O pobre leão está sozinho contra um exército de carniceiros
A vida não está fácil pra Bolsonaro, esse leão cercado por hienas de todo lado.
O pobre felino está sozinho contra um exército de carniceiros, dentre
os quais a ONU, o STF e a Jovem Pan. Seu único amigo, um leão de nome
Conservador Patriota (que nome pra um leão), parece ter se esquecido
dele. É assim que o presidente está se sentindo —ou pelo menos é assim
que ele diz no Twitter que está se sentindo, o que dá mais ou menos no
mesmo. Ou não. Talvez seja assim que o seu filho acha que ele tá se
sentindo, o que dá mais ou menos no mesmo, porque deve ter sido ele que
disse pro filho que se sentia assim.
Desde que Bolsonaro postou esse vídeo, todo
cidadão brasileiro se perguntou a mesma coisa: o que foi que eu fiz de
errado pra não estar entre as hienas? Gosto de tudo no vídeo. Gostei de
descobrir que ele acha que está sendo perseguido pela Jovem Pan, de que
ele acha que a ONU quer comer sua carniça, de que ele vê o eleitor
patriota e conservador como um leão macho e imponente que há de surgir
no horizonte.
O sujeito está no cargo mais alto do
país, goza de cartão corporativo infinito e foro privilegiado, e ainda
assim vê a si mesmo como um pobre felino em extinção, abandonado por
todos. Peço que faça um esforço pra imaginar como se sente Natália, do
Piauí, medalhista da Olimpíada de Matemática, que ganha R$ 100 por mês
do MEC e deve ter sua bolsa cortada.
A única palavra que me vem à cabeça é um
conceito caro ao presidente: vitimismo. Nada mais adequado pra
classificar sua estratégia do que essa palavra que o próprio costuma
usar contra o movimento negro, feminista ou LGBT. Afinal a mulher que
denuncia o marido está sendo vitimista. O negro que quer reparação
histórica pela escravidão tá fazendo mimimi. Quem reclama de homofobia
num dos países que mais mata homossexuais tá sendo coitadista.
Para
você que, como eu, teme o fim do Estado laico e o avanço do
fundamentalismo cristão; para você que se sente como uma patrícia da
Roma Antiga, devota de Epicuro, que escuta o estrondo do Vesúvio do
jardim de Herculano, aconselho assistir ao documentário “The Family”
(Netflix), sobre uma organização conhecida como The Christian Mafia.
De Bill Clinton aos Bush pai e filho, de
Reagan a Nixon, de Carter a Obama, passando por Trump, nenhum dos
presidentes americanos deixou de marcar presença no National Prayer
Breakfast, evento anual dessa congregação sem nome, com enorme
influência política nos Estados Unidos e no mundo.
Idealizada durante a depressão americana
da década de 1930 por Abraham Vereide, um imigrante norueguês bem
relacionado, a irmandade nasceu da reunião de 19 empresários de Seattle,
preocupados com o levante sindical que paralisou a cidade, exigindo
melhores condições de trabalho.
Vereide acreditava que o clima de
guerrilha instaurado nas ruas era fruto de um plano satânico executado
pelos sindicalistas. Para salvar a sociedade do demônio encarnado nos
operários era necessário não só o uso da força, como o uso da força em
nome de Deus.
O prefeito e o governador eleitos na
crise sairiam desse grupo cristão de homens de bem, massacrariam o
movimento sindical, erradicando a esquerda do estado de Washington.
Durante a Guerra Fria, Vereide convenceu
o presidente Eisenhower a encarar a luta contra o império comunista
ateu como uma guerra santa, investindo na criação de um exército de
líderes cristãos, formado para ocupar postos de comando estratégico no
governo.
Oitenta anos depois, a ideia se
transformaria numa irmandade empenhada em difundir um cristianismo
forte, sem igreja, capaz de congregar republicanos e democratas para
orarem em nome de interesses comuns.
O problema do cristianismo, afirmava
Vereide, foi ter se dedicado à plebe, esquecendo-se dos homens de pulso
firme, capazes de restaurar a lei e a ordem.
Se todos amarem o cordeiro, quem amará o
lobo? E com um lobo ao seu lado, os cordeiros obedecerão. Concentre-se
no lobo, diz a mensagem, e mostre a ele o grandioso poder da fé.
Quando Vereide morreu, Doug Coe assumiu a
liderança da confraria, empenhando-se em torná-la invisível. “Quanto
mais invisível for a organização, mais poder ela terá”, dizia o homem
mais prestigioso de Washington, de quem nunca se ouvia falar.
Desde então, a Family tem praticado uma
“diplomacia discreta”, como define Bush pai em discurso no National
Prayer Breakfast, “para não dizer secreta”.
Admirador da paixão cega despertada por
Hitler, Mao e Mussolini, e da fidelidade alcançada pela Camorra, Coe
inicia uma ofensiva espiritual para além da fronteira, enviando
congressista para a Europa, a ex-União Soviética, a África e a América
Latina.
“Esqueça tudo o que você sabe sobre o
cristianismo”, aconselha um dos membros, “Cristo não veio à Terra pelos
puros, mas sim pelos doentes, pelos condenados pela justiça e pelos
investigados por seus crimes. Não que a irmandade apoie essas ações,
mas, por amor, é nosso dever aproximar os homens maus de Jesus.”
E enquanto evangeliza e perdoa os lobos
pecadores, com apoio financeiro da NRA, a confraria defende a moral e os
bons costumes para a massa de cordeiros fracos.
Na Romênia, a Family influenciou o
referendo para mudar a constituição que reconhece o casamento entre
pessoas do mesmo sexo. Na genocida Uganda, o missionário enviado não só
fez o general ditador assassino e homofóbico Yoweri Museveni chorar, ao
dizer que Jesus o amava, como semeou o preconceito que fez florescer
políticos como David Bahati, autor do projeto de lei que defende a pena
de morte para homossexuais. “Eu não quero matá-los”, declara o
parlamentar, “quero apenas curá-los”.
E em nome de Jesus e dos escolhidos, das
crianças, da família e da moralidade, abrem-se, debaixo dos panos, as
portas da luxúria econômica do livre mercado de petróleo, minério, armas
e afins.
Morte ao secularismo. Que se cumpra a
missão de Paulo nas escrituras, a de levar a palavra de Cristo aos reis,
em prol dos interesses do Estado.
Cheira a teoria conspiratória, mas que a
série explica, em parte, a ascensão do poderio evangélico no Brasil e a
devoção do lobo Messias, isso ela explica.
Trump,
Putin, Gaddafi, Museveni, Jair… enquanto a alcateia de eleitos se
locupleta, resta a nós, cordeiros, suportar com resignação as Damares,
os Araújos e Weintraubs do Ministério Supremo da Fé.
É a queda do Império Romano e o prenúncio da segunda idade das trevas.
Como Bolsonaro está arruinando os planos de Steve Bannon
"Jair Bolsonaro está prevenindo a modificação comportamental dos
usuários das redes sociais para o que Bannon trabalha", escreve a
advogada Liana Cirne Lins, professora da UFPE. "O retrato de Dorian Gray
é tão assustador que as pessoas estão se tornando menos persuadíveis e
suscetíveis ao tomarem Bolsonaro como referência de um futuro à
espreita"
Por caminhos tortuosos, Bolsonaro se transformou em garoto propaganda às avessas.
Sim, Bolsonaro vai salvar o mundo. Mas naturalmente não pelo que ele
tem de bom, se é que tem, mas pelo que tem de péssimo, bufão e
ignominioso.
Bolsonaro é a caricatura, exagerada, patética e monstruosa, dos políticos caricatos da extrema-direita do mundo todo.
Mas antes de tudo, Bolsonaro é um produto de Steve Bannon. Ele não é
um fato isolado na geopolítica, mas uma peça num mosaico que vinha sendo
cuidadosamente construído, através da metodologia que levou décadas
para ser desenvolvida, tendo como laboratório eleições em países pobres,
e que culminou com a aprovação do Brexit com a campanha "Leave.EU", a
eleição de Trump, a campanha "Do So!" em Trinidad & Tobago e, enfim,
a eleição de Bolsonaro.
Em síntese apertada, a metodologia consiste no armazenamento de dados
pessoais sobre nossos perfis psicológicos e pessoais, por meio do
Facebook, do Google e de aplicativos correlatos, como nos mostra o
excelente documentário 'Privacidade Hackeada'. Esses dados foram
vendidos para a Cambridge Analytica, que desenvolveu o algoritmo e a
tecnologia que vinha definindo, com muito sucesso, a política e a
economia do mundo contemporâneo.
Estamos falando da indústria mais lucrativa do mundo, já que o ativo
mais valioso do mundo não é o petróleo ou produto do gênero. É o banco
de dados que fornecemos (in)voluntariamente através das redes sociais,
sem fazer a menor ideia do quanto isso nos custa do ponto de vista
particular e, menos ainda, do ponto de vista coletivo, político,
econômico e social.
A metodologia é simplesmente impressionante.
Com nossa geolocalização, a equipe de Steve Bannon consegue fazer um
mapa extremamente preciso, dispondo de nossos perfis psicológicos, nossa
faixa etária e todas as informações necessárias para alterar nosso
comportamento.
Nas palavras da Cambridge Analytica, o Santo Graal da comunicação é
obter a modificação comportamental dos usuários das redes sociais.
Naturalmente, é mais fácil fazer isso com o grupo de indivíduos
classificados como persuadíveis ou suscetíveis, ou seja, pessoas que
podem mudar sua inclinação política de modo mais fácil.
Logo, o grupo alvo da Cambridge Analytica era o grupo considerado
apático, ou seja, o grupo de pessoas a princípio indiferentes à
política.
E como funciona a metodologia de uso de nossos dados pessoais? Depois
de identificar quem são as pessoas do grupo suscetível a ter seu
comportamento modificado por propaganda e mapeado pela geolocalização,
eles iniciam propriamente a campanha.
Trump gastava um milhão de dólares por dia com anúncios de facebook.
Mas não eram anúncios da campanha de Trump. Eram sobretudo anúncios da
campanha antissistema. Cada pessoa era bombardeada por conteúdos
desenvolvidos exclusivamente para ela, voltados a deixá-la mais
suscetível a mudar seu comportamento.
A campanha de Trump associou Hillary Clint ao sistema. Ou seja, a
tudo que estava errado. Ao sistema financeiro, ao sistema político
velho, ultrapassado e corrupto. E o encerramento da campanha obviamente
se dava com a apresentação de Trump como solução salvacionista contra
"tudo o que está aí".
O mesmo enredo foi utilizado com Bolsonaro e com a campanha
antipetista. Nós vimos isso acontecer com nossas famílias e amigos. Nós
vimos "pessoas normais" acreditarem em mamadeira de piroca, que o Brasil
era comunista, que tudo era culpa do PT. O PT foi associado com tanto
sucesso ao sistema - o que é um paradoxo, já que foi um governo
minimamente trabalhista e inclusivo numa história de séculos de
dominação oligarca - que a maioria do povo preferiu votar num candidato
assumidamente estúpido, preconceituoso, radical e despreparado, porque
ele era “antissistema” (sic).
Segundo a previsão dos especialistas, a metodologia desenvolvida
ainda teria o poder de influenciar eleições e comportamentos pelos
próximos dez anos, no mínimo, funcionando para ascensão de programas de
extrema direita baseados no ódio, no racismo, na homotransfobia, na
misoginia, xenofobia, na erradicação de direitos trabalhistas,
privatização de empresas estatais e outras agendas neoliberais e
neofascistas.
Entretanto, depois de consecutivas vitórias de Steve Bannon - em
síntese, aprovação do Brexit no referendo popular, eleição de Trump,
eleição de Macri, eleição de Bolsonaro - seguia firme para a eleição de
Salvini, na Itália e a consolidação do Brexit, pelas mãos do
primeiro-ministro conservador, Boris Johnson.
Entretanto, Bannon não contava com Bolsonaro. Não teve capacidade
para imaginar que estava atuando para colocar no poder alguém capaz de
deixar de receber um ministro de relações exteriores para cortar o
cabelo, chamar a primeira dama de outro país de feia, tecer sua própria
versão do “l’Etat c’est moi” com "Eu ganhei, porra! Johnny Bravo
ganhou!", negar as queimadas na Amazônia, mandar o povo defecar dia sim,
dia não, em ironia à crise ambiental, mandar recados grosseiros para
líderes dos países do G7, entre uma lista interminável de falsidades,
equívocos e constrangimentos jamais vistos em um chefe de governo, como,
inclusive, acentuou Macron em conversa flagrada pela imprensa: não é
postura de um presidente.
Bolsonaro é o retrato de Dorian Gray: ignóbil, perverso, bufão, imbecil e incompetente.
Eleito pelo voto democrático do povo brasileiro.
O resultado, trágico, está porém provocando um contraponto inesperado. Bolsonaro está revertendo a série de vitórias de Bannon.
Bolsonaro está prevenindo a modificação comportamental dos usuários das redes sociais para o que Bannon trabalha.
O retrato de Dorian Gray é tão assustador que as pessoas estão se
tornando menos persuadíveis e suscetíveis ao tomarem Bolsonaro como
referência de um futuro à espreita.
E como disse a amiga Elika Takimoto, enquanto alguns brasileiros se
preocupam em não virar a Venezuela, o mundo inteiro está preocupado em
não virar o Brasil.
Essa é a mensagem de Bolsonaro para o mundo. E essa mensagem é
rápida. É certeira. É eficaz. Ela é racional, mas sobretudo emocional.
As pessoas sofrem de um sentimento inequívoco de vergonha alheia ao
verem o resultado do voto antissistema.
O cenário pós-Bolsonaro trouxe para Bannon derrotas significativas e alguns avanços para a humanidade.
Salvini derrotado na Itália. Boris Johnson, na Inglaterra, sofrendo
consecutivas derrotas, vê o Brexit escapulindo. Macri caminhando para
uma derrota estrondosa na Argentina. John Bolton, conselheiro de
segurança nacional, nacionalista e belicista, principal interlocutor
entre os governos Trump e Bolsonaro, foi demitido do governo Trump na
semana passada. E o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu,
encontra-se em minoria e fracassa em seu intento de continuar governando
Israel à frente de uma maioria parlamentar sólida.
Por caminhos tortuosos, Bolsonaro se transformou em garoto propaganda às avessas.
Um Midas coprólogo, que tudo o que toca vira - perdoem a vulgaridade da linguagem presidencialesca - merda.
A extrema direita está murchando como a virilidade do machão na água gelada."
As expectativas
sobre a retomada ou não da vigência do inc. LVII do art. 5º da CF,
objeto de deliberação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, têm
ricocheteado no problema sobre a eficácia do direito fundamental à
presunção de não culpabilidade e alcançam também questões de ordem
estatística. Afinal, caso o Supremo Tribunal Federal declare novamente
como eficaz a presunção de não culpabilidade, proscrevendo novamente a
execução provisória da pena a partir do julgamento da causa pelas
instâncias ordinárias, quantas pessoas serão soltas?
O Estado de Minas fez um levantamento
(em abril de 2018), a partir do Painel do Banco Nacional de
Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça, alegando que
esse número seria de 22 mil presos.[1] O site O Antagonista[2], em postagem
recente, fala em 169 mil, a partir do mesmo banco de dados do CNJ que
teria sido acessado pela publicação mineira. O número postado pelo Antagonista não destoa do retratado pela Veja (os mesmos 169 mil), em reportagem publicada em dezembro de 2018.[3]
Temos
dois levantamentos considerados “precisos” sobre população carcerária: o
primeiro é o banco de dados do Infopen, ligado ao Departamento
Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, que teve o seu último
relatório divulgado em junho de 2017.
O segundo é decorrente de
atividade do Conselho Nacional de Justiça, a partir do Banco Nacional de
Monitoramento de Prisões, sistema que é alimentado pelos órgãos do
poder judiciário em todo o Brasil como instrumento de organização e
gestão dos mandados de prisão expedidos por qualquer razão (prisão
preventiva, temporária, execução provisória, execução definitiva etc).
Cada
forma de “contagem” tem seus percalços. Enquanto o Infopen recebe
informações diretamente vinculadas ao que é repassado pelas próprias
unidades prisionais (que, em tese, estão contando os presos de forma
presencial), o BNMP é um sistema que não tem acesso direto ao preso, mas
ao mandado de prisão (cumprido ou não cumprido) alusivo a quem ingressa
ou sai do sistema.
O primeiro teria, em tese, a garantia de uma
imagem real do cenário; o segundo tem a suposta vantagem da integração
informatizada entre documento e estatística.
O primeiro depende da
eficácia da contagem em estabelecimentos precários e muitas vezes
arruinados e o segundo depende da eficácia do treinamento dado aos
funcionários do Poder Judiciário em todo o país, além de fatores como a
exata correspondência entre a existência de um mandado cumprido e um ser
humano preso pelas exatas razões descritas no mandado.
O primeiro
sistema tem uma história e a sua idade trouxe experiência e problemas. O
segundo ainda é muito recente e sua implantação ainda vai enfrentar
desafios previstos e imprevistos.
Ocorre que, num e noutro, o
preso que ingressa no sistema prisional porque foi atingido pela
execução provisória causada pelo esgotamento da instância ordinária não é
objeto de contagem específica.
A divisão feita nos relatórios do
Ministério da Justiça fala em presos provisórios sem condenação e presos
sentenciados, sem indicação se a execução da pena é a definitiva ou
provisória.
No CNJ, a novidade é a indicação de presos em
“execução provisória” da pena, que em 6 de agosto de 2018 (data do
encerramento do levantamento, que não contava com números do Rio Grande
do Sul) seriam 148 mil.
Ocorre que, mesmo falando em presos
condenados em “Execução Provisória”, o universo de pessoas que podem ser
atingidas pela eventual alteração do posicionamento do STF precisaria
ser definido de forma particularmente precisa. Para que o número correto
ou estimado de pessoas sujeitas atingidas com o fim da execução da pena
em segunda instância seja definido seria necessário que:
(a) fossem retratados presos fora das hipóteses de prisão preventiva;
(b) contabilizados apenas os presos que não estão cumprindo pena que tenha transitado em julgado e
(c) não consideradas as execuções provisórias de presos que tiveram sua
situação convertida para fins de facilitar o acesso aos direitos de
progressão, remição etc.
Enfim: a conta teria que ser feita sobre
as prisões exclusivamente executadas porque o acusado estava solto até o
recurso de apelação e passou a ficar preso porque, mantida a
condenação, recorreu ao STJ e/ou ao STF. Não há nenhum levantamento,
entretanto, com esse nível de filtragem.
Fora isso, a contagem de presos cumprindo pena em “execução provisória” dá margem a erros.
Muito
antes do STF suspender o direito de recorrer em liberdade até o
trânsito em julgado dos recursos aos tribunais superiores, milhares de
presos optavam por requerer a expedição de guia de execução provisória
para que fossem desde logo garantidos os direitos relativos, por
exemplo, à remição de pena pelo trabalho (pois é comum o estabelecimento
para presos provisórios não ter condições de assegurar atividades
laborais) ou à mudança de regime prisional (situação que ocorre
comumente em presos provisórios que passam presos preventivamente tanto
tempo que, quando são sentenciados, tem direito à mudança de regime).
Essas
peculiaridades compõem um fator de elevada complexidade para a aferição
correta do impacto do posicionamento do STF tomado a partir de 2016 e,
provavelmente, a fonte do grande alarme produzido sobre o número de
presos “que seriam soltos” a partir da eventual mudança de
posicionamento do STF se deve ao fato de que as execuções provisórias de
pena decorrerem, em sua esmagadora maioria, da conversão, em favor do
réu, de prisões preventivas que não eram revogadas quando o processo
chegasse na fase de sentença.
Por fim, caso o número apocalíptico
de 169 mil pessoas fosse objeto de soltura em caso de mudança na
jurisprudência do Supremo, seria de se imaginar que, só em virtude do
cenário decisório de 2016, o mesmo número de presos teria ingressado no
sistema prisional brasileiro entre fins de 2016 e fins de 2019, algo
como um aumento de 56 mil prisões em três anos.
Um implemento
dessa monta, só nesse tipo de prisão, representaria um fator de colapso
do sistema a um ponto ainda mais insuportável do que o atual. Afinal,
segundo estatísticas do próprio Infopen, nem mesmo a explosão de 2014
para 2015 (622 mil presos para 698 mil) chegaria aos pés de um
incremento de presos levando em conta todo o tipo de prisão, somada a
essa em decorrência do esgotamento dos recursos ordinários.
O
estardalhaço que se formou, portanto, sobre o cenário de “prisões
abertas” de forma generalizada não se firma em nenhum dado disponível e,
assim como outras especulações baseadas no repúdio às liberdades
públicas, representa a tentativa de usar a irracionalidade para
prestigiar uma política de encarceramento contrária ao projeto
democrático plasmado na Constituição de 1988.
'Há quem alimente os crocodilos na esperança de ser comido por
último', dizia Churchill sobre aqueles que queriam negociar com o
nazismo
Na semana passada uma crônica minha publicada aqui nesta Folha foi parar numa prova do tradicional colégio Loyola, de BH. Não
foi a primeira vez que professores escolheram uma crônica deste
iletrado. Já fui parar no Enem de 2017, na Uerj, em 2015 —e nas escolas
construtivistas toda semana. Do meu lado, fico feliz de ver um texto meu
figurando numa prova que eu não passaria.
Alguns pais, ao que parece, reclamaram. Até aí tudo bem: a democracia é uma delícia, diria Ciro.
Toda escola que se preze tem pais reclamando na porta. Esquisito mesmo
foi o diretor cancelar a prova por causa disso. Pelo que entendi, é um
novo conceito de “colégio à la carte”, onde os pais escolhem o que o
filho vai ouvir lá dentro.
“Oi, eu queria que a prova do meu filho viesse sem darwinismo, pode ser?”
“Claro, senhor. Vou servir um criacionismo bem passado.”
“Obrigado, é que lá em casa a gente é alérgico à teoria da evolução.”
A justificativa conseguiu tornar ridículo o que era só bizarro.
Segundo o diretor, a crônica falava do governo Bolsonaro e “mostrava
apenas um lado”. E continuou: “Teria que ter um texto do outro lado e
não tinha”. Talvez esperasse, ao lado da minha crônica, a de um
bolsonarista. Pra começar, não vai ser fácil encontrá-lo. Não me ocorre
nenhum cronista que defenda este governo.
E além disso: fiquei curioso pra entender esse método de ensino
simétrico. Imagino que, pra cada texto do abolicionista Joaquim Nabuco, a
escola contraponha o texto de um escravista —pra que o aluno possa
escolher um lado. Pra cada romance do comunista Jorge Amado, a escola há
de contrapor um livro do integralista Plinio Salgado. Imagino que a
escola estude tanto as canções de protesto do período militar quanto a
biografia de Brilhante Ustra —afinal, não se pode ser parcial e tudo na vida tem dois lados.
A verdade é que não acho que o diretor esteja sendo sincero em sua
conciliação com o outro lado. “Há quem alimente os crocodilos na
esperança de ser comido por último”, dizia Winston Churchill em 1940,
sobre aqueles que queriam negociar com o nazismo. Todos os ambientes,
hoje, estão cheios de supostos conciliadores: pessoas que fingem buscar a
ponderação, mas só estão com medo de perder a cabeça.
Esquecem que não se negocia com um jacaré faminto. Quando o outro
lado é o fascismo ecocida, quando o outro lado aplaude a tortura e nega a
mudança climática, quando o outro lado é abertamente miliciano,
genocida e autocrático, a simetria com o outro lado não se chama
conciliação. Chama covardia mesmo.
Gregorio Duvivier
É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.
Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando e
lutando, como um cruzado, pelas causas que me comovem. Elas são muitas,
demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma
agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na
verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isto não
importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que nos venceram nessas
batalhas.
Tudo que diz respeito ao humano, suas vidas,
suas criações, me importam supremamente. Dentro do humano, o povo
brasileiro, seu destino é o que mais me mobiliza. Nele, a ínvia
indianidade brasileira, que consegue milagrosamente sobreviver. Mas,
sobretudo, a massa de gente nossa, ainda em fusão, esforçando-se para
florescer numa nova civilização tropical, mestiça e alegre.
Acho que aprendi isso, ainda muito jovem, com os antigos comunistas.
Imbatíveis em sua predisposição
generosa de se oferecerem à luta, por qualquer causa justa, sem mais
querer que o bem geral. Estou certo de que a dignidade, e até o gozo de
viver que tenho, me vêm dessa atitude básica de combatente de causas
impessoais. Tanto, que me atrevo a recomendar duas coisas aos jovens de
hoje.
Primeiro, que não respeitem seus pais, porque
estão recebendo, como herança, um Brasil muito feio e injusto, por
culpa deles. Minha também, é claro. Segundo, que não se deixem subornar
por pequenas vantagens em carreirinhas burocráticas ou empresariais pelo
dinheirinho ou dinheirão que poderiam render.
Mais vale ser um militante cruzado, acho eu.
Vejo os jovens de hoje esvaziados de
juventude, enquanto flama, combatividade e indignação. Deserdados do
sentimento juvenil de solidariedade humana e de patriotismo e de orgulho
por nosso povo.
Incapacitados para assumir as carências dos
brasileiros como defeitos próprios e sanáveis de todos nós. Ignorantes
de que o atraso, a fome e a pobreza só existem e persistem, entre nós,
porque são lucrativos para uma elite infecunda e cobiçosa de patrões
medíocres e de políticos corruptos.
Afortunadamente, podemos nos orgulhar de
muitos jovens brasileiros que são o semen de nosso povo sofredor. Sem
eles, nossa Pátria estaria perdida. É indispensável, porém, ganhar a
totalidade da juventude brasileira para si mesma e para o Brasil. O dano
maior que nos fez a ditadura militar, perseguindo, torturando e
assassinando aos jovens mais ardentemente combativos da última geração,
foi difundir o medo, promover a indiferença e a apatia. Aquilo de que o
Brasil mais necessita, hoje, é de uma juventude iracunda, que se encha
de indignação contra tanta dor e tanta miséria. Uma juventude que não
abdique de sua missão política de cidadãos responsáveis pelo destino do
Brasil, porque sua ausência é imediatamente ocupada pela canalha.
Talvez eu veja tanto desencantamento, onde o
que há é apenas o normal das coisas ou o sentimento do mundo que
corresponde às novas gerações. Talvez seja assim, mas isso me desgosta
muito. Desgosta, principalmente, porque sinto no fundo do peito que é
obra da ditadura militar tamanha juventude abúlica, despolitizada e
desinteressada de qualquer coisa que não corresponda ao imediatismo de
seus interesses pessoais. É por isso que não me canso de praguejar e
xingar, exaltado, dizendo e repetindo obviedades.
Sobretudo, quando falo à gente jovem em
pregações sobre valores que considero fundamentais e que não ressoam
neles como eu quisera.
Primeiro de tudo, o sentimento profundo de
que esse nosso paísão descomunal e esse povão multitudinário, que temos e
somos, não nos caiu ao acaso, nem nos veio de graça. É fruto e produto
de séculos de lutas e sacrifícios de incontáveis gerações. O território
brasileiro é do tamanho que é graças à obsessão portuguesa de fronteira,
impressa neles por um milênio de resistência, para não serem absorvidos
pela Espanha, como ocorreu com todos os outros povos ibéricos. Desde os
primeiros dias de nosso fazimento estava o lusitano preocupadíssimo em
marcar posses, gastando nesse esforço gerações de índios e caboclos que
nem podiam compreender que nos faziam.
Meu apego apaixonado pela unidade nacional
começa pela preservação desse território como a base física em que nosso
povo viverá seu destino. Encho-me da mais furiosa indignação contra
quem quer que manifeste qualquer tendência separatista. Acho até que não
poderia nunca ser um ditador, porque mandaria fuzilar quem revelasse
tais pendores.
Outro valor supremo, e até sagrado, que quero comunicar à juventude, é o
sentimento de responsabilidade pelo atroz processo de fazimento de
nosso povo, que custou a vida e a felicidade de tantos milhões de índios
caçados nas matas e de negros trazidos de África, para serem
desgastados no moinho brasileiro de gastar gente. Nós viemos dos
zés-ninguém gerados pela índia prenhada pelo invasor ou pela negra
coberta pelo amo ou pelo feitor. Aqueles caboclos e mulatos, já não
sendo índios nem africanos e não sendo também admitidos como europeus,
caíram na ninguendade. A partir desta carência de identificação étnica é
que plasmaram nossa identidade de brasileiros.
Fizeram-no um século depois, quando, através
dos insurgentes mineiros, tomamos consciência de nós brasileiros como um
povo em si, aspirando existir para si.
Surgimos, portanto, como um produto
“inesperado e indesejado do empreendimento colonial que só pretendia ser
uma feitoria. A empresa Brasil se destinava era a prover o açúcar de
adoçar boca de europeu, o ouro de enricá-los e, depois, minerais e
quantidades de gêneros de exportação.
Éramos, ainda somos, um proletariado externo
aqui posto para servir ao mercado mundial. Criá-lo foi a façanha e a
glória das classes dominantes brasileiras, cujo empenho maior consistia,
e ainda consiste, em nos manter nessa condição.
Foi sobre esse Povo-Nação, já constituído e
levado à independência com milhões de caboclos e mulatos, que se
derramou a avalancha européia quando seus trabalhadores se tornaram
descartáveis e disponíveis para a exportação como imigrantes. Os
melhores deles se identificaram com o povo antigo da terra e até se
tornaram indistinguíveis de nós, por sua mentalidade, língua, cultura e
identificação nacional. Ajudaram substancialmente a modernizar o país e a
fazê-lo progredir, gerando uma prosperidade ampliada, a inda que muito
restrita, e que beneficiou principalmente aos recém-vindos.
É de lamentar, porém, que vez por outra
surja, entre eles, uns idiotinhas alegando orgulhos de estrangeiridade. O
fazem como se isso fosse um valor, mas principalmente porque estão
predispostos seja a quebrar a unidade nacional em razão de eventuais
vantagens regionais, seja a retornarem eles mesmos para outras terras,
como fizeram seus avós. Afortunadamente, são uns poucos. Com um pito se
acomodam e se comportam.
Compreendem, afinal, que não há nesse mundo
glória maior que participar da criação, aqui, da civilização bela e
justa que havemos de ser.
Tal como ocorreu com nossos antepassados,
hoje, o Brasil é nossa tarefa, essencialmente de vocês, meus jovens. A
história está a exigir de nós que enfrentemos alguns desafios cruciais
que, em vão, tentamos superar há décadas. Primeiro que tudo, reformar
nossa institucionalidade para criar aqui uma sociedade de economia
nacional e socialmente responsável, a fim de alcançarmos uma
prosperidade generalizada a todos os brasileiros. O caminho para isso é
desmonopolizar a propriedade da terra, tirando-a das mãos de uma minoria
estéril de latifundiários que não plantam nem deixam plantar. Eles são
responsáveis pelo êxodo rural e o crescimento caótico de nossas cidades
e, conseqüentemente, pela Fome do povo brasileiro. Fome absolutamente
desnecessária, que só existe e só se amplia porque se mantém uma ordem
social e um modelo econômico compostos para enriquecer os ricos, com
total desprezo pelos direitos e necessidades do povo.
Simultaneamente, teremos de derrubar o corpo
de interesses que nos quer manter atados, servilmente, ao mercado
mundial, exigindo privilégios aos estrangeiros e a privatização das
empresas que dão ser e substância à economia nacional, para manter o
Brasil como o paraíso dos banqueiros. Não se trata de criar aqui nenhuma
economia autárquica, mesmo porque nascemos no mercado mundial e só nele
sobreviveremos.
Trata-se é de deixar de ser um reles
proletariado externo para ser um povo que exista para si mesmo, ocupado
primacialmente em promover sua própria felicidade.
Essas lutas só podem ser travadas com chance
de vitória desmontando a ordem política e o sistema econômico vigentes.
Seu objetivo expresso é preservar o latifúndio improdutivo e aprofundar a
dependência externa para manter uma elite rural esfomeadora e
enriquecer um empresariado urbano servil a interesses alheios. Todos
eles estão contentes com o Brasil tal qual é. Se não anularmos seu
poderio, eles farão do Brasil do futuro o país que corresponda aos
interesses dos países que nos exploram.
Nestas singelas proposições se condensa para
mim o que é substancial da ideologia política que faz dos brasileiros,
brasileiros dignos. Tais são o zelo pela unidade nacional, o orgulho de
nossa identidade de povo que se fez a si mesmo pela mestiçagem da carne e
do espírito; a implantação de uma sociedade democrática onde imperem o
direito e a justiça para todos; a democratização do acesso à terra para
quem nela queira morar ou cultivar; a criação de uma economia industrial
autônoma como o são todas as nações desenvolvidas.
Eis o que peço a cada jovem brasileiro:
repense estas idéias, reavalie estes sentimentos e assuma, afinal, uma
posição clara e agressiva no quadro político brasileiro.
Uma das mais astutas peças da engenharia política colocada em operação pela ditadura militar consistiu
na produção de sua própria oposição. Dificilmente encontraremos uma
ditadura que, logo ao ser implementada, não anulou toda a oposição, mas
na verdade criou seu próprio partido de oposição. Ou seja, o MDB é
um produto da ditadura, talvez seu produto mais impressionante. O que
demonstrava como, desde o início, tratava-se de uma ditadura que não se
via como uma operação de intervenção cirúrgica, mas como um movimento de
reformulação profunda da vida nacional feito para durar mesmo depois do
seu fim.
Produzir sua própria oposição,
definir as modalidades de sua própria resistência é a forma mesma de um
“poder perfeito”. Pois o poder se exerce não exatamente quando
definimos as normas a serem seguidas. Ele se exerce principalmente
quando definimos as margens, quando organizamos as posições e as formas
de resistência que os descontentes poderão ocupar. Um poder perfeito é
aquele que é, ao mesmo tempo, a norma e a resistência.
Assim,
ao definir as condição de sua própria oposição, ou seja, ao construir o
próprio ator que a sucederia depois de seu término, a ditadura
brasileira encontrou uma maneira de fazer, da Nova República, apenas a
ocasião de seu próprio desdobramento. Como se disse várias vezes antes, o
MDB era sobretudo um modelo de paralisia, uma forma de travar as lutas e
dinâmicas de conflitos sociais próprios à realidade brasileira. Esta
paralisia acabou por levar a Nova República ao colapso e, ironia maior da história, ao restabelecimento de novos representantes do setor mais violento da ditadura militar.
Um processo similar está em curso atualmente, a saber, as forças em torno do governo, ou que um dia giraram em torno do governo,
estão a construir sua própria oposição. Neste sentido, é digno de nota a
maneira com que o espaço da oposição é atualmente ocupado,
principalmente, por antigos aliados, por apoiadores ocasionais ou ainda
por atores de espectros políticos próximos àquele assumido pelo governo.
Isto é parte fundamental de uma operação de restrição e gestão do
horizonte de debate nacional. Não por acaso, o discurso oposicionista
começa a se configurar como um discurso de crítica à política ambiental,
às “derrapadas” do governo, a sua “insensibilidade” para com setores
historicamente violentados, mas que sempre termina por lembrar: “embora
tudo isto ocorra, sua política econômica é boa”. Como se estivéssemos a
ver a gestação de novos candidatos a gerentes de uma política econômica
aparentemente consensual, a despeito de seus resultados catastróficos.
Assim, da mesmo forma como em Aristóteles a atualidade é a situação
atual mais a soma de seus possíveis, constrói-se paulatinamente
horizonte dos possíveis deste atual governo.
Como
a outra face necessária dessa moeda, vemos desenhar-se no Brasil um
tipo de movimento que parece querer repetir o que se passou na Itália nas
últimas décadas. Desde o fim da Segunda Guerra, a Itália despontou como
um país de esquerda em ebulição. O maior partido comunista da Europa,
movimentos autonomistas extremamente dinâmicos e contestadores,
movimentos sociais múltiplos. No entanto, não há sequer sombra disto
atualmente. Simplesmente não há mais esquerda italiana. O que aconteceu?
Se quisermos fazer a arqueologia de Bolsonaro chegaremos necessariamente a Silvio Berlusconi,
certamente o primeiro da série de líderes populares de extrema-direita
que dão o tom da política mundial. Quando Berlusconi emergiu, todo o
resto do espectro político foi paulatinamente se configurando em enormes
“frentes de resistência”. Ou seja, a política se resumiu a Berlusconi e
as resistências a ele. Essas grandes frentes, no entanto, quando
conseguiam desalojá-lo não eram capazes de realmente governar. Pois não
havia nada que os uniam a não ser a recusa a Berlusconi. Principalmente,
tais frentes tendiam a anular as forças de esquerda no interior de
dinâmicas gerenciais de poder. Sem espaço para impor suas dinâmicas de
ruptura, a esquerda era convocada à responsabilidade de sustentar
governos com a paralisia das coalizões heteróclitas. Assim, no interior
desta dinâmica de frente ampla, todos se enfraqueceram, pois a única
força política real era Berlusconi. A única força política real, que
pregava a ruptura, estava fora da frente. Todo o resto era a expressão
da ordem, de uma ordem que ninguém queria mais. O resultado final
demonstrou-se absolutamente inefetivo. Quando Berlusconi enfim caiu em
definitivo, seu lugar foi ocupado não por atores dessa frente ampla, mas
por alguém ainda pior que ele, alguém cujas simpatias fascistas eram
ainda mais evidentes, a saber, Matteo Salvini.
Mesmo fora do governo depois de uma manobra desastrada, Salvini
permanece o político mais popular da Itália, prestes a retornar ao poder
na próxima eleição.
Isto apenas demonstra como, em
política, resistir é perder. Resistir é apenas confessar que não é você
quem controla a agenda política, quem tem a força de produzir a agenda.
Você simplesmente responde negativamente a uma agenda decidida por
outro. A política de frente ampla, de todos contra Bolsonaro será
impotente diante de uma “oposição consentida” que está a ser gestada
atualmente e que visa garantir a proliferação de atores dispostos a
perpetuar as políticas do atual governo, apenas com diferentes graus de
temperatura e pressão.
Neste ponto fica claro o que falta
a uma oposição real no Brasil. Falta-lhe a capacidade de impor no
debate público os tópicos de outra agenda. Quando a finada Margareth Thatcher
estabeleceu seu braço de ferro contra os mineiros britânicos em greve,
ela durante meses repetia o mantra: “Não há alternativa”. O que sempre
foi a estratégia clássica do autoritarismo neoliberal, a saber, querer
vender a ideia de que o “remédio amargo” é o único remédio (diga-se de
passagem, amargo apenas para alguns, pois há sempre os que lucram muito
com o amargor de outros). Mas mostrar a existência de alternativas,
impor outra agenda, não pode em absoluto significar tentar reeditar o
que já foi tentado.
Por exemplo, em seus últimos trabalhos, o economista Thomas Piketty mostrou
aquilo que muitos críticos da política econômica do governos petistas
já perceberam: que não houve política de combate à desigualdade
realmente eficiente. Seus estudos mostram como a participação, na renda
total, dos 1% mais ricos cresceu no período do antigo governo e que o
crescimento da renda das classes mais pobres foi, na verdade, feita em
detrimento da faixa entre os 50% mais pobres e os 10% mais ricos, ou
seja, em detrimento da classe média. Já havíamos percebido a ineficácia
da política em questão quando ficou claro que tudo o que ela havia
conseguido produzir fora levar o índice Gini (que mede a desigualdade)
aos patamares do início dos anos sessenta. Agora, fica claro em números
como ela foi também uma política de preservação e crescimento dos ganhos
da elite rentista brasileira, devido à ausência de qualquer reforma
fiscal que de fato transferisse a conta para os setores mais ricos da
sociedade. Tirar as consequências das ilusões de “todos ganhando” que
alimentou as políticas anteriores é condição necessária para que possa
aparecer uma oposição que faz minimente jus ao seu nome. Há um longo
debate a ser feito que, infelizmente, continuamos a nos recusar a fazer
enquanto “resistimos”.
Do Facebook do jornalista Luís Costa Pinto, a crua tradução
do noticiário da expedição punitiva da PF sobre Luciano Bivar, o agora
inservível presidente do PSL.
O episódio que transcorre esta manhã,
busca e apreensão na casa do presidente do PSL Luciano Bivar,
representa a ascensão mais súbita e mais grave na escalada fascista,
antidemocrática e antiinstitucional por que passa o Brasil.
Antes de seguir, necessário separar de joio de trigo e nesse enredo não há trigo, só joio.
Bivar tem extenso prontuário como
usufrutuário de situações que tangenciam crimes – eleitorais, de
colarinho branco, de chantagem, entre outros passeios pela floresta de
capítulos dos códigos civil e criminal. Mas, como sempre teria de ser, o
Estado não poderia pôr o aparato policial contra um inimigo de quem o
conduz qual manobrista de marionete.
O Estado Democrático de Direito não
pode servir de fantoche para um pretenso autocrata nascente travestido
de paladino da moral. E é isso o que Bolsonaro pretende parecer ser.
Bivar não escapa ileso de um baculejo
da Polícia Federal e do Ministério Público seja em sua vida política,
na vida privada ou em seus negócios empresariais.
Contudo, o conveniente e descarado
cronograma da PF chefiada pelo ex-juiz e protofascista Sérgio Moro,
empreendendo buscas e apreensões contra o ex-aliado e hoje grande
desafeto político do presidente que escorrega na ladeira do descrédito
público, parece – e é – uma agenda persecutória indigna de uma
democracia.
Bolsonaro precisa provar que
desconhecia a operação de hoje já há uma semana, quando advertiu a um
dos patetas que foram tirar foto com ele diante do Alvorada a
necessidade de conservar distância de Bivar. À luz dos acontecimentos
desta manhã, é óbvio que o presidente da República fora informado pelo
seu títere da Justiça que a polícia política sob seu comando faria o que
fez.
Chama-se Operação Guinhol, diz a PF,
porque seria nome decorrente do Teatro de Bonecos. Na verdade, como se
dá no Recife, cidade onde há larga tradição desse tipo de manifestação
cultural e artística, o batismo é de fato Operação Mamulengo. E o boneco
conduzido ao sabor das vontades de seu mestre (despreparado, inculto,
abusivo e escroque, mas “mestre”) é a própria Polícia Federal.
A PF se converteu numa DINA chilena, numa KGB soviética, numa Gestapo nazista, num FBI de J. Edgar Hoover.
Governo retira R$ 1 trilhão do povo para
entregar aos bancos
Por Maria Lucia Fattorelli /
Publicado em 26 de agosto de 2019
Desde a apresentação da PEC 6/2019, da reforma da Previdência,
ao Congresso, o ministro Guedes vem repetindo que o objetivo dessa PEC
seria combater privilégios e “economizar” R$ 1 trilhão nos gastos com a
Seguridade Social. Em momento algum os tais “privilégios” foram
devidamente explicados pelo Governo, que em suas exposições considera
“ricos” aqueles que se aposentam com cerca de R$ 2.231,00.
Mais de 80% do referido trilhão que será cortado com a PEC 6/2019 sairá dos mais pobres do Regime Geral de Previdência Social
(RGPS), ou seja, de aposentadorias, pensões e benefícios do INSS, cuja
imensa maioria está abaixo de dois salários mínimos. A tabela constante
da última página da Exposição de Motivos da PEC 6/2019, assinada por Guedes mostra isso.
E para onde irá esse trilhão que será subtraído principalmente dos mais pobres, mas também de servidores públicos?
Em evento realizado no Banco Central, o próprio ministro Guedes confessou que
o trilhão irá para os bancos: “Precisamos de 1 trilhão para ter
potência fiscal suficiente para pagar uma transição em direção ao regime
de capitalização. (…) Por isso que a gente precisa de 1 trilhão!”
A
capitalização individual foi retirada do texto da PEC 6/2019, mas
diversos representantes do governo e do próprio Congresso Nacional têm
afirmado que irão reapresentar o tema em outra emenda, apesar dos enormes riscos que tal modalidade
representa para a população e para a economia do país, conforme alertei
à Comissão Especial durante a tramitação da PEC 6 na Câmara dos
Deputados.
Ora, se Paulo Guedes realmente precisa de R$ 1 trilhão em 10 anos,
por quê não busca esse valor nos realmente privilegiados banqueiros e
grandes empresários que detêm isenções e benesses tributárias,
remuneração diária de sua sobra e recebem os maiores juros do planeta?
Por exemplo, em apenas 2 projetos de lei (PLP 9/2019 e PL 1981/2019)
que tratam da tributação de grandes fortunas e lucros, o governo poderia
arrecadar cerca de R$1,249 trilhão em 10 anos! Assim, o governo não
precisaria destruir a Seguridade Social; bastaria tributar fortunas e
lucros!
Imagem: Auditoria Cidadã
Outro
TRILHÃO de reais já foi destinado para bancos (nos últimos 10 anos), de
forma ilegal, para remunerar diariamente o dinheiro que sobra em seu
caixa! Isso mesmo, o dinheiro que os bancos não conseguem emprestar
(porque cobram juros elevados demais) está sendo remunerado diariamente!
Em vez de acabar com essa ilegalidade, o governo enviou ao Congresso o
PLP 112/2019 que, além de colocar o Banco Central acima de tudo e de
todos, pretende “legalizar” a figura do Depósito Voluntário Remunerado
pelo Banco Central aos bancos (tal como o PL 9.248/2017), o que na
prática significa que toda a sobra de caixa dos bancos poderá ser
depositada no Banco Central e este pagará juros diários aos bancos! Temos dinheiro sobrando para isso?. Portanto, o governo não precisaria destruir a Seguridade Social; bastaria para de remunerar a sobra de caixa dos bancos!
Muitos outros trilhões poderiam advir como resultado da auditoria da
dívida pública, com participação social, tendo em vista que só em 2018
os gastos financeiros com a chamada dívida pública consumiram R$ 1,065
trilhão do orçamento federal, além de afetar os orçamentos dos demais
entes federados.
Não faltam recursos! Temos destinado trilhões para alimentar o Sistema da Dívida (juros, prejuízos do banco central com swap cambial e outros operacionais, remuneração da sobra de caixa dos bancos etc.) e ainda temos mais de R$ 4 TRILHÕES EM CAIXA!
Em dezembro/2018, possuíamos, por exemplo, R$ 1,27 TRILHÃO no caixa do Tesouro Nacional;
R$ 1,13 TRILHÃO no caixa do Banco Central, e US$ 375 bilhões (R$ 1,453
TRILHÃO) em Reservas Internacionais. Além disso, o Brasil é a 9ª maior
economia do mundo, possui imensas riquezas e potencialidades, e cerca de
R$ 4 TRILHÕES líquidos!
Nosso problema não é a falta de recursos, mas a opção de retirá-los da população para entregá-los aos bancos.
* Maria Lúcia Fattorelli é auditora fiscal. Escreve mensalmente para o site do jornal Extra Classe.
Brasil é único com 'SUS' entre países com mais de 200 milhões de habitantes
Dos países com sistemas de saúde similares, nenhum tem população do mesmo tamanho
São Paulo
Postagem publicada no Twitter pede a defesa do
Sistema Único de Saúde (SUS) e afirma que o SUS é o único sistema
público de saúde que “atende a uma população com mais de 200 milhões de
pessoas” e que “fornece remédios de graça” – algo que, segundo a
postagem, nem o equivalente britânico, o Serviço Nacional de Saúde do
Reino Unido (NHS, na sigla em inglês), supostamente faria.
De fato, todo e qualquer brasileiro tem o direito de ser atendido gratuitamente pelo SUS,
algo definido na Constituição e na lei 8.080, de 1990. Também é verdade
que o SUS fornece remédios gratuitamente. Hoje a população brasileira é
de 210,5 milhões.
A publicação, no entanto, comete um erro ao dizer que o NHS não fornece medicação “totalmente de graça”. O sistema britânico
oferece remédios gratuitos para uma lista de doenças e para alguns
grupos, como idosos, jovens de até 16 anos, populações pobres ou com
doenças graves.
O Ministério da Saúde, contatado pelo Comprova, destacou que “o Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que conta com um sistema público (financiado pelo governo), universal (para todos) e gratuito para toda a população”.
Há vários sistemas de saúde no mundo. Em alguns países, mesmo que o
sistema seja público, não necessariamente ele é gratuito para toda a
população.
Dos países reconhecidos por possuírem sistema de saúde público
e universal, como Reino Unido, Canadá, Dinamarca, Suécia, Espanha,
Portugal e Cuba, nenhum tem população superior a 100 milhões de
habitantes. O mais populoso é o Reino Unido, com cerca de 66,4 milhões
de pessoas.
O Comprova só analisou individualmente os sistemas de saúde dos
países com mais de 200 milhões, número citado pela postagem. De fato,
nenhum deles possui um sistema público de saúde universal, como o SUS.
Foram pesquisados China, Índia, EUA, Indonésia, Paquistão e Nigéria.
Quem tem direito ao SUS?
A Constituição Federal brasileira define que todo brasileiro tem
direito a ter acesso à saúde via SUS. A frase “a saúde é direito de
todos e dever do Estado” define a ideia. Qualquer pessoa pode ir a uma
unidade básica de saúde ou a um hospital e receber atendimento de graça.
O SUS não é apenas atendimento médico, mas também vigilância em saúde e
fornecimento de medicamentos.
Beneficiários de planos de saúde também têm direito a atendimento
pelo SUS – nesse caso, no entanto, as operadoras dos planos privados são
obrigadas pela lei a ressarcir os cofres públicos pelos serviços
prestados que tenham cobertura do plano.
O SUS fornece remédios gratuitamente? Quais?
Sim. Entre as doenças cujos medicamentos são fornecidos gratuitamente
pelo SUS estão diabetes, pressão alta, asma, Aids e Alzheimer. A lista
de drogas fornecidas é atualizada anualmente e se chama Relação Nacional
de Medicamentos Essenciais (Rename). O Ministério da Saúde informou ao
Comprova que, na última década, o número de remédios incluídos na lista
aumentou em 54%: passou de 574 drogas em 2010 para as atuais 885.
Quem precisa de um remédio que está na lista, mas não é oferecido
pelo posto de saúde, ou que não está na lista, pode processar o governo
(judicializar) para obrigá-lo a pagar o tratamento. Em geral, pacientes
ganham a ação se provam à Justiça que correm risco de vida caso fiquem
sem o remédio solicitado.
O que mais o SUS faz?
Há,
também, outros serviços que beneficiam a toda população, como
atendimento de emergência por acidentes por meio do Samu (Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência); regulação de hemocentros assim como
transplante de órgãos.
Além disso, o SUS financia pesquisas epidemiológicas, importantes
para ajudar o governo a avaliar o risco de ocorrência de surtos ou
epidemias e também trazer dados para o controle e prevenção de
doenças. E, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), fiscaliza a qualidade de alimentos em restaurantes e
supermercados.
Vacinas exigidas para bebês também são oferecidas pelo SUS, por meio
do Programa Nacional de Imunização, que oferece todas as proteções
recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A estratégia é
reconhecida mundialmente como um sucesso na vacinação infantil.
Como era o sistema de saúde no Brasil antes do SUS?
Antes de o SUS ser regulamentado em 1990, só eram atendidas as
pessoas que tinham carteira assinada, contribuíam para a Previdência e,
portanto, faziam parte do Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (Inamps).
Quem não tinha carteira assinada podia apenas participar de programas
específicos do Ministério da Saúde ou das secretarias de Saúde
estaduais ou municipais (como vacinação ou combate a alguma doença
específica). Caso contrário, era preciso pagar plano privado ou buscar
atendimento em instituições filantrópicas, como as Santas Casas de
Misericórdia.
A criação do SUS aconteceu no contexto do fim da ditadura militar e
diante de denúncias sobre a medicina previdenciária, como os seus
custos. O sistema brasileiro foi inspirado no britânico, o NHS (National
Health Service), que havia sido implantado 40 anos antes, após o fim da
Segunda Guerra.
O NHS é pioneiro no modelo beveridgiano de serviço nacional de saúde, que entende a saúde como uma forma de cidadania.
Outros modelos na Europa também se baseiam na ideia do NHS de fornecer
cobertura integral para todos os cidadãos, como o de Portugal, criado em
1974, o da Itália, de 1978, e o da Espanha, de 1986.
Investimento
Uma diferença entre esses sistemas e o SUS é que, no Brasil, apesar
de o Estado ser obrigado a dar assistência de saúde gratuita à
população, o governo, proporcionalmente, investe menos na área do que
outros países.
De acordo com um relatório do Banco Mundial de 2017, mais da metade
dos gastos totais com saúde no Brasil são financiados privadamente
(individualmente e planos de saúde privados). No país, a despesa pública
com saúde representa 48,2% do total, enquanto a média entre os
integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) é de 73,4%.
Já entre nações com condições econômicas semelhantes, o Brasil está
acima apenas da média entre os países do BRICS (Brasil, Rússia, China,
Índia e África do Sul), 46,5%.
Como afirma Alcides Miranda, médico especialista em saúde comunitária
e professor de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), os demais países com sistemas de saúde universais como o
SUS investem um valor, em relação ao PIB, bem maior do que o brasileiro.
"Temos mais população e financiamento público que chega a um terço de
outros países na saúde. Mas, mesmo com essas dificuldades, o SUS tem
cumprido uma função de priorizar os mais vulneráveis e os mais expostos a
riscos, afirma Miranda.
O "SUS britânico" fornece remédios gratuitamente?
A publicação erra ao dizer que o NHS não fornece medicação
“totalmente de graça”. O sistema britânico é financiado por impostos e
fornece medicamentos gratuitamente para doenças crônicas (como diabetes)
e para alguns grupos populacionais, como idosos, menores de 16 anos,
grávidas e pessoas beneficiadas por programas assistencialistas.
Para o resto da população, há uma taxa de até 9 libras (cerca de R$
45) para medicações receitadas por médicos do NHS, pois os remédios são
subsidiados pelo governo. Quando está internado, o paciente não paga
pelo remédio. Remédios para câncer e infecções sexualmente
transmissíveis não têm impostos.
“O NHS tem regras mais restritas sobre o que é ou não oferecido. O
SUS, pela Constituição brasileira, deve oferecer tudo. Está escrito: ‘A
saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado’. Temos uma relação
de medicamentos obrigatoriamente fornecidos, como para diabetes ou
pressão alta. Se o remédio não estiver na lista, a pessoa pode
judicializar [entrar com processo] e ganhar”, explica
Oswaldo Yoshimi Tanaka, diretor da faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (USP).
O atendimento primário (em postos de saúde) é de graça e cobre
praticamente toda a população britânica— o SUS, por outro lado, cobria
cerca de 40% dos brasileiros até 2012.
Como é em outros países com mais de 200 milhões de habitantes?
Nenhum dos outros países com mais de 200 milhões de habitantes no
mundo tem um sistema de saúde com atendimento integral para todos os
cidadãos.
De acordo com Ivo Lima, mestre em Saúde Pública pela Fiocruz
(Fundação Oswaldo Cruz), países em desenvolvimento têm adotado como
alternativa a adoção de sistemas baseados em seguros para ampliar a
cobertura em vez da criação de um sistema universal.
“Há a cobertura por um seguro, mas é básico. Há uma desigualdade
relevante, porque pessoas mais pobres estão mais submetidas ao risco de
adoecer, mas são as que menos têm acesso ao serviço de saúde”, afirmou.
"É diferente do seguro nacional alemão (onde a cobertura está ligada ao
emprego). Lá, não tem diferenças no acesso ao serviço de saúde", disse
Lima.
China
Na China, o sistema público de saúde não é gratuito. Existem os
seguros de saúde públicos e os privados. O seguro público é financiado
em conjunto por empregados, empregadores e pelo governo. A depender se a
região é urbana ou rural, mais ou menos desenvolvida, variam também as
porcentagens de subsídio pelo Estado. Além de ajudar a financiar o
seguro de saúde em si, os pacientes têm que pagar taxas pelos
atendimentos e medicações prescritas, e parte desses gastos pode ser
reembolsada posteriormente.
Índia
O acesso à saúde é um direito constitucional na Índia. Apesar disso,
não há um sistema para atendimento universal como o SUS. No ano passado,
foi implantado o Modicare (em referência ao primeiro-ministro Narendra
Modi), um programa que oferece cobertura de até 500 mil rupias anuais
por família (R$ 28,6 mil) para tratamento hospitalar para moradores
pobres de áreas rurais e urbanas. Neste caso, usando como pré-requisito a
ocupação e incluindo empregados domésticos e trabalhadores da área de
construção, por exemplo.
Estados Unidos
Não há sistema universal de saúde – é necessário pagar para ter
atendimento ou remédios. Em hospitais, o paciente pode não ser atendido
se não tiver plano de saúde (é o caso de 10% dos norte-americanos, o
equivalente a 30,4 milhões de pessoas). O governo subsidia planos de
saúde para alguns grupos específicos, como idosos ou pessoas de baixa
renda – no entanto, mesmo para eles o atendimento e os remédios não são
de graça. Estudo publicado em março no American Journal of Public Health
aponta que, dos pedidos de falência feitos nos EUA entre 2013 e 2016,
66,5% estavam ligados a dívidas de saúde.
Indonésia
Existe um programa de saúde pública criado em 2014, o JKN, com o
objetivo de reduzir as dificuldades de acesso a serviços básicos pela
população. O atendimento é feito por meio de seguros oferecidos pelo
governo, com preço que varia, a depender da ocupação da pessoa. Em
alguns casos, o seguro é de gratuito, como para populações vulneráveis.
Vacinas básicas gratuitas são oferecidas para bebês, crianças em idade
escolar e para meninas jovens, por exemplo.
Paquistão
De acordo com relatório de 2015 do Escritório Europeu de Apoio ao
Asilo (Easo) da União Europeia, o sistema de saúde do Paquistão é
fortemente privado. Em 2015, o primeiro-ministro do país lançou um
programa nacional de seguro de saúde voltado a famílias vivendo abaixo
da linha de pobreza. O programa consiste em fornecer cupons de saúde de
valor fixo, para cobrir serviços emergenciais e de maternidade, por
exemplo. Há também um segundo vale com valor maior para sete doenças
consideradas de tratamento prioritário, como diabetes, câncer e Aids.
Nigéria
O país tem o National Health Insurance Scheme, que é um órgão criado
pelo governo federal em 1999. Ele funciona como um plano pré-pago:
paga-se um valor regular fixo e os fundos dessa arrecadação devem ser
destinados a Organizações de Manutenção em Saúde, que administram os
hospitais e clínicas da Nigéria. Contudo, o sistema de saúde no país é
precário devido à corrupção governamental.
Também participaram dessa verificação GaúchaZH, Band e Jornal do Commercio.
Projeto Comprova
O Comprova é uma coalizão de
veículos jornalísticos que visa identificar, checar e combater rumores,
manipulações e notícias falsas sobre políticas públicas. É possível
sugerir checagens pelo WhatsApp da iniciativa, no número (11)
97795-0022.
- A primeira vez que a palavra robô (oriunda do vocábulo robota - trabalhador, em russo) foi utilizada, foi na estreia da peça R.U.R, do escritor tcheco Karel Capek, no dia 25 de janeiro de 1921.
Em 1950, Isaac Asimov publicou Eu, Robô, um clássico romance de ficção científica, em que enumerou as Três Leis da Robótica:
1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal;
2) os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; e
3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores.
Embora os robôs produzidos pela fábrica imaginada por Capek, a Rossum Universal Robots, tenham acabado se revoltando e extinguindo a Humanidade, e Dennis Feltham Jones, no livro Colossus, de 1966, e James Sargent, no filme homônimo de 1970, tenham imaginado uma guerra nuclear e o domínio do mundo por sistemas de inteligência artificial encarregados dos programas nucleares dos EUA e da então União Soviética; e a maioria das ameaças robóticas na ficção científica, como na série The Terminator, o Exterminador do Futuro, se refira a robôs, no caso, da Skynet, atacando fisicamente humanos, nenhum deles previu que, na segunda década do século XXI, as duas primeiras leis da robótica fossem descaradamente desobedecidas por exércitos de milhões de "robôs" virtuais, capazes de derrubar governos democráticos e de manipular eleições para impedir a chegada ao poder de favoritos e de ajudar a eleger candidatos absolutamente execráveis e teoricamente inelegíveis; ou a existência de corporações dominadas por ideologias nefastas como o fascismo, controlando países não com divisões de soldados ou assassinos como os das SS e da Gestapo, mas com enormes nuvens de clones eletrônicos dedicados a promover a discórdia e a mentira entre os humanos, com a disseminação de calúnias para milhares de imbecis ideológicos por meio de novos canais de comunicação agora chamados de redes sociais, como o Facebook, o Twitter e o WhatsApp.
Há alguns anos atrás, ninguém que não
tivesse lido 1984, de Orwell, com o seu Ministério da Verdade, poderia
vislumbrar, em um futuro próximo, o surgimento de empresas como a
Cambridge Analytics, acusada da coleta de dados de milhões de usuários
na internet, ou de iniciativas como The Mouvement, uma operação de
conquista do mundo civilizado ( ou nem tão civilizado assim, vide o
Brasil) pela extrema-direita, comandada por Steve Bannon, ex- assessor
de campanha de Trump e apoiador “informal” e “não remunerado” do atual
presidente brasileiro na campanha de 2018.
Em um momento em que pesquisadores
como Mona Sloane e Emanuel Moss, chamam a atenção para o fato de que a
Inteligência Artificial precisa da engenharia social para não ferir
humanos, e alertam que “A IA pode exacerbar a desigualdade, perpetuar a
discriminação e infligir danos”, será que, caso vivesse hoje, Asimov
não teria provavelmente promulgado uma Quarta Lei da Robótica, voltada
para que robôs não fossem usados para enganar ou manipular seres humanos
?
Principalmente quando essas ações fizessem decididamente mal à liberdade, à Democracia e à própria Humanidade?
Afinal, quem é mais robotizado agora ?
Os exércitos de falsos humanos que, por meio da compra de likes e de identidades virtuais, espalham inverdades e fake news o tempo todo, pelos mais variados meios de comunicação, ou as multidões de coitados que neles acreditam e que se transformam eles mesmos em robôs mentais e psicológicos, que se deixam contaminar pela injúria e estupidez incessantemente veiculada pelos primeiros ?
O avanço da Inteligência Artificial tem ajudado, por exemplo, no aprendizado, no atendimento a consumidores, na operação de aplicativos voltados para o mercado bancário e para consultas de conteúdo dos mais diferentes aspectos do conhecimento.
Os robôs que defendem o fascismo nas trincheiras da internet, aqueles que estão a serviço de malucos como Trump, e de seus ridículos asseclas, surgidos nos últimos anos em várias regiões do mundo, operam com a propagação do ódio, da ignorância, do preconceito e da hipocrisia, e para a fabricação de milhares de outros robôs, esses humanos, totalmente desprovidos de informação, cognição, raciocínio político ou estratégico.
São robôs que trabalham não com a I.A, mas com a D.A, a Desinteligência Artificial, aquela que coloca a tecnologia a serviço da desinformação, da ira e da abominação, e que têm feito, com ajuda de parte da mídia, um espetaculoso sucesso no Brasil nos últimos anos.
Cuidado com os entreguistas, os privatistas, os anti-desenvolvimentistas, os pseudo neoliberais, os neo-anticomunistas fundamentalistas, esotéricos e anacrônicos, os austericidas, os ortodoxos, aqueles que defendem diminuir ou eliminar o Estado para entregar o país, em discutíveis negociatas, a bancos privados e a nações em que ele é muitíssimo maior, mais poderoso e decisivo que o nosso.
Os assassinos da História, os verdadeiros exterminadores do futuro, sabem que para dominar o amanhã é preciso primeiro que se elimine a verdade.
Na última semana, o WhatsApp reconheceu, a existência, no Brasil, de um exército de 1.5 milhão de robôs, ou contas simuladas, em seu sistema, criadas com dados falsos ou inexistentes, usadas nas últimas eleições e ligadas à divulgação de teses, mensagens e fake news pseudo-conservadoras, mais de 40% delas ainda em pleno funcionamento, e anunciou sua eliminação imediata.
O que cabe perguntar é porque essas medidas não foram tomadas antes da eleição ou do impeachment igualmente hipócrita e baseado em uma tese ardilosa e mendaz, da ex-presidente da República, Dilma Roussef.
E o que farão - se é que farão alguma coisa - a justiça brasileira e o Ministério Público, ou ao menos a parte mais séria dele, para punir não apenas as empresas mas os responsáveis diretos por essa mega manobra de interferência no processo político brasileiro que, aliada à conspiração jurídica-midiática da vaza-jato, levou o país e a República ao total descalabro econômico e institucional em que se encontram agora.