sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Moro quer emparedar o STF mais uma vez, com a lorota de que não houve excesso na Lava Jato.

Moro quer emparedar o STF mais uma vez, com a lorota de que não houve excesso na Lava Jato.

 Por Joaquim de Carvalho

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Na entrevista que Sergio Moro deu à Veja, ele fez algumas colocações que podem ser facilmente confrontadas. A principal delas é sobre os abusos da Lava Jato.
“Não houve excesso, ninguém foi preso injustamente”, disse Moro.
Não houve?
A operação nasceu de um excesso, que foi a usurpação de competência do STF para investigar casos que estavam sendo apurados desde 2006.
Durante oito anos, Moro manteve sob sua autoridade um inquérito sem alvo e fatos definidos, mas que apresentavam indícios fortes de envolvimento de autoridades que só poderiam ser investigadas pelo STF.
A origem deste inquérito está em uma escuta telefônica realizada pela Polícia Federal em Londrina, que registrou conversa entre um advogado e seu cliente, que citavam o doleiro Alberto Youssef.
Moro não poderia receber a transcrição desta escuta exceto por decisão do juiz que havia ordenado a escuta. Mas, por vias transversas, essa escuta foi parar na sua Vara, a 13a., em Curitiba.
Moro, então, decidiu abrir um inquérito, considerando que era o juiz do caso, já que envolvia Alberto Youssef, premiado por ele em um acordo de colaboração no âmbito do caso Banestado.
O inquérito foi aberto, mas Youssef não foi sequer chamado para depor. Um delegado da Polícia Federal em Londrina, Gérson Machado, alertou Moro que o doleiro praticava crimes e recomendou que aquele acordo de colaboração fosse rescindido, mas o então juiz não tomou nenhuma providência.
Só quando esse inquérito recebeu o nome Lava Jato, em 2014, é que Moro definiu a Petrobras como vítima, prendeu Youssef e passou a comandar uma investigação que desestabilizaria o governo federal.
Nessa inquérito, Moro banalizou as ordens de condução coercitiva, dirigidas a pessoas que não haviam se recusado a prestar depoimento, como o ex-presidente Lula.
Não houve excesso?
O STF acabaria proibindo essa prática, justamente por considerá-la abusiva.
Moro também manteve prisões preventivas prolongadas, em condições desumanas. Um exemplo: antes de decidir delatar, Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, não podia deixar sua cela para tomar banho —  nem de sol, nem de água — nos fins de semana e feriados.
Seu advogado na época, Fernando Fernandes, apresentou habeas corpus, e iniciou uma luta para tentar mudar o tratamento desumano na prisão de Curitiba.
No habeas corpus, ele juntou cópia da lei de proteção aos animais, como fez o jurista Sobral Pinto, na ditadura do Estado Novo, em relação ao comunista Harry Berger.
Não houve excesso na Lava Jato?
No mesmo movimento de defesa, Fernando Fernandes apresentou uma reclamação ao STF, para denunciar as ilegalidades da Lava Jato e conseguiu libertar Paulo Roberto Costa.
Mas ele voltaria à prisão dois meses depois por um pedido do Ministério Público Federal que continha uma prova ilícita: documentos bancários obtidos informalmente de autoridades suíças, relativos a duas contas que Paulo Roberto Costa mantinha naquele país.
Não houve excesso?
Paulo Roberto Costa trocou de advogado e acabaria concordando com um acordo de delação.
Disse tudo aquilo que os procuradores queriam ouvir, ainda que faltassem provas.
Para Moro, nada disso foi abuso. E quem diz o contrário é militante político. Será que ele estaria se ferindo a Gilmar Mendes, que compara os abusos da operação à prática de tortura?
Certamente.
Mas não vai dizer. Pelo contrário. Da boca para fora, defende a corte. “É fundamental para a democracia”, afirmou.
Mas, no fundo, ataca, quando diz que está preocupado com o possível resgate do princípio constitucional da presunção de inocência, com prisões autorizadas apenas a partir de esgotados todos os recursos.
“Espero, respeitosamente, que não ocorra. O Supremo terá de avaliar bem as consequências de uma eventual reversão sobre o movimento anticorrupção e sobre a esperança das pessoas por um país mais íntegro e mais justo”, disse.
Os ministros da corte constitucional precisam ficar atentos, porque Moro usa a estratégia de sempre: na dificuldade, recorre a seus aliados na imprensa para tentar criar um ambiente que produza decisões favoráveis a seus interesses, que quase sempre representam uma posição autoritária.
Moro não fala pela população. Sua entrevista deve ser recebida como a manifestação de quem quer a Lava Jato ativa como parte de um movimento que o levou ao poder.
Sem a Lava Jato, Moro fica ainda menor.

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