Moro quer emparedar o STF mais uma vez, com a lorota de que não houve excesso na Lava Jato.
Por Joaquim de Carvalho
Na entrevista que Sergio Moro deu à Veja,
ele fez algumas colocações que podem ser facilmente confrontadas. A
principal delas é sobre os abusos da Lava Jato.
“Não houve excesso, ninguém foi preso injustamente”, disse Moro.
Não houve?
A operação nasceu de um excesso, que foi a
usurpação de competência do STF para investigar casos que estavam sendo
apurados desde 2006.
Durante oito anos, Moro manteve sob sua
autoridade um inquérito sem alvo e fatos definidos, mas que apresentavam
indícios fortes de envolvimento de autoridades que só poderiam ser
investigadas pelo STF.
A origem deste inquérito está em uma
escuta telefônica realizada pela Polícia Federal em Londrina, que
registrou conversa entre um advogado e seu cliente, que citavam o
doleiro Alberto Youssef.
Moro não poderia receber a transcrição
desta escuta exceto por decisão do juiz que havia ordenado a escuta.
Mas, por vias transversas, essa escuta foi parar na sua Vara, a 13a., em
Curitiba.
Moro, então, decidiu abrir um inquérito,
considerando que era o juiz do caso, já que envolvia Alberto Youssef,
premiado por ele em um acordo de colaboração no âmbito do caso
Banestado.
O inquérito foi aberto, mas Youssef não
foi sequer chamado para depor. Um delegado da Polícia Federal em
Londrina, Gérson Machado, alertou Moro que o doleiro praticava crimes e
recomendou que aquele acordo de colaboração fosse rescindido, mas o
então juiz não tomou nenhuma providência.
Só quando esse inquérito recebeu o nome
Lava Jato, em 2014, é que Moro definiu a Petrobras como vítima, prendeu
Youssef e passou a comandar uma investigação que desestabilizaria o
governo federal.
Nessa inquérito, Moro banalizou as ordens
de condução coercitiva, dirigidas a pessoas que não haviam se recusado a
prestar depoimento, como o ex-presidente Lula.
Não houve excesso?
O STF acabaria proibindo essa prática, justamente por considerá-la abusiva.
Moro também manteve prisões preventivas
prolongadas, em condições desumanas. Um exemplo: antes de decidir
delatar, Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, não podia deixar
sua cela para tomar banho — nem de sol, nem de água — nos fins de semana e feriados.
Seu advogado na época, Fernando
Fernandes, apresentou habeas corpus, e iniciou uma luta para tentar
mudar o tratamento desumano na prisão de Curitiba.
No habeas corpus, ele juntou cópia da lei
de proteção aos animais, como fez o jurista Sobral Pinto, na ditadura
do Estado Novo, em relação ao comunista Harry Berger.
Não houve excesso na Lava Jato?
No mesmo movimento de defesa, Fernando
Fernandes apresentou uma reclamação ao STF, para denunciar as
ilegalidades da Lava Jato e conseguiu libertar Paulo Roberto Costa.
Mas ele voltaria à prisão dois meses
depois por um pedido do Ministério Público Federal que continha uma
prova ilícita: documentos bancários obtidos informalmente de autoridades
suíças, relativos a duas contas que Paulo Roberto Costa mantinha
naquele país.
Não houve excesso?
Paulo Roberto Costa trocou de advogado e acabaria concordando com um acordo de delação.
Disse tudo aquilo que os procuradores queriam ouvir, ainda que faltassem provas.
Para Moro, nada disso foi abuso. E quem
diz o contrário é militante político. Será que ele estaria se ferindo a
Gilmar Mendes, que compara os abusos da operação à prática de tortura?
Certamente.
Mas não vai dizer. Pelo contrário. Da boca para fora, defende a corte. “É fundamental para a democracia”, afirmou.
Mas, no fundo, ataca, quando diz que está
preocupado com o possível resgate do princípio constitucional da
presunção de inocência, com prisões autorizadas apenas a partir de
esgotados todos os recursos.
“Espero, respeitosamente, que não ocorra.
O Supremo terá de avaliar bem as consequências de uma eventual reversão
sobre o movimento anticorrupção e sobre a esperança das pessoas por um
país mais íntegro e mais justo”, disse.
Os ministros da corte constitucional
precisam ficar atentos, porque Moro usa a estratégia de sempre: na
dificuldade, recorre a seus aliados na imprensa para tentar criar um
ambiente que produza decisões favoráveis a seus interesses, que quase
sempre representam uma posição autoritária.
Moro não fala pela população. Sua
entrevista deve ser recebida como a manifestação de quem quer a Lava
Jato ativa como parte de um movimento que o levou ao poder.
Sem a Lava Jato, Moro fica ainda menor.
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