em 17 de abril de 1961 em Playa Larga e Playa Girón, na Baía dos Porcos, a 250 km de Havana, e foram vencidos após 72 horas de combates.
Organizada pela CIA com aprovação do presidente Dwight Eisenhower, e depois assumida por seu antecessor John F. Kennedy, a operação começou em 14 de abril, quando zarparam da Nicarágua rumo a Cuba os buques com expedicionários da "Brigada 2506" treinados nas bases instaladas em segredo nesse país e na Guatemala.
Em plena Guerra Fria, na manhã do dia 15 de abril, seis bombardeiros B-26 com bandeira cubana, saídos da Nicarágua, atacaram as bases aéreas de Havana e de Santiago de Cuba (sudeste). Um deles foi derrubado pela artilharia anti-aérea cubana.
Cinco aeronaves da aviação cubana foram destruídas em terra, mass restaram nove (três Sea Fury, três T-33 e três B-26) que foram decisivas nos combates dos dias seguintes. A CIA acreditava ter liquidado a força aérea cubana.
No dia 16, durante o funeral de sete vítimas dos bombardeios, Castro declarou: "O que os imperialistas não perdoaram é que estejamos aqui e que tenhamos feito uma revolução socialista embaixo dos próprios narizes dos Estados Unidos".
Essa foi a primeira vez que Fidel Castro proclamou a natureza de sua revolução, depois de ter negado por anos o caráter comunista de seu movimento.
Na madrugada de 17 de abril, apoiados por oito buques, desembarcaram os expedicionários anticastristas na Playa Girón e na Playa Larga, distantes cerca 30 km entre elas.
Os combates se estenderam até o dia 19 de abril. Mas, privados de apoio -já que Kennedy não quis envolver a aviação americana- e de armas pesadas, com barcos afundados e aviões derrubados, os invasores se renderam.
Fidel Castro, então com 34 anos, dirigiu o campo de operações. Os enfrentamentos terminaram com 107 mortos e 1.189 prisioneiros nas fileiras anticastristas e 161 abatidos nas fileiras de Castro.
Cinco dos capturados foram executados, nove condenados a 30 anos de prisão; os outros foram liberados em dezembro de 1962 em um intercâmbio por 53 milhões de dólares em medicamentos e alimentos.
A invasão da Baía dos Porcos foi o choque mais forte choque do conflito entre Cuba e Estados Unidos, e abriu uma escalada em que Castro resistiu a 11 presidentes norte-americanos, até que ambos os países retomaram suas relações diplomáticas em 2015.
Baía dos Porcos, símbolo do fracasso dos EUA em derrotar Fidel Castro
A invasão da Baía dos Porcos ficou registrada na história como o símbolo do fracasso dos Estados Unidos em suas tentativas de derrotar Fidel Castro, cuja morte foi anunciada neste sábado.
Na ação que Cuba proclamou como "a primeira grande derrota do imperialismo na América Latina", cerca de 1.400 anticastristas armados pelos Estados Unidos desembarcaram em 17 de abril de 1961 em Playa Larga e Playa Girón, na Baía dos Porcos, a 250 km de Havana, e foram vencidos após 72 horas de combates.
Organizada pela CIA com aprovação do presidente Dwight Eisenhower, e depois assumida por seu antecessor John F. Kennedy, a operação começou em 14 de abril, quando zarparam da Nicarágua rumo a Cuba os buques com expedicionários da "Brigada 2506" treinados nas bases instaladas em segredo nesse país e na Guatemala.
Em plena Guerra Fria, na manhã do dia 15 de abril, seis bombardeiros B-26 com bandeira cubana, saídos da Nicarágua, atacaram as bases aéreas de Havana e de Santiago de Cuba (sudeste). Um deles foi derrubado pela artilharia anti-aérea cubana.
Cinco aeronaves da aviação cubana foram destruídas em terra, mass restaram nove (três Sea Fury, três T-33 e três B-26) que foram decisivas nos combates dos dias seguintes. A CIA acreditava ter liquidado a força aérea cubana.
No dia 16, durante o funeral de sete vítimas dos bombardeios, Castro declarou: "O que os imperialistas não perdoaram é que estejamos aqui e que tenhamos feito uma revolução socialista embaixo dos próprios narizes dos Estados Unidos".
Essa foi a primeira vez que Fidel Castro proclamou a natureza de sua revolução, depois de ter negado por anos o caráter comunista de seu movimento.
Na madrugada de 17 de abril, apoiados por oito buques, desembarcaram os expedicionários anticastristas na Playa Girón e na Playa Larga, distantes cerca 30 km entre elas.
Os combates se estenderam até o dia 19 de abril. Mas, privados de apoio -já que Kennedy não quis envolver a aviação americana- e de armas pesadas, com barcos afundados e aviões derrubados, os invasores se renderam.
Fidel Castro, então com 34 anos, dirigiu o campo de operações. Os enfrentamentos terminaram com 107 mortos e 1.189 prisioneiros nas fileiras anticastristas e 161 abatidos nas fileiras de Castro.
Cinco dos capturados foram executados, nove condenados a 30 anos de prisão; os outros foram liberados em dezembro de 1962 em um intercâmbio por 53 milhões de dólares em medicamentos e alimentos.
A invasão da Baía dos Porcos foi o choque mais forte choque do conflito entre Cuba e Estados Unidos, e abriu uma escalada em que Castro resistiu a 11 presidentes norte-americanos, até que ambos os países retomaram suas relações diplomáticas em 2015.
Caso Temer-Geddel é apenas um folhetim em uma história que perdeu o fio da meada
Caso Temer-Geddel é apenas um folhetim em uma história que perdeu o fio da meada
https://theintercept.com/brasil/
Caso Temer-Geddel é apenas um folhetim em uma história que perdeu o fio da meada
Lucas Figueiredo
25 de Novembro de 2016, 13h28
Perdeu o fio da meada do que acontece no Brasil? Achava que o país teria menos corrupção com a queda da presidente Dilma Rousseff? Não entendeu por que a crise econômica continua mesmo após o PT ter sido varrido do governo? Então vamos lá. Respire fundo e venha comigo. Vamos recapitular:
1_
Derrotado na eleição presidencial de 2014, Aécio Neves (PSDB) não aceita o resultado e começa uma campanha – no Tribunal Superior Eleitoral, no Congresso, no Ministério Público e na mídia – para afastar Dilma, vencedora do pleito com 54.501.118 votos;
2_
Não há prova de que a presidente tenha cometido crime de responsabilidade, condição sine qua non para o impeachment. Tampouco há prova de que Dilma tenha se envolvido diretamente em um mísero episódio de corrupção. Aécio, contudo, constrói a narrativa do golpe: o governo Dilma é um fracasso, o PT é corrupto, portanto a presidente não tem condições de governar;
3_
A derrubada de Dilma interessa a muita gente. Empresários (à frente, a Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), partidos de centro e de direita e grande parte da mídia (Organizações Globo, Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo etc.) não toleram a possibilidade de ver Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera todos os cenários das pesquisas de intenção de voto para 2018, ser eleito para um terceiro mandato e, quiçá, para um quarto, em 2022;
4_
Para muitos políticos, a queda de Dilma também é vista como uma forma de deter a Lava-Jato, megaoperação anticorrupção tocada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal sob a batuta do juiz federal Sérgio Moro. Com raríssimas exceções, todo o espectro político está contaminado pela corrupção. A Lava-Jato tem indícios e provas contra integrantes do PT, PMDB, PP, PSDB, DEM, PTB, PSB, PSDC, SD, entre outros partidos. “Tem de mudar o governo para estancar essa sangria”, diz Romero Jucá, cacique do PMDB, em conversa gravada pelo colega Sérgio Machado;
5_
Um dos que esperam ser salvos com a queda de Dilma é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PDMB), acusado de receber dezenas de milhões de dólares em propinas pagas no exterior. Cunha adere ao movimento golpista;
Brasília- DF 04-11-2015 Foto Lula Marques/Agência PT Presidente Eduardo Cunha recebe um pacote de Dollar no rosto, durante entrevista a imprensa no salão verde.
Brasília, 4 de novembro de 2015 — Presidente Eduardo Cunha recebe um pacote de Dollar no rosto, durante entrevista a imprensa.
Foto: Lula Marques/Agência PT
6_
Vendo a chance de virar presidente, o vice-presidente Michel Temer se junta ao movimento golpista;
7_
A mídia faz uma campanha brutal contra o PT e, em especial, contra Lula e Dilma. O movimento é amplificado por grandes fatias do empresariado, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, por ministros do Tribunal de Contas da União, e pelos investigadores da Lava-Jato, que promovem uma onda de vazamentos seletivos para a imprensa. A Polícia Federal chega a grampear, sem autorização judicial, uma conversa entre Dilma e Lula. O juiz Moro recebe o grampo ilegal e, em vez de descartá-lo, vaza o áudio para a imprensa. Moro também torna públicas conversas telefônicas de Lula com seus advogados, que deveriam ser protegidas pela lei, e diálogos íntimos de familiares do ex-presidente que nada tinham a ver as investigações;
8_
O Supremo Tribunal Federal nada faz para conter o massacre de reputação promovido pelo MP e por Moro contra Dilma e Lula;
9_
Multidões saem às ruas contra Dilma, Lula e o PT. Ganham visibilidade os panelaços nas varandas de bairros de classe média e alta;
10_
A base política de Dilma derrete. A crise econômica se agrava. A oposição toca fogo no circo – Aécio e Eduardo Cunha à frente –, propondo pautas-bomba que amplificam a crise política e econômica;
11_
O impeachment avança sem que seja apontado um crime de responsabilidade contra Dilma. Por fim, na falta de coisa melhor, acusam-na de promover “pedaladas fiscais”, ou seja, manipular os números do orçamento.
12_
O impeachment passa na Câmara em um festival grotesco transmitido ao vivo. No microfone, deputados gritam “Eu digo SIMMMMMMMMMM” reverenciando a cidade natal, a família, Deus, torturadores e, sobretudo, o fim da corrupção. Alguns deles seriam presos logo depois ou denunciados por envolvimento por desvio de dinheiro público;
13_
O impeachment passa também no Senado. Vinte senadores a favor do afastamento da presidente (um quarto da Casa) estão citados na Lava-Jato ou são suspeitos de prática de caixa dois;
14_
Citado ele próprio na Lava-Jato por intermediar propina para o PMDB, Temer se torna presidente. Forma um ministério com outros sete mencionados em delações na Lava-Jato, entre eles, Romero Jucá, elevado à condição de ministro do Planejamento;
Presidente Michel Temer durante sua posse no Senado Federal.(Brasília - DF, 31/08/2016)Foto: Beto Barata/PR
Brasília, 31 de agosto de 2016 — Presidente Michel Temer durante sua posse no Senado Federal.
Foto: Beto Barata/PR
15_
Descoberto o grampo em que Jucá dizia “tem de mudar o governo para estancar essa sangria” [leia-se, parar a Lava-Jato], Temer o exonera. Mas logo depois o nomeia líder do governo no Congresso;
16_
Com Dilma fora do páreo e Lula, acuado, diminui drasticamente o ritmo de prisões e vazamentos na Lava-Jato;
17_
Aécio Neves tem forte presença no governo Temer e posa na mídia como moralizador. Raros são os que, na imprensa, cobram dele explicações pelo fato de ter sido citado em delação que aponta propina de 3% em uma das maiores obras de sua gestão no governo de Minas, a Cidade Administrativa (orçada em R$ 949 milhões, mas que consumiu R$ 1,26 bilhão);
O presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), juntamente com outros parlamentares, participam de reunião organizada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em discussão, a reforma política. Em destaque (E/D): senador Aécio Neves (PSDB-MG); senador Renan Calheiros (PMDB-AL); deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
Senador Aécio Neves (PSDB-MG), senador Renan Calheiros (PMDB-AL), deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ)
Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
18_
José Serra, outro prócer do PSDB que alimentou o movimento golpista, é alçado a ministro das Relações Exteriores. A imprensa divulga que Serra foi delatado na Lava-Jato; na eleição de 2010, ele teria recebido R$ 34,5 milhões, em valores corrigidos, no caixa dois. Parte do pagamento teria sido feita no exterior, segundo a denúncia. Rapidamente, a imprensa se esquece do caso. Serra continua ministro de Temer;
19_
Com o aval de Temer, o Congresso articula a anistia para políticos que receberam dinheiro no caixa dois para bancar campanhas eleitorais. A medida, que na prática legaliza propinas recebidas no passado, salvará muitos dos investigados na Lava-Jato;
20_
O Senado aprova uma nova rodada de repatriação de recursos mantidos ilegalmente no exterior. Mas dessa vez, diferentemente do que fora estabelecido no governo Dilma, libera a adesão de parentes de políticos – a medida é chamada de “emenda Cláudia Cruz”, referência à mulher de Eduardo Cunha que movimentava no exterior dinheiro sem declaração no Imposto de Renda e suspeito de ser fruto de propina;
21_
1048892-051016vacp0007231
Ministro Geddel Vieira Lima
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O ministro Geddel, oficial destacado do movimento golpista, tem um problema pessoal. Um apartamento que comprou na planta em Salvador está com o projeto comprometido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O Iphan aceita que o prédio tenha apenas 13 andares dos 30 originalmente projetados a fim de não causar impacto nos bens tombados da vizinhança. Os apartamentos medem entre 259m² e 450 m² e custam entre R$ 2,6 milhões e R$ 4,5 milhões. Caso a medida não seja revertida, Geddel ficará sem seu apartamento, localizado nos andares mais elevados. Geddel então pressiona o ministro da Cultura, Marcelo Calero, a forçar o Iphan a reverter a decisão. Calero resiste;
22_
O presidente Michel Temer também pressiona Calero. Em audiência no Palácio do Planalto, Temer insta o ministro a tirar o caso do Iphan, passando-o para a alçada da Advocacia-Geral da União, onde Geddel conta com uma decisão favorável;
23_
Revelada a armação do presidente, Aécio corre em seu socorro: “na minha avaliação, do PSDB, nem de longe esse episódio atinge o sr. presidente Michel Temer”;
24_
O governo Temer tem apenas seis meses;
25_
Não se ouve o batido de uma frigideira sequer;
26_
Ninguém está nas ruas. MBL (Movimento Brasil Livre), Vem Pra Rua e outros grupos do gênero, que trabalharam fortemente para dar vida ao projeto golpista, agora só trabalham para eleger seus integrantes para cadeiras no Legislativo ou para o Executivo;
27_
A crise econômica continua;
28_
A corrupção continua;
29_
A impunidade está em permanente processo de construção;
30_
Como dizia Lampedusa, “algo deve mudar para que tudo continue como está”.
https://theintercept.com/brasil/
Caso Temer-Geddel é apenas um folhetim em uma história que perdeu o fio da meada
Lucas Figueiredo
25 de Novembro de 2016, 13h28
Perdeu o fio da meada do que acontece no Brasil? Achava que o país teria menos corrupção com a queda da presidente Dilma Rousseff? Não entendeu por que a crise econômica continua mesmo após o PT ter sido varrido do governo? Então vamos lá. Respire fundo e venha comigo. Vamos recapitular:
1_
Derrotado na eleição presidencial de 2014, Aécio Neves (PSDB) não aceita o resultado e começa uma campanha – no Tribunal Superior Eleitoral, no Congresso, no Ministério Público e na mídia – para afastar Dilma, vencedora do pleito com 54.501.118 votos;
2_
Não há prova de que a presidente tenha cometido crime de responsabilidade, condição sine qua non para o impeachment. Tampouco há prova de que Dilma tenha se envolvido diretamente em um mísero episódio de corrupção. Aécio, contudo, constrói a narrativa do golpe: o governo Dilma é um fracasso, o PT é corrupto, portanto a presidente não tem condições de governar;
3_
A derrubada de Dilma interessa a muita gente. Empresários (à frente, a Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), partidos de centro e de direita e grande parte da mídia (Organizações Globo, Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo etc.) não toleram a possibilidade de ver Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera todos os cenários das pesquisas de intenção de voto para 2018, ser eleito para um terceiro mandato e, quiçá, para um quarto, em 2022;
4_
Para muitos políticos, a queda de Dilma também é vista como uma forma de deter a Lava-Jato, megaoperação anticorrupção tocada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal sob a batuta do juiz federal Sérgio Moro. Com raríssimas exceções, todo o espectro político está contaminado pela corrupção. A Lava-Jato tem indícios e provas contra integrantes do PT, PMDB, PP, PSDB, DEM, PTB, PSB, PSDC, SD, entre outros partidos. “Tem de mudar o governo para estancar essa sangria”, diz Romero Jucá, cacique do PMDB, em conversa gravada pelo colega Sérgio Machado;
5_
Um dos que esperam ser salvos com a queda de Dilma é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PDMB), acusado de receber dezenas de milhões de dólares em propinas pagas no exterior. Cunha adere ao movimento golpista;
Brasília- DF 04-11-2015 Foto Lula Marques/Agência PT Presidente Eduardo Cunha recebe um pacote de Dollar no rosto, durante entrevista a imprensa no salão verde.
Brasília, 4 de novembro de 2015 — Presidente Eduardo Cunha recebe um pacote de Dollar no rosto, durante entrevista a imprensa.
Foto: Lula Marques/Agência PT
6_
Vendo a chance de virar presidente, o vice-presidente Michel Temer se junta ao movimento golpista;
7_
A mídia faz uma campanha brutal contra o PT e, em especial, contra Lula e Dilma. O movimento é amplificado por grandes fatias do empresariado, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, por ministros do Tribunal de Contas da União, e pelos investigadores da Lava-Jato, que promovem uma onda de vazamentos seletivos para a imprensa. A Polícia Federal chega a grampear, sem autorização judicial, uma conversa entre Dilma e Lula. O juiz Moro recebe o grampo ilegal e, em vez de descartá-lo, vaza o áudio para a imprensa. Moro também torna públicas conversas telefônicas de Lula com seus advogados, que deveriam ser protegidas pela lei, e diálogos íntimos de familiares do ex-presidente que nada tinham a ver as investigações;
8_
O Supremo Tribunal Federal nada faz para conter o massacre de reputação promovido pelo MP e por Moro contra Dilma e Lula;
9_
Multidões saem às ruas contra Dilma, Lula e o PT. Ganham visibilidade os panelaços nas varandas de bairros de classe média e alta;
10_
A base política de Dilma derrete. A crise econômica se agrava. A oposição toca fogo no circo – Aécio e Eduardo Cunha à frente –, propondo pautas-bomba que amplificam a crise política e econômica;
11_
O impeachment avança sem que seja apontado um crime de responsabilidade contra Dilma. Por fim, na falta de coisa melhor, acusam-na de promover “pedaladas fiscais”, ou seja, manipular os números do orçamento.
12_
O impeachment passa na Câmara em um festival grotesco transmitido ao vivo. No microfone, deputados gritam “Eu digo SIMMMMMMMMMM” reverenciando a cidade natal, a família, Deus, torturadores e, sobretudo, o fim da corrupção. Alguns deles seriam presos logo depois ou denunciados por envolvimento por desvio de dinheiro público;
13_
O impeachment passa também no Senado. Vinte senadores a favor do afastamento da presidente (um quarto da Casa) estão citados na Lava-Jato ou são suspeitos de prática de caixa dois;
14_
Citado ele próprio na Lava-Jato por intermediar propina para o PMDB, Temer se torna presidente. Forma um ministério com outros sete mencionados em delações na Lava-Jato, entre eles, Romero Jucá, elevado à condição de ministro do Planejamento;
Presidente Michel Temer durante sua posse no Senado Federal.(Brasília - DF, 31/08/2016)Foto: Beto Barata/PR
Brasília, 31 de agosto de 2016 — Presidente Michel Temer durante sua posse no Senado Federal.
Foto: Beto Barata/PR
15_
Descoberto o grampo em que Jucá dizia “tem de mudar o governo para estancar essa sangria” [leia-se, parar a Lava-Jato], Temer o exonera. Mas logo depois o nomeia líder do governo no Congresso;
16_
Com Dilma fora do páreo e Lula, acuado, diminui drasticamente o ritmo de prisões e vazamentos na Lava-Jato;
17_
Aécio Neves tem forte presença no governo Temer e posa na mídia como moralizador. Raros são os que, na imprensa, cobram dele explicações pelo fato de ter sido citado em delação que aponta propina de 3% em uma das maiores obras de sua gestão no governo de Minas, a Cidade Administrativa (orçada em R$ 949 milhões, mas que consumiu R$ 1,26 bilhão);
O presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), juntamente com outros parlamentares, participam de reunião organizada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em discussão, a reforma política. Em destaque (E/D): senador Aécio Neves (PSDB-MG); senador Renan Calheiros (PMDB-AL); deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
Senador Aécio Neves (PSDB-MG), senador Renan Calheiros (PMDB-AL), deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ)
Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
18_
José Serra, outro prócer do PSDB que alimentou o movimento golpista, é alçado a ministro das Relações Exteriores. A imprensa divulga que Serra foi delatado na Lava-Jato; na eleição de 2010, ele teria recebido R$ 34,5 milhões, em valores corrigidos, no caixa dois. Parte do pagamento teria sido feita no exterior, segundo a denúncia. Rapidamente, a imprensa se esquece do caso. Serra continua ministro de Temer;
19_
Com o aval de Temer, o Congresso articula a anistia para políticos que receberam dinheiro no caixa dois para bancar campanhas eleitorais. A medida, que na prática legaliza propinas recebidas no passado, salvará muitos dos investigados na Lava-Jato;
20_
O Senado aprova uma nova rodada de repatriação de recursos mantidos ilegalmente no exterior. Mas dessa vez, diferentemente do que fora estabelecido no governo Dilma, libera a adesão de parentes de políticos – a medida é chamada de “emenda Cláudia Cruz”, referência à mulher de Eduardo Cunha que movimentava no exterior dinheiro sem declaração no Imposto de Renda e suspeito de ser fruto de propina;
21_
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Ministro Geddel Vieira Lima
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O ministro Geddel, oficial destacado do movimento golpista, tem um problema pessoal. Um apartamento que comprou na planta em Salvador está com o projeto comprometido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O Iphan aceita que o prédio tenha apenas 13 andares dos 30 originalmente projetados a fim de não causar impacto nos bens tombados da vizinhança. Os apartamentos medem entre 259m² e 450 m² e custam entre R$ 2,6 milhões e R$ 4,5 milhões. Caso a medida não seja revertida, Geddel ficará sem seu apartamento, localizado nos andares mais elevados. Geddel então pressiona o ministro da Cultura, Marcelo Calero, a forçar o Iphan a reverter a decisão. Calero resiste;
22_
O presidente Michel Temer também pressiona Calero. Em audiência no Palácio do Planalto, Temer insta o ministro a tirar o caso do Iphan, passando-o para a alçada da Advocacia-Geral da União, onde Geddel conta com uma decisão favorável;
23_
Revelada a armação do presidente, Aécio corre em seu socorro: “na minha avaliação, do PSDB, nem de longe esse episódio atinge o sr. presidente Michel Temer”;
24_
O governo Temer tem apenas seis meses;
25_
Não se ouve o batido de uma frigideira sequer;
26_
Ninguém está nas ruas. MBL (Movimento Brasil Livre), Vem Pra Rua e outros grupos do gênero, que trabalharam fortemente para dar vida ao projeto golpista, agora só trabalham para eleger seus integrantes para cadeiras no Legislativo ou para o Executivo;
27_
A crise econômica continua;
28_
A corrupção continua;
29_
A impunidade está em permanente processo de construção;
30_
Como dizia Lampedusa, “algo deve mudar para que tudo continue como está”.
domingo, 20 de novembro de 2016
O triângulo de ouro é deles: Trump, Temer e o Brasil desplugado
O triângulo de ouro é deles: Trump, Temer e o Brasil desplugado http://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2016/11/captura-de-tela-2016-11-19-axxs-20.05.03.png- Viomundo - O que você não vê na mídia
por Luiz Carlos Azenha
Todos nós, das gerações que nasceram nas décadas seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial, crescemos com a memória pesada dos horrores do conflito.
Sempre associamos guerra aos bombardeios convencionais, à conquista de território, aos combates de infantaria — ainda que hoje ela tenha se ampliado para incluir as batalhas no campo da informação, as operações psicológicas, o uso de drones e de outros métodos de ataque à distância, como os golpes suaves.
Foi a memória sobre os 50 milhões de mortos e o medo de uma hecatombe nuclear que resultou numa arquitetura de acomodação entre Estados Unidos e União Soviética, que organizaram a economia em suas respectivas esferas de influência sob os gritos de “imperialismo” dos países não alinhados.
A saída do Reino Unido da União Europeia e, especialmente a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos são marcadores do fim desta arquitetura, que se dá no momento em que o centro do mundo capitalista se desloca lentamente para a Ásia.
Nos anos 2000, um artigo publicado na revista dominical do New York Times apontou a influência da diplomacia brasileira na formulação da política de contenção dos Estados Unidos, através do multilateralismo.
Amarrar Washington em consensos internacionais seria a melhor forma de promover um pouso suave, diante da perspectiva de perda de poder relativo do grande império no mundo globalizado, dizia a doutrina — nunca publicamente enunciada.
Vem desde esta época a denúncia, em círculos da direita dos Estados Unidos, de um “governo mundial” talhado para conter o excepcionalismo dos que se consideram um farol na colina para a humanidade.
Isso ajuda a explicar a rejeição de Trump e de seus eleitores a acordos comerciais, tratados do clima, organismos internacionais como a OTAN e qualquer outra amarra que possa impedí-los de fazer o prometido: “Tornar a América grande, de novo”.
O programa de início de governo de Trump é razoavelmente simples: depois de derrotar o Isis, cortar os gastos militares no Afeganistão, no Iraque e na Síria e investir em infraestrutura para gerar empregos em casa.
Aqui, é necessário fazer uma digressão. Raramente um presidente dos Estados Unidos, ao assumir, dá uma pirueta de 180 graus em qualquer política. Washington não rasga dinheiro.
Muitas vezes o novo presidente apenas acelera ou desacelera formulações amadurecidas antes nas sedes das grandes corporações, no Pentágono, em think thanks e em outros centros de poder.
A decisão de reduzir a dependência dos Estados Unidos do petróleo do Oriente Médio, por exemplo, vem dos anos 70! É nessa perspectiva que se deve olhar para as decisões de Washington de criar um comando militar dos Estados Unidos para a África, apoiar o golpe contra Hugo Chávez na Venezuela e recriar a Quarta Frota para patrulhar o Atlântico, todas elas tomadas muito antes de Trump.
As fontes crescentes de petróleo para abastecer os Estados Unidos estão ou estarão em Angola, Nigéria, Venezuela, Brasil e golfo do México — uma rápida olhada no mapa do triângulo de ouro pode ser reveladora.
Porém, com Trump — para pânico dos que formularam o consenso internacional em torno do clima –, os Estados Unidos devem retomar a produção de energia a partir do carvão, explorar petróleo em áreas de conservação e manter o fracking.
Do ponto-de-vista estratégico, são instrumentos que Washington pode utilizar para manter baixo o preço internacional do petróleo, driblando o poder da OPEP num momento em que os Estados Unidos pretendem se distanciar do Oriente Médio.
É por isso que assessores de Trump tanto falam em mudança de regime no Irã.
Tudo indica que, concentrados em seus próprios problemas, os EUA vão terceirizar de vez sua política externa na região para Israel — e o Irã disputa hegemonia regional com Israel e Arábia Saudita.
A mudança de regime em Teerã não seria feita pelos métodos tradicionais, como se viu no Iraque, mas através da guerra de quarta geração, que já foi experimentada lá com o assassinato de cientistas e ataques cibernéticos à infraestrutura.
Neste quadro cresce a possibilidade, a médio prazo, de um ataque de Israel a instalações nucleares do Irã, com apoio tácito dos Estados Unidos, se o acordo internacional fechado pelo governo Obama, inspirado por ação do Brasil e da Turquia, for de fato engavetado.
O problema é convencer a Rússia e Vladimir Putin a aceitar isso, mas são muitas as “cenouras” que Trump teria a oferecer ao líder russo.
Uma, em particular, chama atenção: o desmanche do cerco à periferia da Rússia promovido no âmbito da OTAN para permitir a consolidação da União Europeia. Assessores de Trump já falam em retirada de tropas e mísseis.
Ao mesmo tempo, Trump quer que os europeus paguem mais pela proteção militar oferecida pelos Estados Unidos na arquitetura multilateral hoje vigente.
No contexto mais geral, uma aproximação com a Rússia faz todo o sentido para Trump: esmaga o fundamentalismo islâmico também visto como ameaça pelos russos, reduz a exigência da presença física de tropas dos Estados Unidos na Europa e no Oriente Médio e joga areia em estruturas multilaterais que Trump e os seus enxergam como constrangedoras ao poder unilateral dos Estados Unidos, da OTAN aos BRICs, do bloco econômico da União Europeia à própria OPEP — a Rússia, lembrem-se, é o posto de energia da Europa.
É neste sentido que Trump representa o desfazimento do mundo como o conhecemos. Embora isso nunca seja vocalizado, é razoavelmente óbvio que o poder relativo dos Estados Unidos cresce num mundo politicamente fragmentado — a segurança política e econômica de todos nós, diminui, especialmente sob um governo suicida como o de Michel Temer.
Como foi dito num recente debate do qual participei, a eleição do republicano acontece num momento trágico para nós, justamente depois do golpe que prepara o Brasil para ser plugado em 220 numa arquitetura internacional que, se não deixa completamente de existir, sofrerá fortes abalos.
Sumiram, de repente, com a tomada do Temer!
Com o aumento dos juros nos Estados Unidos, provocado pelos planos de investimento de Trump, o capital rumará crescentemente para a segurança das letras de Tesouro garantidas pelo Fed, ainda mais num quadro de turbulência política e econômica internacional.
Nosso grande ativo, o pré-sal, dificilmente recuperará a lucratividade projetada se os Estados Unidos ampliarem ao mesmo tempo sua própria produção de energia e as fontes de origem dela. A “conquista” da Venezuela, por isso, continua sendo a prioridade número um de Washington no continente.
Tudo indica que o Brasil fará com o pré-sal o que fez com o minério de ferro de Carajás: exploração relativamente rápida, para reforçar o caixa, sem considerações de longo prazo que reforcem a soberania brasileira via investimentos da Petrobras — pensando acima de tudo nos lucros dos acionistas, 50% dos quais são estrangeiros.
O desmanche da Petrobras a que assistimos agora, feito por dentro, é uma beleza para os grandes consumidores de petróleo e reforça a tese de que o impeachment não resultou de uma ação puramente nacional. Estados Unidos e China agradecem sempre que alguém deixa de se incomodar com a formação do preço internacional, ainda mais quando isso implica na redução relativa da soberania de um concorrente.
Enquanto Trump fará o pivot que realmente interessa aos EUA, o da contenção da China na Ásia, na trilha já aberta por Barack Obama, Temer e seu sucessor vão se tornar eminentemente administradores do aluguel de terras e mão-de-obra, exportadores de água e sol embutidos em produtos primários, papel que crescentemente caberá ao Brasil neste quadro de capitalismo atomizado e suicídio econômico coletivo dos brasileiros.
por Luiz Carlos Azenha
Todos nós, das gerações que nasceram nas décadas seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial, crescemos com a memória pesada dos horrores do conflito.
Sempre associamos guerra aos bombardeios convencionais, à conquista de território, aos combates de infantaria — ainda que hoje ela tenha se ampliado para incluir as batalhas no campo da informação, as operações psicológicas, o uso de drones e de outros métodos de ataque à distância, como os golpes suaves.
Foi a memória sobre os 50 milhões de mortos e o medo de uma hecatombe nuclear que resultou numa arquitetura de acomodação entre Estados Unidos e União Soviética, que organizaram a economia em suas respectivas esferas de influência sob os gritos de “imperialismo” dos países não alinhados.
A saída do Reino Unido da União Europeia e, especialmente a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos são marcadores do fim desta arquitetura, que se dá no momento em que o centro do mundo capitalista se desloca lentamente para a Ásia.
Nos anos 2000, um artigo publicado na revista dominical do New York Times apontou a influência da diplomacia brasileira na formulação da política de contenção dos Estados Unidos, através do multilateralismo.
Amarrar Washington em consensos internacionais seria a melhor forma de promover um pouso suave, diante da perspectiva de perda de poder relativo do grande império no mundo globalizado, dizia a doutrina — nunca publicamente enunciada.
Vem desde esta época a denúncia, em círculos da direita dos Estados Unidos, de um “governo mundial” talhado para conter o excepcionalismo dos que se consideram um farol na colina para a humanidade.
Isso ajuda a explicar a rejeição de Trump e de seus eleitores a acordos comerciais, tratados do clima, organismos internacionais como a OTAN e qualquer outra amarra que possa impedí-los de fazer o prometido: “Tornar a América grande, de novo”.
O programa de início de governo de Trump é razoavelmente simples: depois de derrotar o Isis, cortar os gastos militares no Afeganistão, no Iraque e na Síria e investir em infraestrutura para gerar empregos em casa.
Aqui, é necessário fazer uma digressão. Raramente um presidente dos Estados Unidos, ao assumir, dá uma pirueta de 180 graus em qualquer política. Washington não rasga dinheiro.
Muitas vezes o novo presidente apenas acelera ou desacelera formulações amadurecidas antes nas sedes das grandes corporações, no Pentágono, em think thanks e em outros centros de poder.
A decisão de reduzir a dependência dos Estados Unidos do petróleo do Oriente Médio, por exemplo, vem dos anos 70! É nessa perspectiva que se deve olhar para as decisões de Washington de criar um comando militar dos Estados Unidos para a África, apoiar o golpe contra Hugo Chávez na Venezuela e recriar a Quarta Frota para patrulhar o Atlântico, todas elas tomadas muito antes de Trump.
As fontes crescentes de petróleo para abastecer os Estados Unidos estão ou estarão em Angola, Nigéria, Venezuela, Brasil e golfo do México — uma rápida olhada no mapa do triângulo de ouro pode ser reveladora.
Porém, com Trump — para pânico dos que formularam o consenso internacional em torno do clima –, os Estados Unidos devem retomar a produção de energia a partir do carvão, explorar petróleo em áreas de conservação e manter o fracking.
Do ponto-de-vista estratégico, são instrumentos que Washington pode utilizar para manter baixo o preço internacional do petróleo, driblando o poder da OPEP num momento em que os Estados Unidos pretendem se distanciar do Oriente Médio.
É por isso que assessores de Trump tanto falam em mudança de regime no Irã.
Tudo indica que, concentrados em seus próprios problemas, os EUA vão terceirizar de vez sua política externa na região para Israel — e o Irã disputa hegemonia regional com Israel e Arábia Saudita.
A mudança de regime em Teerã não seria feita pelos métodos tradicionais, como se viu no Iraque, mas através da guerra de quarta geração, que já foi experimentada lá com o assassinato de cientistas e ataques cibernéticos à infraestrutura.
Neste quadro cresce a possibilidade, a médio prazo, de um ataque de Israel a instalações nucleares do Irã, com apoio tácito dos Estados Unidos, se o acordo internacional fechado pelo governo Obama, inspirado por ação do Brasil e da Turquia, for de fato engavetado.
O problema é convencer a Rússia e Vladimir Putin a aceitar isso, mas são muitas as “cenouras” que Trump teria a oferecer ao líder russo.
Uma, em particular, chama atenção: o desmanche do cerco à periferia da Rússia promovido no âmbito da OTAN para permitir a consolidação da União Europeia. Assessores de Trump já falam em retirada de tropas e mísseis.
Ao mesmo tempo, Trump quer que os europeus paguem mais pela proteção militar oferecida pelos Estados Unidos na arquitetura multilateral hoje vigente.
No contexto mais geral, uma aproximação com a Rússia faz todo o sentido para Trump: esmaga o fundamentalismo islâmico também visto como ameaça pelos russos, reduz a exigência da presença física de tropas dos Estados Unidos na Europa e no Oriente Médio e joga areia em estruturas multilaterais que Trump e os seus enxergam como constrangedoras ao poder unilateral dos Estados Unidos, da OTAN aos BRICs, do bloco econômico da União Europeia à própria OPEP — a Rússia, lembrem-se, é o posto de energia da Europa.
É neste sentido que Trump representa o desfazimento do mundo como o conhecemos. Embora isso nunca seja vocalizado, é razoavelmente óbvio que o poder relativo dos Estados Unidos cresce num mundo politicamente fragmentado — a segurança política e econômica de todos nós, diminui, especialmente sob um governo suicida como o de Michel Temer.
Como foi dito num recente debate do qual participei, a eleição do republicano acontece num momento trágico para nós, justamente depois do golpe que prepara o Brasil para ser plugado em 220 numa arquitetura internacional que, se não deixa completamente de existir, sofrerá fortes abalos.
Sumiram, de repente, com a tomada do Temer!
Com o aumento dos juros nos Estados Unidos, provocado pelos planos de investimento de Trump, o capital rumará crescentemente para a segurança das letras de Tesouro garantidas pelo Fed, ainda mais num quadro de turbulência política e econômica internacional.
Nosso grande ativo, o pré-sal, dificilmente recuperará a lucratividade projetada se os Estados Unidos ampliarem ao mesmo tempo sua própria produção de energia e as fontes de origem dela. A “conquista” da Venezuela, por isso, continua sendo a prioridade número um de Washington no continente.
Tudo indica que o Brasil fará com o pré-sal o que fez com o minério de ferro de Carajás: exploração relativamente rápida, para reforçar o caixa, sem considerações de longo prazo que reforcem a soberania brasileira via investimentos da Petrobras — pensando acima de tudo nos lucros dos acionistas, 50% dos quais são estrangeiros.
O desmanche da Petrobras a que assistimos agora, feito por dentro, é uma beleza para os grandes consumidores de petróleo e reforça a tese de que o impeachment não resultou de uma ação puramente nacional. Estados Unidos e China agradecem sempre que alguém deixa de se incomodar com a formação do preço internacional, ainda mais quando isso implica na redução relativa da soberania de um concorrente.
Enquanto Trump fará o pivot que realmente interessa aos EUA, o da contenção da China na Ásia, na trilha já aberta por Barack Obama, Temer e seu sucessor vão se tornar eminentemente administradores do aluguel de terras e mão-de-obra, exportadores de água e sol embutidos em produtos primários, papel que crescentemente caberá ao Brasil neste quadro de capitalismo atomizado e suicídio econômico coletivo dos brasileiros.
O Xadrez da guerra mundial entre os poderes
O Xadrez da guerra mundial entre os poderes
O Xadrez da guerra mundial entre os poderes
Luis Nassif
O Rio de Janeiro é o Brasil amanha, com a combinação de três ingredientes explosivos.
O cenário principal
Este será o cenário social e político daqui para a frente, que servirá de pano de fundo para várias disputas políticas.
· A crise fiscal, obrigando o governo a impor sacrifícios.
· Os sacrifícios recaindo sobre os mais fracos e poupando os grandes marajás dos setores político, público e Jurídico.
· Denúncias que continuarão a fluir da Lava Jato.
· Uma política econômica que, para desconstruir a Constituição de 1988, não vacilará em aprofundar a crise, através dos instrumentos fiscais e monetários.
Cria-se uma situação de absoluta instabilidade, da qual agentes oportunistas tentarão se valer de uma forma ou outra. O que está acontecendo no Rio de hoje – revoltas populares contra os cortes fiscais, políticos presos, para acentuar mais ainda a demonização da política, é um retrato do processo que entrará em marcha por todo país.
Os campos de disputa
As disputas estão ocorrendo nos seguintes ambientes...
1. Opinião publicada.
2. Congresso.
3. Justiça
4. Ministério Público Federal.
5. Polícia Federal.
6. Ruas.
... tendo como personagens centrais:
1. A Rede Globo, seguida pelas empresas jornalísticas menores.
2. O PSDB.
3. A camarilha de Temer, tendo como liderança mais expressiva o senador Romero Jucá.
4. Senador Renan Calheiros, principal liderança política no Senado.
5. A presidente do STF/CNJ Carmen Lúcia, subordinada ao Ministro Gilmar Mendes.
6. O Procurador Geral da República Rodrigo Janot.
7. O PT e as oposições em geral.
Em qualquer hipótese, a falta de qualquer projeto da parte dos vencedores em breve os obrigará a ampliar a quebra dos direitos constitucionais.
Jogada 1 – o PSDB avançando no Judiciário
Há a uma aliança clara envolvendo o PSDB-Globo-STF-PGR. E um conjunto de circunstâncias que irá definir se, nos próximos meses, avançará o golpe no golpe.
Vamos por partes.
Hoje em dia, o PSDB praticamente tem o controle do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), através da Ministra Carmen Lúcia (sob a liderança de Gilmar Mendes) e da Lava Jato e da PGR (Procuradoria Geral da República), através de Rodrigo Janot. E domina também a Polícia Federal.
Carmen e o STF
No STF, a presidente Carmen Lúcia não disfarça mais seu alinhamento político: está totalmente subordinada ao Ministro Gilmar Mendes e alinhada com a articulação do PSDB-mídia.
Hoje em dia, a maior vergonha no Supremo são os pedidos de vista, que paralisaram 216 processos (http://migre.me/vwsvT). Especialmente os pedidos de vista reiterados de Gilmar Mendes atentam contra o decoro da casa.
Na quarta-feira, quando o Ministro Ricardo Lewandowski acertadamente protestou contra a manobra de Gilmar Mendes – que pediu vista de um processo após ter votado e se dado conta de que perderia a votação – Carmen Lúcia conseguiu superar a devoção de Dias Toffoli, ao dar razão a Gilmar.
No CNJ, compôs um conselho que está blindando os aliados. Na primeira sessão, houve um acordão, envolvendo o corregedor do órgão, Ministro João Otávio de Noronha – estreitamente ligado a Aécio Neves, assim como Carmen -, que livrou de um Processo Administrativo Disciplinar Luiz Zveiter – polêmico desembargador carioca, ligadíssimo à Globo, presidente do TRE (Tribunal Regional Eleitoral).
Segundo nota do CNJ de 6 de dezembro de 2011 (http://migre.me/vwnZX), “na época, presidente do Tribunal de Justiça do Rio – teria fornecido informações, favorecendo assim a incorporadora (Cyrella), quando da análise do caso pela corte fluminense. Em seu voto, a ministra Eliana Calmon destacou os vínculos entre a Cyrela e Zveiter. O escritório de advocacia da família do magistrado, por exemplo, é patrocinadora de várias causas da empresa”.
Segundo o voto do relator Fabiano Silveira (http://migre.me/vwo4O), “o requerido não possuía elementos suficientes para identificar eventuais interesses patrocinados pelo escritório de advocacia de seus familiares, pois tais dados não constavam do cabeçalho do processo”. Simples assim. Bastou para a maioria acompanha-lo.
Obviamente por coincidência, dias após Zveiter se livrar do CNJ, uma operação de guerra prendeu o ex-governador Anthony Garotinho – o político que mais enfrentou a Globo – por conta de inquéritos que caminharam no TRE do Rio, presidido por Zveiter. E a Globo exerceu a crueldade com toda a força, expondo um Garotinho coberto apenas com um lençol, sendo transportado pela polícia de um hospital para outro. Afinal, inimigo não é gente.
Na última sessão do CNJ (http://migre.me/vwoMt), Carmen Lúcia anunciou a composição do conselho consultivo do DPJ (Departamento de Pesquisas Judiciárias), com dois militantes políticos claramente vinculados ao PSDB, o ator Milton Gonçalves, que participou da campanha de Aécio Neves (http://migre.me/vwoKI) e a jornalista Mirian Leitão. Tanto no DPF como no próprio CNJ, Carmen tem matado qualquer veleidade de diversidade de pensamento, partidarizando ambas as instituições de uma forma inédita e aprofundando a ditadura da maioria.
Para todas suas reuniões, com presidentes de tribunais e autoridades de outras esferas, Carmen se faz acompanhar por Gilmar e por Yves Gandra Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, e membro ativo da Opus Dei.
Na Procuradoria Geral da República
Na entrevista em que mencionou que a Lava Jato “envergou a vara da corrupção sistêmica do país”, após garantir que “pau que bate em Chico bate também em Francisco”, Janot respondeu aos questionamentos sobre o fato de não haver nenhuma denúncia no Supremo contra o PSDB. A resposta foi que “as operações são complexas”, por isso demoram.
É o PGR quem define a fila e é evidente que seus aliados esperarão a perder de vista.
Tivesse um mínimo de isonomia, a esta altura pelo menos UM cacique do PSDB teria sido alvo de condução coercitiva.
Jogada 2 – a disputa Congresso x Lava Jato
Com o PSDB tendo fortes aliados no sistema jurisdicional, fica aguardando o desfecho das disputas entre o MPF e a Lava Jato contra o Senado, cuja resistência vem sendo liderada pelo presidente Renan Calheiros.
Não se tenha dúvida de que a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, foi a resposta da Lava Jato à resistência imposta pelo Congresso às tais Dez Medidas, assim como as ameaças de levantar os salários do Judiciário acima do teto constitucional.
Não que Cabral não merecesse. As festas de que participou em Paris são um clássico desses tempos de dissipação.
Mas a escolha do momento, o show completo, com policiais armados, cobertura integral da Globo, em um momento em que a Assembleia Legislativa planeja jogar a conta sobre os mais fracos, e o Senado endurece com o Judiciário, abre a garrafa completamente e deixa escapar o gênio da rebelião popular.
Daqui até a votação das Dez Medidas, o MPF vai manobrar politicamente a Lava Jato, como tem feito até agora. Ontem, o PGR Rodrigo Janot criou um imenso grupo de trabalho destinado a pressionar politicamente o Congresso. Perdeu-se totalmente o pudor e os limites de atuação dos poderes.
E o juiz Sérgio Moro tratou de politizar a prisão de Sérgio Cabral Filho, atribuindo à corrupção os problemas enfrentados hoje em dia pelo Rio de Janeiro.
Montaram em um barril de pólvora, com a criminalização final da classe política.
Jogada 3 – a mídia, de Napoleão a Temer
No Alvorada, a mídia produz a última entrevista da Ilha Fiscal, cujo retrato definitivo foi o vídeo-selfie de um jornalista embasbacado por se ver no centro do poder e saber que Michel Temer é personagem de carne e osso, e não um anti-herói da família Marvel. E toca a apertar o braço de Temer, fazendo a colunista, frequentadora dos insondáveis encontros no solar do jornalista Jorge Bastos Moreno, exibir um sorriso malicioso para sugerir os dotes de conquistador de Temer - que certamente não foram exercitados com o anfitrião, apesar da sua paixão pública pelo presidente conquistador.
Seguramente, um dos momentos mais degradantes da história da imprensa brasileira.
Na Tribuna da Bahia, antes desse episódio, Victor Hugo Soares sintetizou magistralmente o quadro atual da mídia no artigo “De Napoleão a Trump: a grande (e pequena) imprensa em xeque”( http://migre.me/vw8MR).
“Na grande (e pequena) mídia – nos Estados Unidos, na Europa e pelas bandas de cá do Atlântico Sul – parece se caracterizar um quadro semelhante ao de uma história clássica, deliciosa, mas implacável na crítica da imprensa europeia. Conto neste espaço, outra vez, antes do ponto final, para os de memória mais curta.
Quando Napoleão fugiu da ilha de Elba e desembarcou no Golfo Juan, o jornal mais importante da França escreveu em sua manchete principal:
“O bandido corso tenta voltar à França”.
Quando o bandido corso alcançou o meio do caminho para Paris, o mesmo periódico escrevia:
“O general Bonaparte continua a sua marcha rumo a Paris”.
Quando o general Bonaparte se encontrava a um dia de Paris, o jornal dizia:
“Napoleão segue a sua marcha triunfal”.
Quando Napoleão entrou na capital de seu império perdido, o periódico arrematou o processo de sua informação com esta manchete:
“Sua Majestade o Imperador entrou em Paris, sendo entusiasticamente recebido pelo povo”.
Não se sabe se alguém perguntou a Napoleão como ele conheceu Josefina. Mas como o artigo foi republicado no Blog do Noblat, dias antes da entrevista no Alvorada, ganhou um cunho premonitório.
Não é apenas a perda da noção de ridículo que caracteriza esses tempos bicudos, mas um esfacelamento total da República.
No caso da midia com Temer se trata de amor por interesse.
Do lado da Globo, há o exercício desmedido do poder, uma imprudência de quem não consegue enxergar o futuro – do mesmo modo que Rodrigo Janot, criando ameaças para o MPF que atravessarão gerações. Mas o que fazer? São meramente homens de seu tempo, pequenos poderosos, sem um pingo de perspectiva da história.
Do lado dos demais veículos, uma situação econômica que os levou a uma rendição humilhante ao lado mais corrupto da política. Tornaram-se os soldados do MInistro Eliseu Padilha.
Da mídia, não se espere nenhuma luz, nesse oceano de informações em curto-circuito que caracteriza o atual estágio da política e das instituições brasileiras.
E no mercado – que tem na mídia seu principal porta-voz – há uma insensibilidade geral. Estão lançando o país em uma crise econômica e política sem precedentes, da qual pode sair de tudo: até um governo autocrático que, mais à frente, imponha restrições severas a esse mercadismo de meia pataca.
Jogada 4 – os vencedores sem projeto
Praticaram um golpe de Estado sem a menor noção sobre as consequências futuras. Através da mídia, criaram um mundo imaginário, uma orquestração, cujo único ponto de convergência era a derrubada do governo e a eliminação do inimigo comum, o PT, e o único ponto de mobilização o exercício continuado do ódio. E, tal como vendedores de xaropes do Velho Oeste, venderam ilusões de que a queda de Dilma produziria crescimento, prosperidade, o fim do mal-estar geral.
Esse quadro se desenrola em um país institucional e politicamente desmontado, e com uma política fiscal-monetária que ampliará o desconforto geral.
Na malta que confunde a bandeira do Japão com a bandeira do Brasil comunista, há pequenos empresários destruídos pela crise, desempregados, funcionários públicos sem receber, alguns expondo justa indignação, e a massa de manobra de sempre, estimulando a radicalização, todos eles querendo um bode expiatório. E o bode que está sendo apresentado é o da democracia.
E agora?
Consumado o golpe, com o inimigo saindo de cena, há uma anarquia institucional inédita, uma subversão ampla, com disputas entre poderes.
Trata-se de um caso clássico de marcha da insensatez na qual o país se meteu.
Nos próximos meses, aumentará o mal-estar com a crise e com a falta de perspectivas de recuperação da economia. As brigas intestinas entre Legislativo e Judiciário comprometerão a ambas. A vergonhosa blindagem do MPF aos seus aliados tucanos ajudará a erodir a ideia de pureza da Lava Jato.
Bato três vezes na madeira, mas temo que os chamamentos às Forças Armadas não se restringirão a malucos querendo proibir a bandeira do Japão.
O Xadrez da guerra mundial entre os poderes
Luis Nassif
O Rio de Janeiro é o Brasil amanha, com a combinação de três ingredientes explosivos.
O cenário principal
Este será o cenário social e político daqui para a frente, que servirá de pano de fundo para várias disputas políticas.
· A crise fiscal, obrigando o governo a impor sacrifícios.
· Os sacrifícios recaindo sobre os mais fracos e poupando os grandes marajás dos setores político, público e Jurídico.
· Denúncias que continuarão a fluir da Lava Jato.
· Uma política econômica que, para desconstruir a Constituição de 1988, não vacilará em aprofundar a crise, através dos instrumentos fiscais e monetários.
Cria-se uma situação de absoluta instabilidade, da qual agentes oportunistas tentarão se valer de uma forma ou outra. O que está acontecendo no Rio de hoje – revoltas populares contra os cortes fiscais, políticos presos, para acentuar mais ainda a demonização da política, é um retrato do processo que entrará em marcha por todo país.
Os campos de disputa
As disputas estão ocorrendo nos seguintes ambientes...
1. Opinião publicada.
2. Congresso.
3. Justiça
4. Ministério Público Federal.
5. Polícia Federal.
6. Ruas.
... tendo como personagens centrais:
1. A Rede Globo, seguida pelas empresas jornalísticas menores.
2. O PSDB.
3. A camarilha de Temer, tendo como liderança mais expressiva o senador Romero Jucá.
4. Senador Renan Calheiros, principal liderança política no Senado.
5. A presidente do STF/CNJ Carmen Lúcia, subordinada ao Ministro Gilmar Mendes.
6. O Procurador Geral da República Rodrigo Janot.
7. O PT e as oposições em geral.
Em qualquer hipótese, a falta de qualquer projeto da parte dos vencedores em breve os obrigará a ampliar a quebra dos direitos constitucionais.
Jogada 1 – o PSDB avançando no Judiciário
Há a uma aliança clara envolvendo o PSDB-Globo-STF-PGR. E um conjunto de circunstâncias que irá definir se, nos próximos meses, avançará o golpe no golpe.
Vamos por partes.
Hoje em dia, o PSDB praticamente tem o controle do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), através da Ministra Carmen Lúcia (sob a liderança de Gilmar Mendes) e da Lava Jato e da PGR (Procuradoria Geral da República), através de Rodrigo Janot. E domina também a Polícia Federal.
Carmen e o STF
No STF, a presidente Carmen Lúcia não disfarça mais seu alinhamento político: está totalmente subordinada ao Ministro Gilmar Mendes e alinhada com a articulação do PSDB-mídia.
Hoje em dia, a maior vergonha no Supremo são os pedidos de vista, que paralisaram 216 processos (http://migre.me/vwsvT). Especialmente os pedidos de vista reiterados de Gilmar Mendes atentam contra o decoro da casa.
Na quarta-feira, quando o Ministro Ricardo Lewandowski acertadamente protestou contra a manobra de Gilmar Mendes – que pediu vista de um processo após ter votado e se dado conta de que perderia a votação – Carmen Lúcia conseguiu superar a devoção de Dias Toffoli, ao dar razão a Gilmar.
No CNJ, compôs um conselho que está blindando os aliados. Na primeira sessão, houve um acordão, envolvendo o corregedor do órgão, Ministro João Otávio de Noronha – estreitamente ligado a Aécio Neves, assim como Carmen -, que livrou de um Processo Administrativo Disciplinar Luiz Zveiter – polêmico desembargador carioca, ligadíssimo à Globo, presidente do TRE (Tribunal Regional Eleitoral).
Segundo nota do CNJ de 6 de dezembro de 2011 (http://migre.me/vwnZX), “na época, presidente do Tribunal de Justiça do Rio – teria fornecido informações, favorecendo assim a incorporadora (Cyrella), quando da análise do caso pela corte fluminense. Em seu voto, a ministra Eliana Calmon destacou os vínculos entre a Cyrela e Zveiter. O escritório de advocacia da família do magistrado, por exemplo, é patrocinadora de várias causas da empresa”.
Segundo o voto do relator Fabiano Silveira (http://migre.me/vwo4O), “o requerido não possuía elementos suficientes para identificar eventuais interesses patrocinados pelo escritório de advocacia de seus familiares, pois tais dados não constavam do cabeçalho do processo”. Simples assim. Bastou para a maioria acompanha-lo.
Obviamente por coincidência, dias após Zveiter se livrar do CNJ, uma operação de guerra prendeu o ex-governador Anthony Garotinho – o político que mais enfrentou a Globo – por conta de inquéritos que caminharam no TRE do Rio, presidido por Zveiter. E a Globo exerceu a crueldade com toda a força, expondo um Garotinho coberto apenas com um lençol, sendo transportado pela polícia de um hospital para outro. Afinal, inimigo não é gente.
Na última sessão do CNJ (http://migre.me/vwoMt), Carmen Lúcia anunciou a composição do conselho consultivo do DPJ (Departamento de Pesquisas Judiciárias), com dois militantes políticos claramente vinculados ao PSDB, o ator Milton Gonçalves, que participou da campanha de Aécio Neves (http://migre.me/vwoKI) e a jornalista Mirian Leitão. Tanto no DPF como no próprio CNJ, Carmen tem matado qualquer veleidade de diversidade de pensamento, partidarizando ambas as instituições de uma forma inédita e aprofundando a ditadura da maioria.
Para todas suas reuniões, com presidentes de tribunais e autoridades de outras esferas, Carmen se faz acompanhar por Gilmar e por Yves Gandra Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, e membro ativo da Opus Dei.
Na Procuradoria Geral da República
Na entrevista em que mencionou que a Lava Jato “envergou a vara da corrupção sistêmica do país”, após garantir que “pau que bate em Chico bate também em Francisco”, Janot respondeu aos questionamentos sobre o fato de não haver nenhuma denúncia no Supremo contra o PSDB. A resposta foi que “as operações são complexas”, por isso demoram.
É o PGR quem define a fila e é evidente que seus aliados esperarão a perder de vista.
Tivesse um mínimo de isonomia, a esta altura pelo menos UM cacique do PSDB teria sido alvo de condução coercitiva.
Jogada 2 – a disputa Congresso x Lava Jato
Com o PSDB tendo fortes aliados no sistema jurisdicional, fica aguardando o desfecho das disputas entre o MPF e a Lava Jato contra o Senado, cuja resistência vem sendo liderada pelo presidente Renan Calheiros.
Não se tenha dúvida de que a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, foi a resposta da Lava Jato à resistência imposta pelo Congresso às tais Dez Medidas, assim como as ameaças de levantar os salários do Judiciário acima do teto constitucional.
Não que Cabral não merecesse. As festas de que participou em Paris são um clássico desses tempos de dissipação.
Mas a escolha do momento, o show completo, com policiais armados, cobertura integral da Globo, em um momento em que a Assembleia Legislativa planeja jogar a conta sobre os mais fracos, e o Senado endurece com o Judiciário, abre a garrafa completamente e deixa escapar o gênio da rebelião popular.
Daqui até a votação das Dez Medidas, o MPF vai manobrar politicamente a Lava Jato, como tem feito até agora. Ontem, o PGR Rodrigo Janot criou um imenso grupo de trabalho destinado a pressionar politicamente o Congresso. Perdeu-se totalmente o pudor e os limites de atuação dos poderes.
E o juiz Sérgio Moro tratou de politizar a prisão de Sérgio Cabral Filho, atribuindo à corrupção os problemas enfrentados hoje em dia pelo Rio de Janeiro.
Montaram em um barril de pólvora, com a criminalização final da classe política.
Jogada 3 – a mídia, de Napoleão a Temer
No Alvorada, a mídia produz a última entrevista da Ilha Fiscal, cujo retrato definitivo foi o vídeo-selfie de um jornalista embasbacado por se ver no centro do poder e saber que Michel Temer é personagem de carne e osso, e não um anti-herói da família Marvel. E toca a apertar o braço de Temer, fazendo a colunista, frequentadora dos insondáveis encontros no solar do jornalista Jorge Bastos Moreno, exibir um sorriso malicioso para sugerir os dotes de conquistador de Temer - que certamente não foram exercitados com o anfitrião, apesar da sua paixão pública pelo presidente conquistador.
Seguramente, um dos momentos mais degradantes da história da imprensa brasileira.
Na Tribuna da Bahia, antes desse episódio, Victor Hugo Soares sintetizou magistralmente o quadro atual da mídia no artigo “De Napoleão a Trump: a grande (e pequena) imprensa em xeque”( http://migre.me/vw8MR).
“Na grande (e pequena) mídia – nos Estados Unidos, na Europa e pelas bandas de cá do Atlântico Sul – parece se caracterizar um quadro semelhante ao de uma história clássica, deliciosa, mas implacável na crítica da imprensa europeia. Conto neste espaço, outra vez, antes do ponto final, para os de memória mais curta.
Quando Napoleão fugiu da ilha de Elba e desembarcou no Golfo Juan, o jornal mais importante da França escreveu em sua manchete principal:
“O bandido corso tenta voltar à França”.
Quando o bandido corso alcançou o meio do caminho para Paris, o mesmo periódico escrevia:
“O general Bonaparte continua a sua marcha rumo a Paris”.
Quando o general Bonaparte se encontrava a um dia de Paris, o jornal dizia:
“Napoleão segue a sua marcha triunfal”.
Quando Napoleão entrou na capital de seu império perdido, o periódico arrematou o processo de sua informação com esta manchete:
“Sua Majestade o Imperador entrou em Paris, sendo entusiasticamente recebido pelo povo”.
Não se sabe se alguém perguntou a Napoleão como ele conheceu Josefina. Mas como o artigo foi republicado no Blog do Noblat, dias antes da entrevista no Alvorada, ganhou um cunho premonitório.
Não é apenas a perda da noção de ridículo que caracteriza esses tempos bicudos, mas um esfacelamento total da República.
No caso da midia com Temer se trata de amor por interesse.
Do lado da Globo, há o exercício desmedido do poder, uma imprudência de quem não consegue enxergar o futuro – do mesmo modo que Rodrigo Janot, criando ameaças para o MPF que atravessarão gerações. Mas o que fazer? São meramente homens de seu tempo, pequenos poderosos, sem um pingo de perspectiva da história.
Do lado dos demais veículos, uma situação econômica que os levou a uma rendição humilhante ao lado mais corrupto da política. Tornaram-se os soldados do MInistro Eliseu Padilha.
Da mídia, não se espere nenhuma luz, nesse oceano de informações em curto-circuito que caracteriza o atual estágio da política e das instituições brasileiras.
E no mercado – que tem na mídia seu principal porta-voz – há uma insensibilidade geral. Estão lançando o país em uma crise econômica e política sem precedentes, da qual pode sair de tudo: até um governo autocrático que, mais à frente, imponha restrições severas a esse mercadismo de meia pataca.
Jogada 4 – os vencedores sem projeto
Praticaram um golpe de Estado sem a menor noção sobre as consequências futuras. Através da mídia, criaram um mundo imaginário, uma orquestração, cujo único ponto de convergência era a derrubada do governo e a eliminação do inimigo comum, o PT, e o único ponto de mobilização o exercício continuado do ódio. E, tal como vendedores de xaropes do Velho Oeste, venderam ilusões de que a queda de Dilma produziria crescimento, prosperidade, o fim do mal-estar geral.
Esse quadro se desenrola em um país institucional e politicamente desmontado, e com uma política fiscal-monetária que ampliará o desconforto geral.
Na malta que confunde a bandeira do Japão com a bandeira do Brasil comunista, há pequenos empresários destruídos pela crise, desempregados, funcionários públicos sem receber, alguns expondo justa indignação, e a massa de manobra de sempre, estimulando a radicalização, todos eles querendo um bode expiatório. E o bode que está sendo apresentado é o da democracia.
E agora?
Consumado o golpe, com o inimigo saindo de cena, há uma anarquia institucional inédita, uma subversão ampla, com disputas entre poderes.
Trata-se de um caso clássico de marcha da insensatez na qual o país se meteu.
Nos próximos meses, aumentará o mal-estar com a crise e com a falta de perspectivas de recuperação da economia. As brigas intestinas entre Legislativo e Judiciário comprometerão a ambas. A vergonhosa blindagem do MPF aos seus aliados tucanos ajudará a erodir a ideia de pureza da Lava Jato.
Bato três vezes na madeira, mas temo que os chamamentos às Forças Armadas não se restringirão a malucos querendo proibir a bandeira do Japão.
Vigilância contra a anistia é bom pretexto para o Batalhão Janot
Vigilância contra a anistia é bom pretexto para o Batalhão Janot - 20/11/2016 - Janio de Freitas - Colunistas - Folha de S.Paulo
O risco, aqui mencionado há uma semana, de que às crises política e econômica se junte a crise institucional, não existe mais. O risco passou a ser fato consumado. O uso de uma portaria, pelo procurador-geral Rodrigo Janot, para criar uma força-tarefa de ação no Congresso, torna oficial o que era apenas informal: o embate entre parlamentares e procuradores federais desejosos de decisões que os privilegiem, em meio a medidas anticorrupção e contra a anistia ao dinheiro "por fora" nas eleições.
O Congresso não precisou dar resposta direta à investida da Procuradoria-Geral da República. A boa acolhida, na Câmara, ao projeto contra abuso de autoridade, que os chefiados de Janot significativamente não aceitam, já valeria como resposta. Há mais, porém. É o início de um movimento de deputados em reação à retirada, no relatório de Onyx Lorenzoni, do artigo que prevê crime de responsabilidade para procuradores e juízes, como existe para ministros do Supremo e procurador-geral. O deputado gaúcho curvou-se à pressão levada ao Congresso pelo procurador Deltan Dallagnol, alegando para a sujeição um "consenso" (Folha, 18.nov) inexistente na Câmara.
A anistia ao "caixa dois" é, sim, desejada por muitos no Congresso. O "por fora", afinal de contas, é regra na prática eleitoral, também com a finalidade menos confessável de enriquecimento tão ilícito quanto fácil. A pretensão de impedi-la com confronto institucional corresponde à inclinação para a direita e o autoritarismo, cujas evidências chegam ao cúmulo de propor a aceitação de provas ilícitas –como consta das dez medidas que os procuradores apresentaram e querem aprovadas no Congresso. Mesmo um jurista conservador como Ives Gandra Martins diz dessa pretensão da Lava Jato: "Provas ilícitas tornam quem as obteve também um criminoso" (Folha, 16.nov).
A vigilância contra a anistia é um bom pretexto para a portaria do Batalhão Janot, mas o que nela parece secundário é de fato o principal: a pressão pelas dez medidas. E o troféu não é só esse. Os procuradores querem ainda o fim do chamado foro privilegiado, sobretudo para congressistas e exceto apenas para os cargos mais elevados nos Três Poderes. A explicação, claro, refere-se ao funcionamento e ritmo dos tribunais superiores. Em particular, o Supremo e seus armazéns de processos encalhados, onde se acasalam foro privilegiado e impunidade.
O que, no caso, move a Lava Jato não é o fim do foro privilegiado em si. É a passagem dos processos de políticos para a primeira instância, ao alcance de promotores e procuradores para lhes dar tratamento ao seu gosto. Há, no entanto, um equívoco dominante nas discussões sobre foro, lerdeza judicial e Supremo. A começar de que o problema de tempo não decorre do foro privilegiado: é do próprio Supremo, como demonstram os milhares de processos que lá dormitam sem incluírem políticos.
Além disso, réus do "mensalão do PT", por exemplo, foram julgados e condenados no Supremo. Figura central no "mensalão do PSDB", anterior ao outro e seu inspirador, Eduardo Azeredo renunciou ao Senado quando seria julgado pelo Supremo. Com isso, levou seu processo para a tramitação comum. Condenado a 20 anos em dezembro de 2015, ainda não acha que condenação leve a prisão. O verdadeiro privilégio de foro não é exclusividade do Supremo. Campanha para tirá-lo daí é só uma ilusão de represália.
Sem deixar de ser outra manifestação de desejo de supremacia, também acentuado pelo privilégio de usar provas ilícitas, estar imune a processo por crime de responsabilidade e sentir-se livre para abusos de autoridade.
O risco, aqui mencionado há uma semana, de que às crises política e econômica se junte a crise institucional, não existe mais. O risco passou a ser fato consumado. O uso de uma portaria, pelo procurador-geral Rodrigo Janot, para criar uma força-tarefa de ação no Congresso, torna oficial o que era apenas informal: o embate entre parlamentares e procuradores federais desejosos de decisões que os privilegiem, em meio a medidas anticorrupção e contra a anistia ao dinheiro "por fora" nas eleições.
O Congresso não precisou dar resposta direta à investida da Procuradoria-Geral da República. A boa acolhida, na Câmara, ao projeto contra abuso de autoridade, que os chefiados de Janot significativamente não aceitam, já valeria como resposta. Há mais, porém. É o início de um movimento de deputados em reação à retirada, no relatório de Onyx Lorenzoni, do artigo que prevê crime de responsabilidade para procuradores e juízes, como existe para ministros do Supremo e procurador-geral. O deputado gaúcho curvou-se à pressão levada ao Congresso pelo procurador Deltan Dallagnol, alegando para a sujeição um "consenso" (Folha, 18.nov) inexistente na Câmara.
A anistia ao "caixa dois" é, sim, desejada por muitos no Congresso. O "por fora", afinal de contas, é regra na prática eleitoral, também com a finalidade menos confessável de enriquecimento tão ilícito quanto fácil. A pretensão de impedi-la com confronto institucional corresponde à inclinação para a direita e o autoritarismo, cujas evidências chegam ao cúmulo de propor a aceitação de provas ilícitas –como consta das dez medidas que os procuradores apresentaram e querem aprovadas no Congresso. Mesmo um jurista conservador como Ives Gandra Martins diz dessa pretensão da Lava Jato: "Provas ilícitas tornam quem as obteve também um criminoso" (Folha, 16.nov).
A vigilância contra a anistia é um bom pretexto para a portaria do Batalhão Janot, mas o que nela parece secundário é de fato o principal: a pressão pelas dez medidas. E o troféu não é só esse. Os procuradores querem ainda o fim do chamado foro privilegiado, sobretudo para congressistas e exceto apenas para os cargos mais elevados nos Três Poderes. A explicação, claro, refere-se ao funcionamento e ritmo dos tribunais superiores. Em particular, o Supremo e seus armazéns de processos encalhados, onde se acasalam foro privilegiado e impunidade.
O que, no caso, move a Lava Jato não é o fim do foro privilegiado em si. É a passagem dos processos de políticos para a primeira instância, ao alcance de promotores e procuradores para lhes dar tratamento ao seu gosto. Há, no entanto, um equívoco dominante nas discussões sobre foro, lerdeza judicial e Supremo. A começar de que o problema de tempo não decorre do foro privilegiado: é do próprio Supremo, como demonstram os milhares de processos que lá dormitam sem incluírem políticos.
Além disso, réus do "mensalão do PT", por exemplo, foram julgados e condenados no Supremo. Figura central no "mensalão do PSDB", anterior ao outro e seu inspirador, Eduardo Azeredo renunciou ao Senado quando seria julgado pelo Supremo. Com isso, levou seu processo para a tramitação comum. Condenado a 20 anos em dezembro de 2015, ainda não acha que condenação leve a prisão. O verdadeiro privilégio de foro não é exclusividade do Supremo. Campanha para tirá-lo daí é só uma ilusão de represália.
Sem deixar de ser outra manifestação de desejo de supremacia, também acentuado pelo privilégio de usar provas ilícitas, estar imune a processo por crime de responsabilidade e sentir-se livre para abusos de autoridade.
sábado, 19 de novembro de 2016
Para Chomsky, republicanos são os mais perigosos da história dos EUA - Carta Maior
Para Chomsky, republicanos são os mais perigosos da história dos EUA - Carta Maior
Para Chomsky, republicanos são os mais perigosos da história dos EUA
O Partido Republicano se tornou a organização mais perigosa da história por sua negação da crise climática e por sua postura com relação às armas nucleares
Do diário La Jornada, do México
“O Partido Republicano se tornou a organização mais perigosa da história da humanidade, por sua negação da crise climática e por sua postura com relação às armas nucleares”. A afirmação é do filósofo e linguista estadunidense Noam Chomsky.
Em entrevista publicada esta semana pela revista digital TruthOut, Chomsky recordou que o leito do último 8 de novembro nos Estados Unidos não produziram somente um novo presidente eleito (Donald Trump) como também uma redefinição do Congresso e da Suprema Corte.
“O resultado entrega o controle total do governo, do Executivo, do Congresso e da Suprema Corte nas mãos do Partido Republicano, que é se tornou a organização mais perigosa da história da humanidade”, comentou o linguista e crítico social.
Chomsky precisou que esse partido está dedicado a “apressar o mais rapidamente possível a destruição da vida humana organizada. Não há precedente histórico para essa posição”.
O acadêmico recordou que Trump defende que o país aumente rapidamente seu consumo de combustíveis fósseis, incluindo o carvão, além de desmantelar as regulações ambientais e retirar a ajuda a países em desenvolvimento que trabalhem na criação de energia sustentável.
Como candidato, Trump expressou que a crise climática era “uma fraude” criado pela China, e prometeu, em diversos foros, reativar a indústria do carvão nos Estados Unidos.
Neste sentido, Chomsky assegurou que Trump já está tomando os passos necessários para acabar com a Agência de Proteção Ambiental (EPA), ao adiantar que seu diretor será Myron Ebell, um “notório e orgulhoso” negador das mudanças climáticas.
Em outro âmbito, o principal assessor de Trump para temas energéticos é o multimilionário Harold Hamm, que anunciou suas expectativas de que o novo governo elimine regulações e implemente cortes tributários para o setor energético, que reavivem a produção de hidrocarburetos.
Por isso, Chomsky lembrou que as ações das empresas do setor energético se recuperaram notavelmente seus valores de mercado desde a eleição de Trump, em especial aquelas vinculadas ao carvão.
“É difícil encontrar palavras para descrever o fato de que os humanos estão enfrentando a pergunta mais importante da sua história: se a vida humana organizada sobreviverá tal como a conhecemos, quando a resposta dada pelos que têm o poder é acelerar a corrida rumo ao desastre”, lamentou Chomsky.
O acadêmico sustentou “observações similares” podem ser feitas com respeito a outros dos grandes temas vinculados à sobrevivência humana, como a ameaça de aniquilação nuclear, que vem estando presente no debate mundial há pelo menos 70 anos.
“Não é menos difícil encontrar palavras para descrever o surpreendente fato de que, em meio a uma massiva e extravagante cobertura eleitoral, nenhum desses temas recebeu mais que algumas leves menções. Eu não consigo encontrar as palavras adequadas para isso”, insistiu Chomsky.
A ONU (Organização das Nações Unidas) expressou que a crise climática é provavelmente a maior ameaça que a humanidade enfrenta. Um informe da entidade publicado em outubro passado diz que nos últimos vinte anos cerca de 4,2 bilhões de pessoas foram afetadas por desastres relacionados ao clima no mundo.
Tradução: Victor Farinelli
Para Chomsky, republicanos são os mais perigosos da história dos EUA
O Partido Republicano se tornou a organização mais perigosa da história por sua negação da crise climática e por sua postura com relação às armas nucleares
Do diário La Jornada, do México
“O Partido Republicano se tornou a organização mais perigosa da história da humanidade, por sua negação da crise climática e por sua postura com relação às armas nucleares”. A afirmação é do filósofo e linguista estadunidense Noam Chomsky.
Em entrevista publicada esta semana pela revista digital TruthOut, Chomsky recordou que o leito do último 8 de novembro nos Estados Unidos não produziram somente um novo presidente eleito (Donald Trump) como também uma redefinição do Congresso e da Suprema Corte.
“O resultado entrega o controle total do governo, do Executivo, do Congresso e da Suprema Corte nas mãos do Partido Republicano, que é se tornou a organização mais perigosa da história da humanidade”, comentou o linguista e crítico social.
Chomsky precisou que esse partido está dedicado a “apressar o mais rapidamente possível a destruição da vida humana organizada. Não há precedente histórico para essa posição”.
O acadêmico recordou que Trump defende que o país aumente rapidamente seu consumo de combustíveis fósseis, incluindo o carvão, além de desmantelar as regulações ambientais e retirar a ajuda a países em desenvolvimento que trabalhem na criação de energia sustentável.
Como candidato, Trump expressou que a crise climática era “uma fraude” criado pela China, e prometeu, em diversos foros, reativar a indústria do carvão nos Estados Unidos.
Neste sentido, Chomsky assegurou que Trump já está tomando os passos necessários para acabar com a Agência de Proteção Ambiental (EPA), ao adiantar que seu diretor será Myron Ebell, um “notório e orgulhoso” negador das mudanças climáticas.
Em outro âmbito, o principal assessor de Trump para temas energéticos é o multimilionário Harold Hamm, que anunciou suas expectativas de que o novo governo elimine regulações e implemente cortes tributários para o setor energético, que reavivem a produção de hidrocarburetos.
Por isso, Chomsky lembrou que as ações das empresas do setor energético se recuperaram notavelmente seus valores de mercado desde a eleição de Trump, em especial aquelas vinculadas ao carvão.
“É difícil encontrar palavras para descrever o fato de que os humanos estão enfrentando a pergunta mais importante da sua história: se a vida humana organizada sobreviverá tal como a conhecemos, quando a resposta dada pelos que têm o poder é acelerar a corrida rumo ao desastre”, lamentou Chomsky.
O acadêmico sustentou “observações similares” podem ser feitas com respeito a outros dos grandes temas vinculados à sobrevivência humana, como a ameaça de aniquilação nuclear, que vem estando presente no debate mundial há pelo menos 70 anos.
“Não é menos difícil encontrar palavras para descrever o surpreendente fato de que, em meio a uma massiva e extravagante cobertura eleitoral, nenhum desses temas recebeu mais que algumas leves menções. Eu não consigo encontrar as palavras adequadas para isso”, insistiu Chomsky.
A ONU (Organização das Nações Unidas) expressou que a crise climática é provavelmente a maior ameaça que a humanidade enfrenta. Um informe da entidade publicado em outubro passado diz que nos últimos vinte anos cerca de 4,2 bilhões de pessoas foram afetadas por desastres relacionados ao clima no mundo.
Tradução: Victor Farinelli
Arbitrariedade
Segundo ex-presidente da OAB-RJ, prisão de Sérgio Cabral é arbitrariedade e fere a Constituição - O Cafezinho
Segundo ex-presidente da OAB-RJ, prisão de Sérgio Cabral é arbitrariedade e fere a Constituição
19/11/2016 Redação
as migalhas da democracia brasileira
Em defesa da democracia, da Carta de 1988 e do estado democrático de direito, ex-presidente da OAB-RJ fala sobre a prisão do ex-governador Sérgio Cabral
No Rede Brasil Atual
Wadih Damous: 'Estamos criando um padrão onde só vale a palavra do acusador'
Ex-presidente da OAB-RJ, deputado suplente petista afirma que ordem de prisão dada a Sérgio Cabral sem que processo tenha sido instaurado faz parte de uma ofensiva que agride a Constituição.
Por Maurício Thuswohl
Rio de Janeiro – Deputado federal suplente pelo PT e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, Wadih Damous tem sido, desde o início da série de prisões da Operação Lava Jato, voz ativa contra aquilo que classifica como arbitrariedades cometidas pelos procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro e também em defesa do Estado democrático de direito, no qual a presunção de inocência e o direito à ampla defesa são alicerces fundamentais. Na opinião do deputado, a ordem de prisão dada a Sérgio Cabral, sem que o processo contra ele tenha sido instaurado, faz parte de uma ofensiva que agride a Constituição e, independentemente da culpa ou não do ex-governador do Rio, deve ser repudiada: “Qualquer pessoa tem direito ao devido processo legal”, diz.
Segundo Wadih, “esse negócio de prisão preventiva se tornou um padrão” e futuramente terá consequências nefastas sobre “o sistema penitenciário brasileiro, o pobre e o favelado”. Neste padrão, segundo ele, “só vale a palavra do acusador”, com repercussão seletiva da grande mídia. O deputado petista diz também que Moro e os procuradores “não têm narrativa para embasar a prisão do Lula”, mas que seu grande objetivo é inviabilizar sua participação como candidato em 2018. Sobre a polêmica no Congresso Nacional envolvendo a possibilidade de que os servidores do Judiciário também sejam acusados de abuso de poder, Wadih afirma que “esta turma não pode se considerar intocável” e vai mais longe: “Se fosse nos Estados Unidos, o Sergio Moro já estaria preso”.
Realizada sem nem sequer um processo tenha sido iniciado, a prisão do ex-governador Sérgio Cabral é um indício de que o chamado Estado Democrático de Direito entra em uma nova fase?
Pessoas como o Sérgio Cabral, de fato, não podem ser exemplo de conduta ética na sua vida pública. Mas, qualquer pessoa, da Madre Teresa de Calcutá ao mais vil dos criminosos, todos têm direito ao devido processo legal. No caso do Sérgio Cabral há uma enxurrada de informações, mas só se dá voz à acusação. O processo nem se iniciou ainda, não há uma denúncia contra ele. Aí, prende-se preventivamente, e por que se prende preventivamente? Ele não é mais governador, ele sabia que estava sendo investigado há mais de um ano, isso era fato público e notório. Alega-se que a prisão foi feita para evitar que se destruíssem provas. Quer dizer que ele guardou provas para o dia em que fosse preso, para que uma ação de busca e apreensão pegasse esses documentos? Então, se não há decisão judicial ainda, qual o motivo da prisão, se a defesa dele nem foi ouvida? Até porque ainda não se chegou a essa fase, não há uma ação penal ainda instaurada, não há um inquérito.
O que está acontecendo é que esse negócio de prisão preventiva se tornou um padrão. Primeiro, se prende. Depois, se monta o processo. Do meu ponto de vista, isso fere a Constituição, por mais que cause indignação a situação do Rio de Janeiro, a acusação sobre o Cabral de que ele recebeu propina de mais de R$ 200 milhões etc. Tem que respeitar o ordenamento jurídico. Independente se depois condenou ou não condenou, esse padrão vai ficar. E isso vai recair pesadamente sobre a clientela de sempre: o sistema penitenciário brasileiro, o pobre e o favelado.
Qual o reflexo dessa forma de atuação da Justiça na sociedade brasileira? Há a sensação de que parte da população já está aceitando esse tipo de coisa...
Isso recebe aplausos. Nas matérias da televisão, as pessoas aparecem vibrando, comemorando, soltando foguetes. Nós estamos vivendo tempos de barbárie. Ouvindo o relato dos procuradores, do delegado etc., parece que há elementos robustos contra o Sérgio Cabral. Não estou negando isso. Agora, prisão é só no final, depois de uma condenação judicial transitada em julgado. Está se banalizando a prisão. Como o juiz já tem convicção da participação do Cabral... Porque, em tese, ele pode ser culpado em parte, pode ser inocente, pode ser culpado totalmente. Mas, isso tem que ser apurado de acordo com as regras do devido processo legal, a defesa dele tem que ser ouvida. Está se criando um padrão também em que só vale a palavra do acusador. Feita a acusação, automaticamente aquilo que está sendo dito pelo acusador é verdade.
E repercutido pela grande mídia, né? O telejornal da noite da Rede Globo tratou Cabral como já estivesse julgado e condenado.
E logo a Globo, que sempre o apoiou. Eu não assisto a este telejornal, mas não preciso ver para saber qual é o teor, qual é a linha.
Você acha que a prisão de Cabral, como dizem algumas pessoas, seja um teste para um posterior pedido de prisão do ex-presidente Lula?
Eu procuro não levar o raciocínio para este lado porque isso pode acabar naturalizando a possibilidade de prisão do Lula como algo inevitável. Em relação ao Lula, a atuação da Lava Jato é patética. Enquanto estão se falando aí em bilhões desviados, milhões em propina, o José Serra levando, em valores atualizados, R$ 32 milhões de propina. Cabral acusado de R$ 220 milhões de propina. Enquanto isso, a acusação contra o Lula é por causa de uma porcaria de apartamento no Guarujá e uma porcaria de sítio em Atibaia.
É por isso que eles estão com dificuldade. E aí, ficam criando factoides. Já disseram até que o estádio do Corinthians foi um presente pro Lula. Falaram em uma mansão em Punta del Este e o Alexandre Garcia teve que desmentir na televisão. Depois falaram que o “amigo” mencionado pelo Marcelo Odebrecht é o Lula. Eu nunca vi isso: o suposto poderoso chefão proporciona aos membros de sua quadrilha o embolso de milhões e milhões de reais enquanto ele próprio fica com um pedalinho e um apartamento do BNH? É brincadeira.
Eles não têm narrativa para embasar a prisão do Lula, mas são capazes de inviabilizar a participação do Lula como candidato em 2018. Esse é o grande objetivo. Prender talvez eles não o façam porque sabem o que pode significar uma prisão arbitrária do Lula. Agora, não resta dúvida que o grande objetivo é impedir que ele concorra às eleições em 2018.
Qual tua análise sobre essa polêmica envolvendo o presidente do Senado, Renan Calheiros, e as associações representativas do Judiciário em relação à lei que trata de abuso de autoridade?
A polêmica fica prejudicada porque o Renan é investigado, é indiciado. Mas, incluir os servidores do Judiciário está absolutamente correto, ninguém está acima da lei. Esta turma não pode se considerar intocável, não. O juiz Sérgio Moro praticou crime, já era para ele ter perdido o cargo. Se fosse em outro país, se fosse nos Estados Unidos que ele gosta tanto, já teria perdido o cargo. Aliás, quando ele foi na comissão especial que tratou das dez medidas contra a corrupção, nós o questionamos: vem cá, o senhor sabia, já que gosta tanto dos Estados Unidos, que lá o senhor estaria preso por conta das práticas de grampo ilegal e divulgação ilegal de grampo?
Qualquer agente público tem que estar sujeito ao controle, à fiscalização e à responsabilização pelos abusos que venham a cometer. E eles ficam insuflando a população contra porque sabem que estão cometendo abusos, sabem que estão fora da lei. Eles sabem, tanto os procuradores quanto o Sérgio Moro. Então, independentemente se o Renan tem interesse ou na tem interesse, ele está correto. O Onyx Lorenzoni, que é uma figura patética, foi peitado pelos procuradores. Agora eu quero ver eles peitarem o Roberto Requião, que vai ser o relator do Projeto de Lei lá no Senado. Esse é um projeto de lei que tem que ser debatido, tem que ser discutido. Esses caras vão querer interferir até no processo do Legislativo agora? Isso é um absurdo.
Qual tua avaliação sobre o quadro atual no Rio de Janeiro, com a situação de penúria financeira, o caos nas ruas, as manifestações com forte presença de policiais e de bombeiros?
O Rio é um caldeirão, resultado do governo do PMDB, que é o governo nacional e o governo do Estado do Rio de Janeiro. É típico de governo do PMDB, é só ver a situação do Rio Grande do Sul, também governado pelo PMDB, que está igual ou pior do que a do Rio de Janeiro.
O que estamos vendo é uma afirmação crescente de uma fascistização na sociedade brasileira. Um exemplo é a invasão da Câmara dos Deputados esta semana por um bando de imbecis. E, na Assembleia do Rio, policiais invadindo, agredindo, pedindo intervenção militar. Nós estamos vivendo um momento de anarquia, e isso é resultado direto do golpe de estado de 2016. Estamos vivendo a anarquia, um presidente que não tem qualquer legitimidade, e que também, mais cedo ou mais tarde, essas investigações vão chegar nele. Nós temos uma cleptocracia governando o país, e o Rio de Janeiro é uma mostra patente disso. O Rio de Janeiro hoje é o grande exemplo da anarquia que reina no país.
Segundo ex-presidente da OAB-RJ, prisão de Sérgio Cabral é arbitrariedade e fere a Constituição
19/11/2016 Redação
as migalhas da democracia brasileira
Em defesa da democracia, da Carta de 1988 e do estado democrático de direito, ex-presidente da OAB-RJ fala sobre a prisão do ex-governador Sérgio Cabral
No Rede Brasil Atual
Wadih Damous: 'Estamos criando um padrão onde só vale a palavra do acusador'
Ex-presidente da OAB-RJ, deputado suplente petista afirma que ordem de prisão dada a Sérgio Cabral sem que processo tenha sido instaurado faz parte de uma ofensiva que agride a Constituição.
Por Maurício Thuswohl
Rio de Janeiro – Deputado federal suplente pelo PT e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, Wadih Damous tem sido, desde o início da série de prisões da Operação Lava Jato, voz ativa contra aquilo que classifica como arbitrariedades cometidas pelos procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro e também em defesa do Estado democrático de direito, no qual a presunção de inocência e o direito à ampla defesa são alicerces fundamentais. Na opinião do deputado, a ordem de prisão dada a Sérgio Cabral, sem que o processo contra ele tenha sido instaurado, faz parte de uma ofensiva que agride a Constituição e, independentemente da culpa ou não do ex-governador do Rio, deve ser repudiada: “Qualquer pessoa tem direito ao devido processo legal”, diz.
Segundo Wadih, “esse negócio de prisão preventiva se tornou um padrão” e futuramente terá consequências nefastas sobre “o sistema penitenciário brasileiro, o pobre e o favelado”. Neste padrão, segundo ele, “só vale a palavra do acusador”, com repercussão seletiva da grande mídia. O deputado petista diz também que Moro e os procuradores “não têm narrativa para embasar a prisão do Lula”, mas que seu grande objetivo é inviabilizar sua participação como candidato em 2018. Sobre a polêmica no Congresso Nacional envolvendo a possibilidade de que os servidores do Judiciário também sejam acusados de abuso de poder, Wadih afirma que “esta turma não pode se considerar intocável” e vai mais longe: “Se fosse nos Estados Unidos, o Sergio Moro já estaria preso”.
Realizada sem nem sequer um processo tenha sido iniciado, a prisão do ex-governador Sérgio Cabral é um indício de que o chamado Estado Democrático de Direito entra em uma nova fase?
Pessoas como o Sérgio Cabral, de fato, não podem ser exemplo de conduta ética na sua vida pública. Mas, qualquer pessoa, da Madre Teresa de Calcutá ao mais vil dos criminosos, todos têm direito ao devido processo legal. No caso do Sérgio Cabral há uma enxurrada de informações, mas só se dá voz à acusação. O processo nem se iniciou ainda, não há uma denúncia contra ele. Aí, prende-se preventivamente, e por que se prende preventivamente? Ele não é mais governador, ele sabia que estava sendo investigado há mais de um ano, isso era fato público e notório. Alega-se que a prisão foi feita para evitar que se destruíssem provas. Quer dizer que ele guardou provas para o dia em que fosse preso, para que uma ação de busca e apreensão pegasse esses documentos? Então, se não há decisão judicial ainda, qual o motivo da prisão, se a defesa dele nem foi ouvida? Até porque ainda não se chegou a essa fase, não há uma ação penal ainda instaurada, não há um inquérito.
O que está acontecendo é que esse negócio de prisão preventiva se tornou um padrão. Primeiro, se prende. Depois, se monta o processo. Do meu ponto de vista, isso fere a Constituição, por mais que cause indignação a situação do Rio de Janeiro, a acusação sobre o Cabral de que ele recebeu propina de mais de R$ 200 milhões etc. Tem que respeitar o ordenamento jurídico. Independente se depois condenou ou não condenou, esse padrão vai ficar. E isso vai recair pesadamente sobre a clientela de sempre: o sistema penitenciário brasileiro, o pobre e o favelado.
Qual o reflexo dessa forma de atuação da Justiça na sociedade brasileira? Há a sensação de que parte da população já está aceitando esse tipo de coisa...
Isso recebe aplausos. Nas matérias da televisão, as pessoas aparecem vibrando, comemorando, soltando foguetes. Nós estamos vivendo tempos de barbárie. Ouvindo o relato dos procuradores, do delegado etc., parece que há elementos robustos contra o Sérgio Cabral. Não estou negando isso. Agora, prisão é só no final, depois de uma condenação judicial transitada em julgado. Está se banalizando a prisão. Como o juiz já tem convicção da participação do Cabral... Porque, em tese, ele pode ser culpado em parte, pode ser inocente, pode ser culpado totalmente. Mas, isso tem que ser apurado de acordo com as regras do devido processo legal, a defesa dele tem que ser ouvida. Está se criando um padrão também em que só vale a palavra do acusador. Feita a acusação, automaticamente aquilo que está sendo dito pelo acusador é verdade.
E repercutido pela grande mídia, né? O telejornal da noite da Rede Globo tratou Cabral como já estivesse julgado e condenado.
E logo a Globo, que sempre o apoiou. Eu não assisto a este telejornal, mas não preciso ver para saber qual é o teor, qual é a linha.
Você acha que a prisão de Cabral, como dizem algumas pessoas, seja um teste para um posterior pedido de prisão do ex-presidente Lula?
Eu procuro não levar o raciocínio para este lado porque isso pode acabar naturalizando a possibilidade de prisão do Lula como algo inevitável. Em relação ao Lula, a atuação da Lava Jato é patética. Enquanto estão se falando aí em bilhões desviados, milhões em propina, o José Serra levando, em valores atualizados, R$ 32 milhões de propina. Cabral acusado de R$ 220 milhões de propina. Enquanto isso, a acusação contra o Lula é por causa de uma porcaria de apartamento no Guarujá e uma porcaria de sítio em Atibaia.
É por isso que eles estão com dificuldade. E aí, ficam criando factoides. Já disseram até que o estádio do Corinthians foi um presente pro Lula. Falaram em uma mansão em Punta del Este e o Alexandre Garcia teve que desmentir na televisão. Depois falaram que o “amigo” mencionado pelo Marcelo Odebrecht é o Lula. Eu nunca vi isso: o suposto poderoso chefão proporciona aos membros de sua quadrilha o embolso de milhões e milhões de reais enquanto ele próprio fica com um pedalinho e um apartamento do BNH? É brincadeira.
Eles não têm narrativa para embasar a prisão do Lula, mas são capazes de inviabilizar a participação do Lula como candidato em 2018. Esse é o grande objetivo. Prender talvez eles não o façam porque sabem o que pode significar uma prisão arbitrária do Lula. Agora, não resta dúvida que o grande objetivo é impedir que ele concorra às eleições em 2018.
Qual tua análise sobre essa polêmica envolvendo o presidente do Senado, Renan Calheiros, e as associações representativas do Judiciário em relação à lei que trata de abuso de autoridade?
A polêmica fica prejudicada porque o Renan é investigado, é indiciado. Mas, incluir os servidores do Judiciário está absolutamente correto, ninguém está acima da lei. Esta turma não pode se considerar intocável, não. O juiz Sérgio Moro praticou crime, já era para ele ter perdido o cargo. Se fosse em outro país, se fosse nos Estados Unidos que ele gosta tanto, já teria perdido o cargo. Aliás, quando ele foi na comissão especial que tratou das dez medidas contra a corrupção, nós o questionamos: vem cá, o senhor sabia, já que gosta tanto dos Estados Unidos, que lá o senhor estaria preso por conta das práticas de grampo ilegal e divulgação ilegal de grampo?
Qualquer agente público tem que estar sujeito ao controle, à fiscalização e à responsabilização pelos abusos que venham a cometer. E eles ficam insuflando a população contra porque sabem que estão cometendo abusos, sabem que estão fora da lei. Eles sabem, tanto os procuradores quanto o Sérgio Moro. Então, independentemente se o Renan tem interesse ou na tem interesse, ele está correto. O Onyx Lorenzoni, que é uma figura patética, foi peitado pelos procuradores. Agora eu quero ver eles peitarem o Roberto Requião, que vai ser o relator do Projeto de Lei lá no Senado. Esse é um projeto de lei que tem que ser debatido, tem que ser discutido. Esses caras vão querer interferir até no processo do Legislativo agora? Isso é um absurdo.
Qual tua avaliação sobre o quadro atual no Rio de Janeiro, com a situação de penúria financeira, o caos nas ruas, as manifestações com forte presença de policiais e de bombeiros?
O Rio é um caldeirão, resultado do governo do PMDB, que é o governo nacional e o governo do Estado do Rio de Janeiro. É típico de governo do PMDB, é só ver a situação do Rio Grande do Sul, também governado pelo PMDB, que está igual ou pior do que a do Rio de Janeiro.
O que estamos vendo é uma afirmação crescente de uma fascistização na sociedade brasileira. Um exemplo é a invasão da Câmara dos Deputados esta semana por um bando de imbecis. E, na Assembleia do Rio, policiais invadindo, agredindo, pedindo intervenção militar. Nós estamos vivendo um momento de anarquia, e isso é resultado direto do golpe de estado de 2016. Estamos vivendo a anarquia, um presidente que não tem qualquer legitimidade, e que também, mais cedo ou mais tarde, essas investigações vão chegar nele. Nós temos uma cleptocracia governando o país, e o Rio de Janeiro é uma mostra patente disso. O Rio de Janeiro hoje é o grande exemplo da anarquia que reina no país.
Mauro Santayana: O CHEQUE DE UM MILHÃO E AS DELAÇÕES EM "NUVEM".
Mauro Santayana: O CHEQUE DE UM MILHÃO E AS DELAÇÕES EM "NUVEM".
O CHEQUE DE UM MILHÃO E AS DELAÇÕES EM "NUVEM".
Nunca aceitamos - e consideramos execrável - a tese - um dos pilares da Operação Lava Jato - da transformação retroativa, automática, proposital, de doações de campanha em "propina".
Se à época era legal e foi registrada, a doação foi doação e ponto final, mesmo que eventualmente tenha sido feita por meio de "Caixa 2", que - a exemplo das tais "pedaladas fiscais" que justificaram a derrubada de Dilma - se à época também não era crime, só pode passar a sê-lo depois que for criada uma lei para regulamentar o assunto.
Considerando-se isso, não se pode negar que essa retroatividade seletiva, presente na mudança do depoimento do ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, divulgada pela imprensa, ontem, transformou-se em uma das principais características da situação em que se encontra, hoje, a justiça brasileira.
Pressionado a produzir uma delação "premiada" o "delator" em questão acusou a campanha da ex-presidente da República, Dilma Rousssef, de ter recebido um milhão de reais - por si só uma quantia irrisória nesse contexto - em "propina".
Disseminado ruidosamente o factoide, e com a apresentação de provas, pelo PT, de que o dinheiro chegou à campanha por meio do PMDB, ou seja, de que a doação estava em princípio destinada ao então candidato a vice e atual Presidente da República, Michel Temer, os advogados do "premiado" delator - mais um fantoche que se distorce e retorce ao sabor desse sórdido jogo de pressão de fundo descaradamente político - recuaram e disseram que ele havia se "enganado", e que, na verdade, não teria ocorrido, nesse caso particular, nenhuma irregularidade ou ilícito.
Esse é o mal da tal "delação premiada", tão festejada pela atual Magistratura e o Ministério Público.
Como quase nunca existem provas cabais que as sustentem, pode-se fazer com esse sórdido e abjeto "instrumento", de grande "plasticidade" inerente, o que se quiser, como se fosse - nas mãos de um bando de crianças - um pacote de massinha de modelar.
Além da possibilidade de "editar" seletivamente as transcrições dos depoimentos, vide O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS "CENAS PROIBIDAS" DA OPERAÇÃO LAVA JATO, pode-se acusar a torto e a direito (mais a "direitos" que a "tortos" e quase nunca à direita, convenhamos) e adaptar a mentira, já que de mentiras produzidas sob pressão se tratam, na maioria das vezes, relacionadas a ilações de caráter altamente subjetivo.
A bem da verdade, a mídia faria um grande favor ao público e à realidade, se passasse a chamar essas delações - típicas de regimes fascistas e autoritários - nos processos stalinistas os réus também delatavam, oficialmente, "voluntariamente" - de delações "chiclete", "bombril" ou "massinha".
Em tempos de computação em "cloud" - elas poderiam ser chamadas também de "delações-em-nuvem", não apenas por sua banalizadora quantidade - o sujeito delata até a mãe do Papa para se livrar de prisões arbitrárias que podem ser "esticadas" indefinidamentee e para não correr p risco de desagradar a "pessoa" errada - quanto pela possibilidade que têm, como as nuvens, de trocar de formato ao sabor das circunstâncias.
O comunicado dos advogados do ex-Presidente da Andrade Gutierrez prova que, apertadas entre os dedos, as "acusações" dos delatores podem mudar, sempre que for preciso, bastando que alterem o seu "depoimento".
Assim, o que era, no início, uma "bola" de massinha pode se tranformar em uma cobra, em um porquinho, ou, em poucos minutos, horas ou dias, em um simpático cachorrinho.
Em verdadeiro acinte, neste país de faz de conta, sem nenhum respeito ou consideração pela inteligência dos cidadãos e da população brasileira.
O CHEQUE DE UM MILHÃO E AS DELAÇÕES EM "NUVEM".
Nunca aceitamos - e consideramos execrável - a tese - um dos pilares da Operação Lava Jato - da transformação retroativa, automática, proposital, de doações de campanha em "propina".
Se à época era legal e foi registrada, a doação foi doação e ponto final, mesmo que eventualmente tenha sido feita por meio de "Caixa 2", que - a exemplo das tais "pedaladas fiscais" que justificaram a derrubada de Dilma - se à época também não era crime, só pode passar a sê-lo depois que for criada uma lei para regulamentar o assunto.
Considerando-se isso, não se pode negar que essa retroatividade seletiva, presente na mudança do depoimento do ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, divulgada pela imprensa, ontem, transformou-se em uma das principais características da situação em que se encontra, hoje, a justiça brasileira.
Pressionado a produzir uma delação "premiada" o "delator" em questão acusou a campanha da ex-presidente da República, Dilma Rousssef, de ter recebido um milhão de reais - por si só uma quantia irrisória nesse contexto - em "propina".
Disseminado ruidosamente o factoide, e com a apresentação de provas, pelo PT, de que o dinheiro chegou à campanha por meio do PMDB, ou seja, de que a doação estava em princípio destinada ao então candidato a vice e atual Presidente da República, Michel Temer, os advogados do "premiado" delator - mais um fantoche que se distorce e retorce ao sabor desse sórdido jogo de pressão de fundo descaradamente político - recuaram e disseram que ele havia se "enganado", e que, na verdade, não teria ocorrido, nesse caso particular, nenhuma irregularidade ou ilícito.
Esse é o mal da tal "delação premiada", tão festejada pela atual Magistratura e o Ministério Público.
Como quase nunca existem provas cabais que as sustentem, pode-se fazer com esse sórdido e abjeto "instrumento", de grande "plasticidade" inerente, o que se quiser, como se fosse - nas mãos de um bando de crianças - um pacote de massinha de modelar.
Além da possibilidade de "editar" seletivamente as transcrições dos depoimentos, vide O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS "CENAS PROIBIDAS" DA OPERAÇÃO LAVA JATO, pode-se acusar a torto e a direito (mais a "direitos" que a "tortos" e quase nunca à direita, convenhamos) e adaptar a mentira, já que de mentiras produzidas sob pressão se tratam, na maioria das vezes, relacionadas a ilações de caráter altamente subjetivo.
A bem da verdade, a mídia faria um grande favor ao público e à realidade, se passasse a chamar essas delações - típicas de regimes fascistas e autoritários - nos processos stalinistas os réus também delatavam, oficialmente, "voluntariamente" - de delações "chiclete", "bombril" ou "massinha".
Em tempos de computação em "cloud" - elas poderiam ser chamadas também de "delações-em-nuvem", não apenas por sua banalizadora quantidade - o sujeito delata até a mãe do Papa para se livrar de prisões arbitrárias que podem ser "esticadas" indefinidamentee e para não correr p risco de desagradar a "pessoa" errada - quanto pela possibilidade que têm, como as nuvens, de trocar de formato ao sabor das circunstâncias.
O comunicado dos advogados do ex-Presidente da Andrade Gutierrez prova que, apertadas entre os dedos, as "acusações" dos delatores podem mudar, sempre que for preciso, bastando que alterem o seu "depoimento".
Assim, o que era, no início, uma "bola" de massinha pode se tranformar em uma cobra, em um porquinho, ou, em poucos minutos, horas ou dias, em um simpático cachorrinho.
Em verdadeiro acinte, neste país de faz de conta, sem nenhum respeito ou consideração pela inteligência dos cidadãos e da população brasileira.
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